Gustavo Magnani é escritor e roteirista, criador do Literatortura.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tudo depende do projeto e do prazo com o qual estou envolvido. Geralmente, não tenho rotina matinal, porque costumo escrever madrugada a dentro. Então, acabo levantando por volta do meio dia (apesar de ser uma rotina que estou tentando mudar).
A tarde, que seria minha rotina matinal, é composta por academia e leitura. Sejam livros ou artigos – geralmente, políticos ou com algum envolvimento social. Entro cada vez menos no facebook e tenho usado mais o twitter, mesmo pra atualização do dia-a-dia. Tornou-se algo muito mais saudável e proveitoso. Tenho fugido dos especialistas de tudo com leitura de nada.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu consigo trabalhar em qualquer horário, mas acabei me acostumando a escrever mais de madrugada, por causa do silêncio, do isolamento, da falta de interrupção. Quando estou atrasado e preciso cumprir prazos apertados, escrevo à tarde também, mas aí o meu “ritual de preparação” é o isolamento completo. Garantir que ninguém vai me chamar, que o celular não vai tocar, que vou ter tranquilidade pra poder escrever.
Tirando o isolamento, não tenho outro ritual de preparação. É sempre uma briga diária entre começar logo ou deixar a procrastinação prolongar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende muito dos projetos em andamentos. Eu prefiro mergulhar de vez em uma obra e finalizá-la o mais rápido possível. Todos os livros ou roteiros que escrevi, em sua maioria, foram escritos em 20, 30, 40 dias. Isso varia muito do prazo do contratado. Recentemente, fui trazido de urgência pra um longa metragem, onde tinha 4 dias pra escrevê-lo. Emergi na história e nos personagens, assumi a bronca e consegui finalizar. É lógico que, nesses casos, ninguém espera que a primeira versão seja uma obra prima, mas que seja boa e cumpra o papel de erguer a história e servir como uma primeira versão bastante beta. As revisões estão aí pra melhorá-la.
Pessoalmente, não gosto de escrever um pouco todos os dias. Gosto de ter metas e prazos bem definidos, pra me jogar no texto. Entretanto, se posso escolher, prefiro ter bastante tempo pra poder revisar, mexer e reconstruir o que julgar necessário. As poucas coisas que escrevi um pouco todos os dias, curiosamente, nunca saíram do papel. Levei um ano escrevendo o que seria meu segundo livro adulto, finalizado há dois anos e, veja só, nunca mais toquei nele. Acho a história ótima e interessante, mas não vejo tanta urgência em publicá-lo e quero ter calma na hora de revisar, de mexer com a história.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita não tem absolutamente nenhum segredo. É o básico do básico. Mas, claro, varia de acordo com o projeto. Se é uma ideia original minha, eu provavelmente já estou pensando na obra há um certo tempo, tenho anotações de como a estrutura vai funcionar, de qual tema norteará o projeto, como a história será contada. E quando sinto que está em um ponto legal – ou que estou sem outros projetos, o que, ainda bem, não tem acontecido com frequência -, sento e começo a escrever.
Não acho difícil começar. Acho fascinante. Eu sou o tipo de escritor que me adapto ao texto que quero escrever, não ao contrário. Não faço a história vir ao meu estilo, eu vou ao que ela precisa. Foi assim com Ovelha, meu primeiro livro, algo completamente diferente de tudo que eu havia escrito até então. Depois, com o meu infantil “Chume Labs”, é outro processo, outra linguagem. Uma coisa, porém, que tenho notado é que gosto de brincar com narradores, gosto de ter esse poder de usar a linguagem do narrador pra enviesar a história da forma que ela pede. Talvez venha da minha paixão por Machado e similares. Quase que sempre, o narrador é o meu protagonista ou, pelo menos, um dos protagonistas. Isso na literatura, lógico. No cinema, é outra coisa. Narração in off é quase sempre uma muleta não muito interessante.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Vamos por partes. A procrastinação é um problema quase que geral, que todo mundo já passou ou vai passar. Depois de muito tempo lidando com isso, tenho uma teoria pessoal que é algo muito próximo da autossabotagem, de você querer escrever, mas, ao menos tempo, não querer, pra que não precise encarar a realidade do produto final.
