Gunter Axt é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depois de um café da manhã com frutas e ovos, preparo um chimarrão, com erva mate, pura folha, tipo uruguaio, que me acompanha ao lado do computador e que bebo até a hora do almoço. Se possível, evito sair de casa pela manhã, mas pelo menos três vezes por semana procuro me exercitar.
No momento, depois de um longo período de recesso das atividades físicas, estou tentando retomar a forma. Não é fácil. Pilattes também é importante, para fortalecer e alongar o corpo. O dilatado tempo digitando me deixa com desconfortável tensão na cervical e dores incômodas nos pulsos e nas mãos.
Procuro espaços agradáveis: um escritório arejado, com vista para o mar, para a serra, para um jardim… Meu trabalho rende bem na praia e em Gramado. Dispensar o ar condicionado em dias de calor é uma benção. Escrivaninha ampla e cadeira ergonômica são essenciais, assim como boa iluminação. Não suporto luminárias florescentes transversais que abundam em repartições públicas – isso é um veneno para os olhos e intoxica a mente.
Deixo telefones no silencioso. Raramente ouço música, pois quase tudo me desconcentra. Mozart é uma exceção: posso ouvi-lo enquanto escrevo. Acho um sofrimento redigir em ambientes com gente falando. Já precisei enfrentar por meses a fio a difícil provação de me concentrar em sala dividida com um fanfarrão. Muitas instituições não estão preparadas para acolher quem escreve. E há gente que não entende que concentração leva um tempo para engatar – singelas interrupções corrompem o fluxo de pensamentos, exigindo esforço de retomada.
Evito vizinhos ruidosos. Mas não é todo barulho externo que me atrapalha. Morei em Copacabana, no Rio de Janeiro, num apartamento em andar alto, e achava ótimo escrever lá. Quando cansava, saía para uma caminhada na praia e uma água de coco. Essas pausas também são essenciais para organizar e liberar a mente.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Na época em que redigi a minha dissertação de mestrado, no início dos anos 1990, eu preferia escrever à noite, de madrugada. Mas não era hábito exatamente saudável. Hoje, rendo mais pela manhã. Depois do almoço, uma sesta é ideal, embora nem sempre possível. Retomo o trabalho animado por uma xícara de chá verde, gelada no verão, quente no inverno. Normalmente, produzo até por volta das 20hs30min. Aí, vou preparar o jantar, assistir aos telejornais, responder a recados e relaxar com um vinhozinho tinto.
O ritual acho que passa pelo esforço para preservar essa rotina do melhor jeito possível. E fugir das armadilhas de distração que o cérebro prega na gente, como a fuga para a tesourinha de unhas ou aquela espiadinha no Facebook. As redes sociais são um problema para profissionais da escrita. Precisamos delas para ajudar a divulgar nosso trabalho e, também, para saber o que está rolando na cultura de massas digital. Mas é preciso regular bem o tempo investido aí, pois tendem a funcionar como um terrível mecanismo de dispersão.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quase todos os dias – a exceção de quando estou em trânsito, ou dedicando um intervalo exclusivo à leitura. Escrevo profusamente. Produzi dezenas de livros, artigos de vários formatos… Também edito uma revista acadêmica. Escrevo muitos e-mails. A maior parte é protocolar, rotineira. Mas mantenho com alguns amigos e colegas, no Brasil e no exterior, extensas correspondências, pelas quais discutimos temas diversos, como arte, história, política e comportamento.
As metas variam de acordo com o projeto no qual me envolvo. Quando estou enfronhado em algo, minha vida social se reduz a zero. E já aconteceu de sacrificar até o interlúdio dos exercícios físicos, para não comprometer o fluxo de uma ideia, mas isso não é bom a médio prazo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende muito do tema abordado, da natureza da proposta, das fontes e dos prazos envolvidos.
Prefiro acessar livros impressos em papel e os vou sublinhando na medida em que avanço na leitura. Ao escrever, parto da interconexão dessas anotações.
