Gustavo Suzuki é roteirista de televisão e comediante.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu cachorro costuma me acordar cedo porque ele sempre quer passear logo de manhã. Eu o levo pra dar um rolê e depois volto pra casa. Fora eu não tenho rotina. Às vezes preciso ir numa reunião, às vezes preciso escrever de casa, às vezes eu não tenho nada pra fazer. Tudo depende do projeto que eu estou no momento. Não tenho muita paciência pra criar uma rotina e acho que a vida de freelancer não me ajuda, nesse sentido.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho melhor de madrugada. É péssimo e não recomendo. Mas o bom da madrugada é que a madrugada parece não ter prazo. Se você começa a escrever de manhã, uma hora você vai ter que parar pra almoçar. Mas se você começa de madrugada, a sensação é que você tem todo o tempo do mundo. Acho que isso me faz me sentir menos pressionado pra escrever.
Tenho um ritual pra escrever e ele envolve jogar video game. Pra lidar com minha necessidade de procrastinar, eu tento organizar meu ócio. Então, digamos que eu tenho que escrever um roteiro de 13 páginas pro dia seguinte. Daí eu digo pra mim mesmo que, a cada 4 páginas, eu paro pra jogar um video game. É importante escolher um video game bom pra isso. Não pode ser um muito imersivo, que demora horas pra terminar. De preferência, um jogo que se dá em partidas curtas de, digamos, 20 minutos, como Rocket League ou Hearthstone. Você não quer ser sugado pelo video-game, afinal de contas. Acho que essa dica vale não só pra games, aliás, você pode trocar o video-game pelo que você quiser (um brigadeiro ou uma volta na rua, por exemplo). No geral, eu diria que, quando o assunto é trabalho, é importante ser um pouco auto-indulgente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu costumo deixar tudo pra última hora. Não é uma boa ideia mas, quanto mais você conversa com as pessoas, mais você entende que todo mundo é, em alguma medida, assim. Tem gente que é mais organizada na vida e tem gente que é menos organizada na vida, mas a tendência do ser humano, no geral, é deixar pra amanhã o que pode ser feito agora.
Quem acabou me obrigando a ser mais organizado foi a realidade. É comum na minha área, por exemplo, você ter que entregar dois trabalhos diferentes num mesmo prazo, então nesse caso não dá pra deixar tudo de última hora. Daí ajuda você criar seus próprios prazos e ser bem caxias com isso.
Eu já cheguei a ter uma meta diária de escrita. Quando eu estava terminando a faculdade, criei um blog (que não existe mais) e me obriguei a postar pelo menos um texto por dia, de segunda a sexta, durante um ano e meio. O texto podia ser sobre qualquer coisa: uma série que eu vi, um artigo que eu li sobre algum animal exótico, uma ideia que eu tive no chuveiro. Foi bom porque, na época, escrever ainda era uma coisa que me deixava inseguro, então foi um processo que me ajudou a desmistificar o processo de escrita. Não necessariamente me fez escrever melhor, mas certamente me fez ter uma relação mais saudável com meus defeitos.
Hoje em dia, porém, não tenho meta de escrita diária porque não acho isso uma boa ideia. Criar metas diárias faz você ficar se sentindo mal toda vez que você não quer escrever nada. E, convenhamos: escrever é, na maioria das vezes, uma atividade chata mesmo, então nada mais saudável do que não querer escrever. Minhas duas metas em relação à escrita são pagar minhas contas e me satisfazer pessoalmente com as coisas que eu escrevo, embora seja bastante difícil balancear essas metas na vida real.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu odeio ficar encarando um arquivo em branco do Word, então eu tento postergar até o último momento a parte de sentar e bater o texto. Eu costumo ter as coisas que eu escrevo muito bem organizadas na cabeça antes de digitá-las. Às vezes tento estruturar o texto num caderno, com itens. Às vezes eu faço isso deitado na cama, olhando pro teto. Mas a regra, no meu caso é: nunca sentar na frente do computador antes de ter uma ideia muito clara do que eu vou escrever. Daí eu finalmente sento no computador, vomito tudo na tela e vou revisando aos poucos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Pra lidar com todas essas questões eu tento não me levar muito a sério e, assim, sempre lembrar que eu não sou um gênio, mas também não sou um completo imbecil. Isso me ajuda a desmistificar minhas travas e meus medos. Para um texto ficar bom, ele quase sempre passa por um momento em que ele já foi um texto meio ruim. Acho que muito da crise que a gente tem ao escrever vem do fato de que a gente não consegue lidar muito com as primeiras versões das coisas que a gente faz, pois elas revelam um lado muito tosco nosso. Daí a gente já quer acertar de primeira. Ainda mais porque, dependendo do trabalho que você está fazendo, muitas pessoas vão ler aquela primeira versão que você fez e achar aquilo muito ruim. Só que escrever mal faz parte da vida de qualquer escritor.