É claro que, de certa forma, continuo a procrastinar em pequenos momentos, mas, quando você assume a escrita, seja literária ou cinematográfica, como profissão e passa a depender disso pra viver, você perde o direito de procrastinar por semanas. Simplesmente porque é necessário (pra mim, obrigatório) ser profissional, cumprir com o prometido tanto em termos de cronograma quanto de qualidade. É claro que atrasos podem ocorrer e geralmente quem trabalho do outro lado e sabe que você é uma pessoa séria, irá compreender. Mas, tudo tem limite.
Por isso, o meu problema com a procrastinação é fechar tudo, me isolar e sentar na frente do arquivo. A partir do momento em que sento na frente do arquivo e me obrigo a escrever, as travas desaparecem. Posso escrever 2, 5, 10 mil palavras em um dia. 12 mil foram meu máximo, sem comprometer a qualidade. Nesse aspecto, posso ser visto de uma forma meio crítica, mas conheço muitos escritores, estou no meio literário há pelo menos 7 anos e sei que rola muita desculpa pra não conseguir escrever, como se nosso trabalho fosse um ato de inspiração divina que requer o canto da musa nos ouvidos. Isso é balela, já não cola mais. É lógico que existem diferenças. Sempre falei pra alunos que tive ou colegas, que o tempo cronológico é diferente do tempo de escrita. Às vezes, você tem 24 horas de tempo livre, mas tua cabeça não está preparada para aquilo. Entretanto, há limites. Não dá pra ficar com essa conversa durante uma semana inteira, um mês inteiro. Ser escritor é uma profissão como várias outras, com suas benesses e seus males, como qualquer outra carreira.
(É claro que, neste sentido, falo de quem trabalha profissionalmente. Pessoas que, infelizmente, ainda não conseguem viver da escrita, sofrem muito mais com a questão de tempo, cansaço, administração de metas etc.)
Sobre não corresponder às expectativas: pessoalmente, não sofro, assumo projetos que sei que conseguirei entregar na qualidade necessária e sempre tenho um diálogo muito aberto com quem está contratando. Se a pessoa não gostar, ela me diz e eu mexo. O importante, nesse caso, é sempre ter muita franqueza com quem está do outro lado – editora, produtora ou canal de TV -, pra que ele entenda seu lado e que você entenda o dele.
No caso de ser um livro que nasce contigo e será apresentado pra uma editora, a conversa é mais difícil. Minha sugestão é: faça amigos da área e troque figurinhas, sempre com 100% de honestidade. É melhor você saber que teu texto é ruim antes de chegar em alguém da área.
Sobre ansiedade de projetos longos: nunca fui uma pessoa ansiosa e poucas vezes a minha parte do projeto foi longa. Geralmente, estou encarregado da escrita e faço isso o mais rápido possível, pra finalizar com qualidade e começar a trabalhar na revisão. Entretanto, coisas como cinema e televisão, nesses casos, possuem prazos longuíssimos e aí, não adianta, tem que sentar a bunda na cadeira e começar a escrever outra coisa, enquanto o processo super demorado do audiovisual acontece.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
De novo, depende muito da ocasião, do projeto final e tudo o mais. Com Ovelha, que foi meu primeiro livro, eu realmente não me lembro de quantas vezes revisei. Ele foi escrito em aproximadamente 40 dias, mas passei uns 8 meses entre deixar o texto descansar, revisar, enviar pros leitores betas, descansar de novo, revisar, revisar, revisar e revisar. Acredito que li Ovelha umas vinte vezes, de cabo a rabo.
Esse foi o único livro/roteir que escrevi e publiquei que não tinha prazo final, todos os outros, ainda bem, já estavam vendidos. Ou seja, o prazo acaba diminuindo. Mas, eu tenho algumas fixações com revisão.
Meu processo é mais ou menos assim: Versão 1, revisão geral. Revisão de linguagem, revisão de personagem X, revisão de personagem Y, revisão de personagem Z. Quando me atenho aos personagens, falo especificamente de trejeitos, características que irão defini-los e, principalmente, forma como falam. Feita a revisão dos personagens, envio para os leitores betas (nestes casos, no início, eram só leitores betas. Agora, envio também para editoras ou produtoras, dependendo do projeto). Isso porque gosto de trazer pra dentro do texto as pessoas responsáveis pela realização. Então, se o editor tem algo a dizer, que seja já na primeira versão, onde as ideias não estão tão consolidadas assim. Entretanto, caso seja o seu primeiro livro e você vai enviar para uma editora ou agente literária, jamais envie a primeira versão. Entregue o melhor que você tem. Depois de estabelecer uma relação de confiança com esses profissionais, a relação ficará muito mais aberta e você terá espaço pra essa troca.