De qualquer forma, as fontes secundárias me parecem importantes para nos situarmos no projeto, contextual e teoricamente. Mas são as fontes primárias que determinam a novidade e a qualidade do resultado. Isto é, não vejo sentido em reescrever livros de outros autores.
Eis aqui algo que diferencia a concepção de pesquisa entre historiadores e jornalistas ou juristas que se debruçam sobre o passado: estes tendem a produzir belas e profícuas sínteses, mas poucos aventuram-se nos arquivos. O famoso “Os Donos do Poder”, de Raymundo Faoro, por exemplo, é um notável ensaio sobre cultura política, mas não é um livro de História, porque não se ampara em fontes primárias.
Também anoto e sublinho ao analisar um conjunto de entrevistas (único documento primário que o historiador confecciona): depois de editadas e aprovadas pelos depoentes, imprimo-as e realço passagens de interesse, indicando-as com palavras-chave, as quais, depois de agrupadas, servem de guia à redação.
Para a pesquisa em arquivos levo blocos e fichas, nos quais lanço apontamentos. Os documentos mais relevantes procuro transcrever na íntegra. Às vezes, é uma frase que me chama a atenção. Essas notas servem de base para a escrita. Há registros que não utilizo logo, mas aproveito anos mais tarde, em outro projeto.
Mas com a chance de documentos disponíveis online, alguns textos podem agora evoluir junto com a pesquisa.
O marco documental que utilizo é diverso. Gosto de trabalhar com memórias e cartas, mas também com discursos, com a imprensa… Nos jornais, leio várias seções. Já encontrei trechos em colunas sociais ou detalhes de uma foto que resumiram magnificamente respostas a complexas questões políticas e jurídicas.
Também acho essencial, na medida do possível, visitar o local descrito na narrativa. Há sempre uma minúcia, alguma perspectiva, que apenas a presença física no ambiente descrito pode revelar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Posso ficar ruminando um projeto por dias. Iniciar um novo texto é quase um parto. Mas depois dos primeiros parágrafos, a escrita vem como um jorro. Aí o problema é parar, colocar um ponto final.
Não é só questão de espaço disponível e de orçamento, mas também de respeito ao leitor. Um historiador precisa manter o foco. A pesquisa é uma sedução que aponta ao infinito. Escrever é tarefa pesada. Pressupõe escolhas.
É parte do ofício selecionar os documentos, inter-relacionar os fatos, destilar a massa informacional para o leitor. Infinitas compilações de dados podem ser úteis para outros pesquisadores, mas não interessam ao leitor, que precisa perceber um encadeamento. O leitor espera, ainda que inconscientemente, encontrar na narrativa um sentido para dramas vivenciados na atualidade.
Essa, aliás, é a História que Croce chamou de Viva, isto é, a pergunta ao passado feita a partir de questões que palpitam no presente. Assim, é ao historiador quem cabe fazer opções, de modo a realçar o que lhe parece essencial e rejeitar o irrelevante.
É exatamente por isso que uma história neutra ou pretensamente imparcial é impossível. A honestidade do historiador com o leitor está em ouvir e tentar reproduzir uma síntese de todas as vozes disponíveis sobre o processo analisado e, depois, explicitar as suas conclusões. Não gosto de trabalhos que tentam induzir o leitor a abraçar uma dada posição política. Isso me parece desrespeitoso. A História se acende justamente quando se insinuam controvérsias.
Um bom livro pressupõe colaboração entre autor e leitor. Eu conto uma história e explicito minhas convicções, quando as tenho. O leitor percebe as implicações de seu modo e costura relações.
Já escrevi livros com certeza de sucesso, que nunca aconteceu. Foram praticamente esquecidos. Outros suscitaram repercussões inesperadas. Aprendi que os livros adquirem vida própria.
Há, também, uma diferença entre o projeto inicial e o resultado. Às vezes a gente começa um livro achando que ele terá determinado formato e extensão. Mas, no andar da carruagem, a coisa vai mudando. Percebemos que a estrutura imaginada não funciona, mudamos arranjos temáticos, suprimimos capítulos, ou acrescentamos mais páginas. Assim, cada livro tem uma personalidade, desde a gênese.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tantas vezes quantas for possível. Um texto nunca está definitivamente pronto. Primeiro porque a nossa história (sobretudo a brasileira) só pode ser contada sob a forma de ensaios, dado ao quadro de desorganização dos nossos arquivos, à má preservação e indexação precária do nosso passado, o que fatalmente redunda num conhecimento e exegese superficiais de nossas fontes. Então, sempre haverá algo a ser complementado ou melhorado.