Então, toda vez que eu travo, eu costumo me perguntar: “será que eu tô tendo um bloqueio criativo mesmo? Ou será que eu só tô frustrado de não estar tendo uma ideia que seja brilhante o suficiente para massagear meu ego?”.
É importante confiar que às vezes uma ideia boa só vem quando você solta umas ruins antes.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muito vezes. Eu considero a parte mais importante do processo de escrita.
Nos trabalhos que eu fui contratado pra fazer só mostro o texto para quem está trabalhando comigo, mas as coisas que eu escrevo pra mim mesmo eu costumo sempre testar com vários amigos antes de publicar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu gosto de usar papel e caneta para algumas coisas, em especial para desenvolver estruturas narrativas. Porque daí você pode usar setas, círculos, riscar palavras, ficar experimentando coisas no papel, até achar um esqueleto interessante para aquele enredo. Rabiscar combina muito com esse processo e computadores não são bons para rabiscar.
Escrever texto à mão é um processo criativo muito diferente do que digitar uma coisa no computador. Então é um treino interessante. Eu às vezes escrevo coisas à mão quando viajo de ônibus ou avião, como passatempo. Uma época tentei levar um caderno comigo pra anotar ideias, mas eu sempre esquecia dele. Um dia joguei minha calça na maquina de lavar com o caderno dentro e conclui que esse rolê não era pra mim.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Muitas das minhas ideias são subprodutos das minhas obsessões. Ás vezes eu fico muito obcecado num assunto ou numa história que eu ouvi e, de tanto pensar nela, acaba surgindo uma premissa para uma história, ou uma imagem legal que daria pra explorar em um roteiro. Raiva também costuma ser um bom combustível criativo. Muitas ideias surgem como forma de lidar com coisas na vida que me deixam inconformado.
Eu costumo cultivar hábitos que me obrigam a raciocinar de um jeito que eu não estou acostumado. Por exemplo, acho legal aprender jogos de baralho, ou então escutar gêneros novos de música que, numa primeira ouvida, me pareceram estranho e chato. Acho que entender outras formas de raciocinar o mundo te ajuda a ter um repertório de soluções criativas, além de te fazer pensar “fora da caixinha”. É bom não ter um gosto muito idiossincrático e estar sempre aberto à possibilidade de curtir umas coisas diferentes.
Também acho importante incrementar seu repertório. Não acho necessariamente que um roteirista, por exemplo, tenha que estar a par de todas as séries novas do Netflix – inclusive nem recomendo -, mas acho que ele tem que se interessar por ALGUMA coisa. Pode ser que o lance da pessoa seja ler poesia, ouvir discos de rock progressivo, ir em vernissages, o que for. Mas não dá pra escrever muita coisa se você não tem repertório.
Também é sempre bom estar mais ou menos à par do que está acontecendo no mundo pra você não escrever umas coisas que não tem nada a ver com nada.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu escrevo um pouco menos pior hoje em dia. Diria para minha versão mais jovem pra ele ouvir logo o conselho do amigo e não demorar um ano e meio pra ver The Wire.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Seria legal um dia escrever um roteiro de videogame. Gostaria de ler mais fanfics sobre o romance do Faustão e a Selena Gomez.