Como disse, por cima, sim, mostro meu trabalho pra outros pessoas. Dependendo do projeto, varia os leitores betas para quem envio, apesar de ter dois que são basicamente fixos, que leem tudo o que escrevo. Essa experiência é, na minha opinião, fundamental para o amadurecimento da obra.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ovelha escreve as primeiras cinco mil palavras à mão, porque não tinha acesso a computador. Desde então, tudo que escrevo é online, no google drive, inclusive, pra não correr o menor risco de perder arquivos, como já aconteceu no passado. O que faço à mão são anotações, rascunhos, estruturação do texto, rabiscos.
Além disso, considero fundamental pra mim, a revisão no papel. Imprimo assim que termino e reviso longe do computador. Faço uma primeira leitura suave, pra ver como está o texto, mas já marcando revisões e depois uma leitura mais atenta, além de, eventualmente, uma leitura em voz alta. Esse processo faz parte do que chamei de “revisão geral” lá em cima. Ou seja, pra deixar claro, o que chamo de “revisão 1” não significa que seja apenas uma leitura. São várias leituras com o mesmo objetivo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Cara, de absolutamente qualquer lugar. Acho que isso é bem simples, o escritor tem que ser observador – e não isso não é nada de revolucionário que estou dizendo, é bem óbvio. O meu conjunto de hábitos é estar sempre completamente antenado no que acontece no mundo, principalmente em questões políticas e sociais, que englobam uma infinidade de coisas essenciais, na minha opinião, pro escritor se manter atualizado.
Muita gente cai no ostracismo porque ignora que existam coisas lá fora pra aprender. Um escritor “burro” pode, eventualmente, fazer um livro bem feito, mas a carreira dele não vai se sustentar. E quando digo “burro”, não é que o fulano tem que ser um gênio ou entender de todos os assuntos, de forma alguma, mas ele tem que entender muito bem dos assuntos que irá tratar e ter, obviamente, empatia.
Escrever é se colocar no lugar do outro. Se o escritor não consegue porque é arrogante, porque não simpatiza com pessoas diferente dele, sinto muito, a chance de escrever coisas horríveis, é enorme.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muita coisa. Hoje eu tenho 23, escrevo desde os 13. Meu processo nesses dez anos foi amadurecendo e o que mais mudou é meu comprometimento com o texto, minha necessidade em continuar escrevendo, em dar um até logo pras travas, pra procrastinação e encarar a escrita como a minha profissão.
O que eu diria pra mim? Depende para qual “eu” fosse essa mensagem. Se fosse o de 13 anos, diria pra parar de achar que escritor é uma vocação divina. Se fosse o escritor do lançamento de Ovelha, pra entender que o mercado literário, apesar de ter muita gente bacana e maravilhosa, é feito, sim, de algumas panelas e grupos, mas, que não tem problema, com profissionalismo e responsabilidade, é possível abrir espaços e cavar o seu lugar.
Especificamente na escrita dos meus primeiros textos, não mexeria em nada. Todo esse processo me ajudou a passar por diferentes momentos, estilos e visões. Faz parte do processo de amadurecimento da escrita.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Olha, tenho vários projetos na cabeça que adoraria começar a executar, mas ainda não estou na posição para isso. Principalmente, ideias originais que envolvem orçamentos um pouco mais altos – em termos de audiovisual, que é onde está meu foco agora – ou até mesmo envolve um pouco mais de maturidade pessoal neste mercado, tempo pra provar que consigo realizar e mais experiência. Tenho três roteiros de longa metragem, todos encomendados. Ou seja, ainda não escrevi um longa que tenha brotado da minha cabeça. Estou me programando para fazer isso ainda esse ano, quando terminar alguns projetos que estou desenvolvendo.
Honestamente, não sei qual livro eu gostaria de ler e ele ainda não existe. Se eu tivesse essa ideia e ela fosse tão urgente que eu desejasse tanto ler algo que ainda não foi escrito, provavelmente, começaria a escrever. Eu acredito que é muito isso que movem os escritores, escrever livros que ainda não foram feitos, mas ele gostaria de ler. É essa paixão, esse desejo em ver uma ideia boa, executada.