Em seguida, vêm a correção gramatical e o estilo. A palavra está para o historiador assim como o bisturi para o cirurgião. Precisamos escrever de modo correto e agradável, nos perguntando se o leitor em potencial vai virar a próxima página.
Alguns acadêmicos não se preocupam com essa questão crucial, em parte porque têm um público cativo: escrevem para orientadores, para membros de bancas, para alunos ou para seus pares. Mas e o leitor comum que se interessa por História?
Os cursos universitários de graduação em História falham ao reverberar pouco a centralidade da escrita. Os estudantes recebem conteúdo, discutem teoria e metodologia de pesquisa, mas não são expostos a oficinas literárias, debatem pouco as estratégias de redação. A qualidade da escrita, para o historiador profissional no Brasil, reside essencialmente numa conquista autodidata, percurso árduo e difícil. Na prática, a maioria dos estudantes é induzida a reproduzir um jargão conceitual que o leitor padrão acha chatíssimo, e com razão.
Comigo, a ideia vai para o papel como um jorro. Depois, tento lapidar a forma. A dinâmica dos verbos, o adjetivo adequado no lugar certo, a abertura correta de parágrafo, o ritmo geral, construções imagéticas… tudo importa.
A premência dos prazos, claro, me obriga a encerrar o processo. Posteriormente, vejo um texto impresso e me mortifico se encontro, por exemplo, palavra repetida num mesmo parágrafo.
Sim, sempre que possível recorro a revisores profissionais, que peneiram os erros gramaticais que nos escapam. Tendemos a viciar num texto e já não conseguimos mais identificar as suas falhas. O olhar do outro ajuda.
Algumas vezes tenho a sorte de encontrar revisores que funcionam um pouco como editores, sublinhando termos reiterados, denunciando sentenças com sentido pouco claro, questionando encadeamentos. Mas essa expertise é pouco desenvolvida no mercado editorial e acadêmico brasileiro, lamentavelmente. Então, precisamos tentar dar conta do recado nós mesmos.
Para isso, o melhor a fazer é deixar um texto dormindo por meses. Ao retomá-lo, seremos mais capazes de vislumbrar os defeitos. Alguns dos meus melhores artigos demoraram anos para se concretizar. Ocasionalmente, os revisitava. Mas também escrevo bons artigos em curto espaço de tempo com limitação explícita de caracteres. Acho que me desvencilho bem sob pressão. Aprendi com jornalistas a cortar palavras desnecessárias e isso faz diferença.
Sim, certamente! Aprecio imensamente quando um colega ou um amigo se dispõe a ler e a comentar um rascunho. Gosto de receber críticas, pois tenho assim a chance de melhorar o resultado antes de divulga-lo.
Infelizmente, no Brasil não são muitos os colegas que se dispõem a essa doação. Já está todo mundo bastante ocupado com os seus próprios textos e afazeres. O profissional de Humanas aqui em geral moureja, se esfalfa, e é mal remunerado e pouco reconhecido por sua dedicação.
Além disso, creio que alguns tendem a perceber críticas como descortesias. Isso tem, talvez, piorado nos últimos anos, na esteira de fenômenos como os excessos do politicamente correto. Vejo hoje estudantes se ofenderem quando tentamos ajuda-los a melhorar a escrita. Todo mundo de repente virou autor.
Quer coisa mais ridícula do que esses estudantes que demandam os chamados “espaços seguros” (tipo assim, um local mega-protegido onde eles podem se ajojar sem interlocução fora de suas pretensas identidades) em universidades norte-americanas? Ora, se não estivermos falando de indígenas de comunidades remotas, que realmente requerem abordagens diferenciadas, as pessoas tendem a se tornar mais interessantes justamente quando circulam, quando interagem com a diversidade e a divergência, quando saem da zona de conforto.
