Gustavo César Machado Cabral é professor adjunto da Faculdade de Direito da UFC.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nos meus três primeiros anos na Universidade em que trabalho, dava aulas praticamente todos os dias no primeiro horário da manhã, que começa às 7 horas. Sendo assim, não me restava outra alternativa a não ser acordar antes das 6 horas e estar pontualmente na instituição para iniciar as aulas. Atualmente as coisas mudaram um pouco, mas nem tanto: mesmo tendo deixado o primeiro horário, minhas aulas seguem sendo majoritariamente pela manhã. Como me habituei a acordar cedo, procuro fazer alguma atividade física antes do início do trabalho (as aulas começam às 9 horas), o que me garante uma boa disposição para o resto do dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Provavelmente em razão do hábito, costumo escrever melhor à tarde e entrando na noite, mas não até muito tarde. Como quase todos os dias dou aula pela manhã, ao voltar para casa consigo me concentrar bem para iniciar a escrita, que não precisa de um ritual específico. Alguns colegas costumam escrever tomando café, chá ou similares, e então o início da escrita só acontece com tudo isso preparado. Eu me reconheço como um caso realmente raro: um doutor que não toma café e cuja tese, portanto, não foi regada com cafeína. Quando sinto sono durante esse processo (o que não é tão incomum), simplesmente tiro um cochilo e, ao despertar mais disposto, retomo o trabalho. E sem culpa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A escrita da tese de doutorado foi concentrada, especialmente porque, apesar de não ter sofrido com tempo (eu depositei mais de seis meses antes de um prazo que já era exíguo), eu tinha uma meta pessoal de terminar o texto. Os meses em que escrevi foram de dedicação exclusiva. Não fiz outra coisa durante esse tempo, trabalhando praticamente todos os momentos em que estava acordado. Depois da tese e de um vínculo com uma universidade pública, o ritmo mudou, lógico. Quando vou escrever qualquer texto, costumo concentrar o trabalho em algumas semanas, a fim de termina-lo também o mais rapidamente possível. Minhas metas diárias de escrita são estipuladas não em páginas, mas em tópicos do texto; não gosto de interromper a escrita de um tópico, porque isso costuma trazer prejuízos ao texto final.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é relativamente simples. Começo com a ideia, que costuma estar relacionada a algum trabalho anterior, já que toda a minha produção acadêmica tem uma coerência interna e uma relação entre os textos. A seguir, preparo um esboço das principais ideias a serem desenvolvidas em cada tópico, construindo uma espécie de resumo de cada tópico, que incluem os principais argumentos e as fontes que serão utilizadas. Daí já estou apto a começar a trabalhar no texto. Não tenho dificuldade para começar a escrever, mas reconheço que não se trata de uma tarefa das mais fáceis, especialmente quando ideias que parecem muito boas na mente não se materializam da melhor forma no papel. A estratégia de resumir cada tópico funciona para mim como um teste de coerência do meu argumento, se visto de uma forma mais geral.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Se eu não conseguir escrever momentaneamente, simplesmente paro e vou fazer outra coisa, que pode até ser outra atividade intelectual, como a leitura, ou mesmo uma atividade mecânica qualquer (lavar os pratos, varrer a casa ou passear com a cachorrinha podem ser úteis nesse sentido). Não é um problema se for momentâneo. Nos poucos casos em que o travamento foi mais prolongado, o que fiz foi esquecer o projeto por um período e trabalhar em outro, e daí retomá-lo posteriormente. Sempre deu certo e espero que continue dando. A ansiedade, em algum nível, é natural em todo acadêmico, mas os anos vão mostrando que o mais importante é a sua consciência de que o trabalho final foi bem feito e ficou da melhor forma que poderia. Não corresponder às expectativas do autor é frustrante, então vejo dois caminhos para se evitar essa situação: ou o autor dá tudo de si e faz tudo o que puder para que o resultado seja adequado ou, se vir que isso não vai ser possível, abandone o projeto momentaneamente, para retomá-lo quando tiver condições mais favoráveis.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo reler muitas vezes, ainda que não tenha uma contabilidade muita precisa sobre o total de revisões. Entretanto, acredito que se deva ter cuidado com as revisões em excesso, uma vez que não existe texto estilística ou materialmente perfeito, o que implica que uma nova leitura sempre apresentará erros não vistos. A versão definitiva é a que mais perto da perfeição se apresenta em um dado momento. Para evitar decepções de uma leitura de um texto já publicado, talvez o melhor caminho seja não o ler mais depois de ter um ISBN ou um ISSN. Ter um leitor antes da publicação é privilégio de poucos. Muitos dos meus textos passaram pela leitura do meu irmão, que também é doutor e professor de uma conceituada escola de direito, mas, nesse mundo repleto de trabalho e de compromissos e atividades, é muito difícil conseguir prestar e receber favores dessa natureza. Quando escrevo em língua estrangeira, no entanto, faço questão de pedir a amigos da área que sejam nativos no idioma para ler o material antes que ele seja submetido à publicação. No entanto, trata-se muito mais de uma revisão linguística do que de conteúdo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou de uma geração que desde muito cedo utiliza a tecnologia. Sempre escrevo diretamente no computador e é nele que faço os rascunhos das ideias centrais do texto. Uma vez ou outra, escrevo à mão alguns esquemas ou ideias, mas nada muito frequente nem mandatório. Trabalhar diretamente no computador, inclusive com as fontes – já que a imensa maioria das minhas fontes está digitalizada – da minha pesquisa, facilita sobremaneira o processo de escrita no meu caso.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como já mencionei, os meus textos guardam uma relação entre si. Praticamente todos giram em torno de questões com um pano de fundo semelhante, o que explica onde eu encontro os temas: geralmente das leituras relacionadas ao trabalho anterior. Na minha visão, a pesquisa tanto se alimenta de ideias e quanto vai semeando novas ideias. Em uma leitura para um texto, costumo encontrar alguns bons temas para serem desenvolvidos em textos posteriores, e nestes eu encontro outras questões e daí, numa sucessão sem muito controle, os temas vão surgindo. Dependendo das fontes que estão sendo revisadas, as possibilidades de se encontrarem temas a serem explorados são muito grandes.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Acredito que a minha linguagem tenha se tornado mais e mais acadêmica ao longo dos tempos. Tenho evitado construções mais complexas, tal qual eu fazia anos atrás, a fim de tornar o mais simples de ser lido. Com isso, o conteúdo passa a ser o protagonista, ao passo que o estilo fica em um segundo plano. Acho que a minha tese de doutorado foi o grande marco dessa mudança no estilo, mas não apenas isso. Foi no processo de escrita da tese que aprendi talvez a mais importante lição que trago quando vou escrever um texto: apenas as informações essenciais devem estar nele. Erudição e conteúdo só são bem-vindos à medida que contribuam decisivamente para o resultado final; caso contrário, serão supérfluos e só atrapalham tanto o processo de elaboração do texto quanto a qualidade do resultado final.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tinha duas ideias de projetos de longa duração, e uma delas começou a ser executada oficialmente este ano. Trata-se de um projeto, financiado pelo CNPq, sobre fontes do direito colonial brasileiro. Ao final, espero conseguir escrever um trabalho monográfico sobre o tema, contribuindo para a historiografia com uma visão sistemática que ainda não foi apresentada à comunidade acadêmica.