Gyzelle Góes é poeta, autora de “Amante” (Urutau, 2019).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Os meus dias costumam ter horários muito difusos. De verdade, a rotina não é algo trivial para mim, mas depois de abrir os olhos, tenho o hábito de reler o que se deu enquanto estive com eles fechados. Tenho um vício muito grande em meus sonhos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
À luz da noite tenho a mania de vir a ser. A minha escrita nasce da inevitabilidade de algo – animado, inanimado – originar-se, gerir. A arte que eu crio é a qual me cria, então digamos que há uma espécie de renascença, cinzas e carne na minha escrita, uma necessidade afiada.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Todos os dias sento – ou me deito, debruço, inclinada – para escrever um pouco, o que pra mim é sempre muito. Depois que me deparo com a minha produção, fico vendo que a escrita faz parte da minha vida mais do que eu às vezes, muitas dessas vezes apenas estou imaginando ou confabulando, que eu não teria a coragem que expresso nas minhas verborragias, e eu me orgulho de algum modo existir assim, através da forma de um poema descarado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tenho os meus lugares da escrita: diários, papéis avulsos, vazios, cadernos. Tenho os instantes nos quais tenho de fazer existir o que está vivíssimo, e eu posso senti-lo, e deixo que se vá, sem a agonia de me cobrar. Com carinho, se vai esvaindo, assim é o meu processo, que é doloroso porque vaza rasgando de mim de dentro, mas é delicado.
Trabalho atualmente em um museu como pesquisadora de arquivos pessoais, na área de literatura. Lido e atuo com a poesia contemporânea e certamente ser parte dessa poética é extraordinário, ou seja, trabalhar com poesia e ser poeta. Essa troca-troca de experiência entre a poesia e a pesquisa me faz crescer como profissional, poeta e pessoa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Cada vez mais, procuro ser gentil comigo e com a minha criação. Não quero que seja dolorido, busco evitar o padecer da consciência. Outrora, costumava deixar que sangrasse, no entanto, por agora, eu quero tratar da ferida, mirar o retrato a cicatriz e dizer que também posso ser o curativo. Tenho meus transtornos da depressão recorrente, as ansiedades que tive de aprender a manusear para causar o autocuidado. Escrevi um bocado sobre meus sentires tateando os abismos, os terrores mais intactos dentro da minha caverna, muitas vezes cavei um buraco ainda maior do que aquele no qual eu estava, mas foi importante para o meus processos de ressurreições.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não muito, vez ou outra eu olho para um poema e quero tocá-lo novamente. Todavia, em geral, me sinto a vontade com o que eu escrevo de uma vez e não fico procurando o perfeccionismo ou insatisfeita com o fruto, procuro um motivo para um próximo poema. Sobre mostrá-los, normalmente, exponho alguns poemas para alguns, mas a maioria fica na sombra. Embora, quando esteja ébria, viro uma máquina de recitar poema, tenho até compaixão de quem está comigo nesses momentos de vertigem rs.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende, a vivência de escrever à mão pra mim é indispensável, a imagem de formar um acervo vivo e tangível me seduz e conduz ao ato de produzir manuscritos desde pequenina, apesar de que tenha desenvolvido o costume de lançar escritos no meu blog – desde 2012, devo ter publicado por volta de uns mil poemas – e em algumas redes. Uma experiência não substitui a outra, muito pelo contrário.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Complicada essa pergunta, mas vem do eu e do outro. Parte da minha experiência conosco. Eu me olho para um espelho e reflito não só a mim, mas a possibilidade. Eu vou à rua e vejo a semelhança nossa. Só estou em mim quando também sou outro, e só serei outro se for eu primeiro – nisso entra um embate do eu-lirico. Toda uma experiência que tenho com os outros me fazem ser mais quem eu sou ou seria, é necessário para o poeta reconhecer a sua própria figura, mas sem abrir mão de se confudir e reconhecer. Minhas matérias primas quanto à escrita é sobre sensualidade, cidade, infância, gesto, corpos, espanto, delírio, delicadeza…
Toda lapidação é o meu culto, procuro a fineza das sensações.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Creio que antigamente eu era prolixa por demais nos poemas, isso porque achava que o mundo acabaria muito rápido ou eu não duraria e tinha que dizer o máximo, era uma porrada de coisa que eu tinha para falar. Entretanto, ao longo do tempo, tenho tido mais madureza com as minhas criações, mesmo que eu não dure tanto estou certa de que fiz o que foi possível. E se eu pudesse voltar, diria quem diria…
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero terminar meu livro de cartas não enviadas – faz parte do meu delírio por carteiros e amores não correspondidos.
Também pretendo escrever a história da minha mãe.
Tenho muitos poemas engavetados, quero dar luz a essas graças. Quero o que ainda nem sei o que quero, sinto muito pelo o que ainda não quis.