Os desdobramentos disso vão desde a aprovação cada vez mais robusta de teses fracas e mal redigidas por bancas concordinas até a avalanche de opróbios e apostasias que encharca as redes sociais. Sim, porque se a crítica construtiva é mal acolhida a priori, perde-se progressivamente o senso de fidalguia e polidez que a regem, descambando-se na avacalhação infrene em outras instâncias. Não há ação sem reação.
Portanto, também não me incomodo quando um colega faz reparos a algum texto meu. Pelo contrário: gostaria que resenhas surgissem com mais frequência. E com excelência. Porque é assim que a historiografia se constrói. De minha parte, retenho de outros autores o que me parece pertinente e, ao se instalar uma discussão historiográfica (que discute a teoria, a metodologia e o tratamento das fontes propostos por cada um), posso apontar aquilo com o que não concordo. Mas note que historiografia se pondera com o leitor comum implicitamente, isto é, sem necessidade de convidá-lo para acompanhar toda a linha de raciocínio. Esse é um tipo de debate que se faz de modo explícito inter-pares, porque pressupõe uma bagagem prévia, de leituras, marcos teóricos, e um interesse por cada estágio do argumento.
Tenho reverência por colegas que encaram tais arrazoados como conceituais e impessoais. Aliás, não preciso concordar com tudo o que meus amigos dizem. E sei que eles também discordam de aspectos daquilo que sustento. Mas já vi gente se ofendendo.
A propósito, demorei dez anos para publicar a minha tese de doutorado, não apenas porque não encontrava um editor disposto a enfrentar o calhamaço, mas também porque escrevi-a para uma banca, com a intenção de refazê-la posteriormente parra o leitor comum. Mas nada, porém, é mais complicado do que a gente repaginar um trabalho abotoadinho. Nunca consegui retrabalhar o texto. Dei-me por vencido e acabei publicando-o praticamente como no original. Uma leitora não acadêmica, interessada em função de tradições familiares pelos personagens tratados, interpelou-me certa vez dizendo que eu era chato, que escrevia de modo hermético e rebuscado. Bem, ela desprezou as ressalvas que fiz na apresentação e, além disso, não se interessou por ler outras peças. Aquele livro simplesmente não era para ela e isso estava escancarado no prefácio. Noutra oportunidade, uma pessoa insistiu, incomodada, discordar de uma avaliação minha sobre um livro, mas, ao ser provocada sobre a razão não sabia se explicar, obviamente porque nunca estudara ou escrevera sobre o assunto.
Acho interessante ressalvar rejeição a atitudes arrogantes, porque antes disse que a gente deve escrever pensando no leitor – mas, obviamente, pode acontecer de existirem textos que se destinam a leitores diversos. E, além disso, penso que se abastardou nos dias de hoje o princípio, justo na origem, de que todos têm direito a uma opinião. Sim, mas respeitados os saberes e vivências de cada um (inclusive os populares), bem como a dinâmica pertinente de cada debate. As redes sociais ajudam a espalhar as nossas ideias, mas, ao mesmo tempo, despertaram um imbecil coletivo, que antes se esgueirava pelas sombras. Muita gente não apenas perdeu a timidez para com a própria burrice, como ainda dela tem agora orgulho. É como se estivéssemos assistindo a uma revanche dos Janjões – personagem estigmatizado por Machado de Assis em “A Teoria do Medalhão”.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Afora as notas tomadas em arquivos, redijo direto no computador. Desde os primeiros semestres da faculdade, no final dos anos 1980, produzia em computador – com o velho DOS, tela com letrinhas verdes e fundo preto. A novidade era tamanha que alguns professores pretenderam recusar meus trabalhos de casa, talvez temendo se tratarem de cópias, embora nem houvesse Internet ainda. Salvo engano, isso foi até tema de reunião departamental.
