Gustavo Felicíssimo é escritor e editor na Mondrongo, autor de Carta a Rubem Braga (2017) e Desordem (2016).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Escrevo diversos livros ao mesmo tempo, mas sempre que estou decidido a finalizar um deles eu adoto uma rotina que me ajuda muito, então durmo cedo e acordo igualmente cedo, antes que minhas filhas me solicitem e que o trabalho na editora se faça necessário.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para um escritor, a preparação para a escrita se dá o dia todo, todos os dias, quer seja lendo, estudando ou vagabundeando pela cidade, atento a tudo e a nada ao mesmo tempo, como um flâneur, por exemplo. Mas a hora de escrever, para mim, é sempre na madrugadinha.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta alguma, mas como disse anteriormente, escrevo mais, ou mais concentradamente, nos períodos em que estou determinado a finalizar algum livro.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Cada autor tem o seu processo particular de escrita. E como o que escrevo geralmente é poesia, conto ou crônica, confesso que não compilo nota alguma. Não tenho caderninhos, não ando com notebook na mochila, não faço anotações em celular. Nada disso me seduz. Costumo dizer que tudo o que ocorre no meu dia-a-dia é subsídio para um diálogo com os temas que pretendo escrever. Assim, quando em mim o assunto tal está repleto de sentidos, alguma coisa explode a partir do meu subconsciente (creio) e a partir daí não tenho outra coisa a fazer, senão me disponibilizar para a escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu ignoro tudo isso. Se escrevo está bom. Se não escrevo está bom também. O que me importa é sempre dar para a publicação algo que seja fruto da minha máxima consciência literária, pois mesmo os momentos intermitentes, ou de travas como você coloca, são momentos de internalização dos temas com os quais quero me ocupar. E de leitura, certamente, pois como diz o amigo Jorge de Souza Araujo, ler é evitar que a alma enfarte. Enfim, todo tempo é tempo de criação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Escrever é, antes de tudo, errar. Então, após a escrita inicial o tempo é de revisar, de reescrever. É tempo de cortar as palavras que não cumprem função no texto. Tempo, inclusive, de se aprofundar um pouco mais nos temas. De exigir um pouco mais de si mesmo. E, se for o caso, de botar no lixo aquilo que parecia tão bom. Não há limite para isso. Depois, claro, há sempre aqueles interlocutores aos quais você confia seu texto para que eles te mostrem que ainda é tempo de um pouco mais de trabalho.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Direto no computador, que é para não deixar rastros da minha insanidade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Há uma resposta anterior em que planifico algo sobre essa questão. Mas se puder complementar, quero reiterar que escrever é algo que me acontece porque em mim algum tema está repleto de sentido. Isso só é possível porque faço de tudo, de todos os acontecimentos cotidianos, subsídio para a reflexão e escrita. Há sempre uma chama que em algum momento provocará um incêndio, esse incêndio é a escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita dos seus primeiros textos?
Tudo muda. E a maturidade traz consigo uma maior consciência literária. Essa consciência literária dá mais sentido à escrita. Foi isso, basicamente, que mudou dos tempos em que não passava de apenas um diletante meio que imberbe. Felizmente fui capaz de frear o ímpeto de me publicar muito jovem, o que ocorreu apenas às portas dos meus 40 anos. Assim, não há nada o que dizer a mim mesmo. O que fiz diz por mim. Mas se pudesse aconselhar um escritor mais jovem, lhe recomendaria muito estudo teórico e muita leitura de autores referenciais do gênero em que escreve. E, além disso, prudência e humildade para reconhecer e ouvir o que o outro tem a dizer, ainda que o que o outro tenha a dizer não seja nada elogioso. Essas são as melhores pessoas a serem levadas a sério.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que gostaria de fazer, mas que ainda não comecei a escrita, é um romance de cariz biográfico, algo naquela linha de “Quase memória, quase romance”, do Cony. Já tenho seu enredo prontinho na memória, mas falta ainda alguma coisa, uma fagulha, quem sabe. Quanto ao livro que gostaria de ler e ele ainda não existe, devo dizer que se ainda não existe é porque não está pronto para ser lido.