Gustavo Kloh é doutor em Direito Civil pela UERJ e professor da FGV DIREITO-RIO.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo sempre o meu dia bem cedo. Acordo cerca de seis, seis e meia, não gosto muito de dormir não… tomo café da manhã, assisto o jornal televisivo de praxe e leio as notícias nos principais veículos da internet. Estar atualizado todo dia, toda hora se tornou nos tempos atuais (notadamente na conjuntura brasileira) algo essencial.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Penso que os projetos, artigos e textos precisam de maturação. Uma ideia pode ficar rondando meses (ou até mesmo anos). Enquanto isso, compro livros, procuro material, leio mais, penso mais, discuto com colegas. Quando vejo que estou pronto vou adiante. Mas existe uma segunda metodologia: cada vez mais somos demandados a produzir textos de uso imediato, interpretando a pauta do dia. Aí é sentar e fazer. Nesse caso, acho importante frisar que essa atividade em outras áreas do conhecimento pode vir a ser secundária, visto que metodologicamente é mais empobrecida que a pesquisa tradicional. Ocorre que em razão da dimensão social que o Direito sempre porta consigo, é necessário sim que seja rapidamente esclarecido ou aprofundado um ponto – uma informação imediata. É uma necessidade da sociedade e dos interlocutores.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta de escrita diária. Demoro para que um projeto esteja pronto, “na rua”. Mas depois que concebo o texto, me dedico em cada segundo que tenho. Mas sei que as obras de fôlego demandam metas de escrita. Não é da área jurídica, mas o livro sobre a escrita do Stephen King é muito interessante, e ele defende a importância da produção diária (além de dar excelentes dicas de estilo e de redação).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Em geral é difícil começar. Com a maioria das pessoas que conheço é sempre um desafio, pois o que se coloca diante da página em branco é sempre a mesma questão: estou pronto, já pensei sobre isso o suficiente para que tenha uma visão formada desse assunto. Feito isso, monto primeiro a estrutura: tópicos, encadeamento de ideias. Depois vou adiante. Esse mover-se da pesquisa para a escrita envolve o movimento físico de sentar e começar. Ideais de perfeição só atrapalham. É sempre mais fácil melhorar um texto que já existe.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não existem fórmulas prontas e a inteligência não é um substituto da experiência. Quanto mais se escreve, mais pronto se está para escrever. Quanto à questão dos projetos longos, bem, sou cada vez mais cético em relação a eles. Os textos curtos e específicos se tornaram a realidade da produção científico-jurídica. Não haverá um outro Pontes de Miranda nas circunstâncias atuais. Quanto à questão das expectativas, é uma falsa questão. Não existe controle sobre o que pensarão do seu texto. O importante é responder a si mesmo: o texto luta com ele mesmo e com as ideias anteriores nas quais se ampara? Se a resposta for sim, é necessário mudar, parar ou até abortar. Mas o erro que só se mostra no longo prazo é natural ao pensamento científico. Significa que em alguma direção se andou, mesmo que essa não seja a direção certa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso umas duas vezes. Deixo dormir uns dias (essa é do Stephen King também). Esperar é facilitar a formação de um juízo crítico sobre o que se fez. E depois ler de novo, cortar os excessos e simplificar a linguagem, tornar mais claro o que for possível.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não escrevo mais nada à mão. Caneta é só para bilhetes e listas de tarefas. Se tenho alguma ideia na rua e quero anotar, uso um aplicativo como o Google Keep. Vou montando estruturas preliminares no Word, também. E dessas parto para o texto digitado. Outra questão que angustia todo mundo é a questão das referências. Faço de um modo meio informal, mas seguindo o figurino: li, acho que vou usar, já marco e deixo separado. E faço nota de rodapé na hora, não dá para fazer duzentas notas depois do texto pronto. Mas é algo comum (que eu considero contraproducente).
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A criatividade é sim cultivável. E vem da abertura para outros saberes. Sou muito interessado em humanidades (sociologia, filosofia, psicologia), mas também em economia e em matemática. Indico, por exemplo, a leitura do blog fivethirtyeight, do Nate Silver, sobre estatística e matemática. E sempre estar disposto a ouvir quem discorda de você; em tempos de bolhas, é de fora delas que vêm as outras ideias. Por fim, a arte é a ginástica da criatividade: sempre estou perto da literatura, do cinema e da música.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Não penso que mudei tanto a forma de trabalhar, mas me abri sim a esses outros saberes. Diria para que lesse menos monografias obscuras europeias do século XIX e fosse mais na esquina, ver o impacto daquilo tudo na vida das pessoas. Ser mais concreto e menos “puramente” teórico. Buscar saberes que tenham a potencialidade de mudar as circunstâncias, trazendo da realidade as perguntas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Na verdade estou maturando um projeto sobre contratos e contemporaneidade e um outro especificamente sobre um contrato. E sinto que na minha área, no Direito Civil, falta bibliografia mais concreta sobre contratos. Eles estão na nossa vida de forma arraigada, profunda, e pouco são discutidos do ponto de vista mais prático, estratégico mesmo. Essa bibliografia faz falta.