Gustavo Rios é escritor, autor de O Amor É Uma Coisa Feia (7Letras) e Rapsódia Bruta (Mariposa Cartonera).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começa num ritmo normal e antiliterário: emprego e outras obrigações. Minha rotina matinal fica por aí.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acho que a cabeça funciona melhor justamente pela manhã. Deve ter relação com a fisiologia humana, algo assim. Mas não dá. Por isso, ainda hoje tento destruir qualquer tipo de mistificação. Ou seja: a melhor hora é aquela em que você se dispõe a ser escritor, pode ser manhã, noite, enfim. O mesmo se aplica aos rituais: deixe de lado qualquer ritual, caso ele te aprisione. Tava acontecendo comigo. Ficava esperando a melhor hora, o momento certo, a música certa, o exato instante. E levava horas e até dias nisso.
A pergunta vem em boa hora. Hoje minha luta é justamente destruir essas prisões. E seguir, de qualquer forma.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Todos os dias me envolvo com literatura. Escrevendo, lendo, pensando (deixar que as ideias dancem um pouco) e, principalmente, revisando e cortando.
Nem sempre cumpro as metas, quando as crio. Um dia é mais, outro menos. Em alguns, extrapolo, sigo em frente e acabo o dia com uma sensação boa. Para mim, trabalhar com um projeto sempre foi mais interessante. Se me convidam para algo ou se tenho algum texto a entregar (coisa raríssima), me sinto na obrigação de dar conta do trabalho.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como já disse, o processo é o momento de sentar e escrever. E te digo que não se trata de pedantismo meu: eu realmente preciso destruir uma série de obviedades para poder ser um escritor de verdade.
Durante muito tempo romantizei demais. Mas as coisas, particularmente comigo, não funcionavam.
Já escrevi chapado, levemente bêbado, em silêncio, com música alta, baixa, trancado num quarto, na sala, olhando imagens de pintores famosos. E o resultado sempre foi irregular. Percebi que um bom texto não dependia desses elementos.
Foi divertido (principalmente a parte do “chapado” e do “levemente bêbado”), mas não produzi nada que prestasse ao tentar repetir o ritual.
A única coisa que repito é o uso de outros livros no lugar de dicionário. Caso precise de um sinônimo, por exemplo, folheio algum escritor que admiro. A palavra sempre surge. E sempre dentro de um contexto, com uma sonoridade, um encaixe. Já dá seu recado. Acho que tem a ver com a frieza dos dicionários. E com os milagres da arte.
Mesmo assim, fico alerta para o fato de ser mais uma superstição em vez de eficiente recurso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É frustrante não produzir algo verdadeiro e digno. Mas já tenho uma vida bem atribulada (obrigações demais fora da literatura) e tento não sofrer com isso. Quanto ao medo, ele sempre existe.
Uso a frase que ouvi de um amigo músico: uma obra de arte a gente nunca termina, a gente abandona. Não sei se a frase é dele (creio que não), mas me conforta um pouco saber que nada se conclui.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Revisava bem menos que agora. E tenho um grupo de amigos que costuma me sinalizar quando algo não vai bem.
É a melhor parte, e a mais dolorosa: ouvir as críticas. Porém, sem isso, não seria nem um terço do que sou hoje – e olhe que não sou coisa alguma; ainda tenho um caminho imenso pela frente.
Quando um amigo de verdade destrói suas falsas expectativas, ele está ratificando o amor que sente por você. Claro, a palavra final é sua. O risco também. Mas aconselho sempre a segurar a onda, absorver o baque e tentar pensar como ele. Sem draminhas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou mediano e um usuário esforçado. Quanto aos rascunhos, eles podem ser manuscritos, gravados no celular, escritos no computador. Tanto faz.
É fundamental entender que a escrita não deve depender do suporte.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não sei te responder isso, sinceramente. Quanto aos hábitos, boa música e bons livros sempre me ajudaram.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ao destruir os rituais que me paralisavam, comecei um novo ciclo. Posso dizer que o meu processo de escrita mudou bastante. E vai continuar mudando, acredito nisso.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Uma novela. Depois tentar um romance.
Quanto ao livro, sinceramente, espero uma grande surpresa. E surpresas pertencem ao futuro.