O computador me ajudou bastante. Porque penso mais rápido do que escrevo à mão e, por isso, acabo engolindo palavras e letras. Desde criança, tive problemas com caligrafia. Meus manuscritos começam com letra bonitinha e descambam num garrancho que até eu tenho dificuldade de entender depois. Então, o computador permitiu-me uma escrita mais limpa, ágil. Como havia estudado piano, digito rápido com vários dedos.
Adoro certos “gadgtes”, como gravadores digitais, que substituíram os antigos de fita cassete, gerando arquivos de melhor qualidade e liberando espaço de armazenagem. Acho uma maravilha quando um centro de consultas disponibiliza cópias digitalizadas dos documentos que nos interessam. Também é uma mão na roda quando os acervos estão online. Jornais, como o Estado de São Paulo e O Globo, mantém sua coleção disponível aos assinantes, o que é um espetáculo. Antigamente, era preciso viajar a São Paulo ou ao Rio de Janeiro para consulta-las, dificultando sobremaneira a vida de historiadores baseados nas províncias.
A informática também nos ajuda a processar maior massa documental. Com o tempo, a gente vai formando um arquivo pessoal volumoso de documentos transcritos e digitalizados, cujo conteúdo pode ser acessado do seu hard drive por meio de palavras-chave.
Porém, a tecnologia não é nenhuma panaceia. Nada substitui a chance de descoberta de documentos num arquivo. Às vezes você pede um códice, esperando encontrar uma peça específica, e acaba fazendo descobertas extraordinárias. Se você fizer toda a sua pesquisa pela Internet, usando palavras-chave, pode abarcar um arco temporal maior, mas vai perder a riqueza da surpresa, que se esconde entre as folhas avulsas e edições das bibliotecas e dos arquivos.
Por mais que a inteligência artificial se desenvolva, o trabalho do historiador será na sua essência sempre analógico e artesanal. A inteligência artificial pode substituir ofícios, como rotinas da Advocacia, ou a direção de veículos… Mas as opções que um historiador faz, baseadas em sua erudição, em seu feeling, não podem ser replicadas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Bem, além da rotina que procuro preservar, uma coisa importante para mim é conversar com pessoas interessantes – inteligentes, cultas e depositárias de saberes (não necessariamente acadêmicos). Gosto de ouvir as pessoas. Nesse sentido, aprendo muito com a História Oral, uma das práticas às quais me dedico com prazer.
Também adoro participar de seminários, inclusive aqueles que têm por único propósito o debate, nos quais ninguém apresenta trabalhos, que não pretendem produzir cartas de intenções ou conclusões. São debates livres. E quanto mais interdisciplinares, melhor.
Faço um esforço constante para sair do gueto disciplinar, até porque a História está em toda experiência humana. Ela é uma esponja, se alimentando de todas as disciplinas. Também me interesso por ramos diversos da História: política, social, econômica, militar, jurídica e cultural. Tento não me circunscrever a um período muito fechado.
Me esforço para acompanhar os debates que estão em curso em outros países, sobretudo os que transitam por temas comportamentais com desdobramentos políticos. Para isso, as redes sociais são uma mão na roda, bem como a rede de colegas interlocutores.
Finalmente, gosto de ministrar palestras e aulas. Apesar de me tirarem de rotinas de redação, são uma oportunidade para organizarmos nosso pensamento, vocalizarmos nossas impressões, amplifica-las e experimentarmos as reações que provocam. Em decorrência de minha trajetória profissional, com ênfase na pesquisa e na escrita, tive menos contato do que apreciaria com os alunos. Mas acho que essa convivência em geral é bastante enriquecedora. Tenho grande admiração por colegas essencialmente educadores, que exercem missão de doação e transcendência.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
De vez em quando, visito escritos antigos. Me delicio com os parágrafos bem resolvidos e reflito sobre passagens que poderiam ser melhoradas. Redações que me pareceram ótimas há dez ou 15 anos agora podem se apresentar ingênuas e sem graça. Tendemos a usar mais palavras do que o necessário. São como muletas para o pensamento e para a escrita. Mas, para o bem-estar do leitor, menos é mais. Frases e parágrafos podem ser enxugados. Se liberados de seus excessos, as ideias ganham ênfase.
Do jargão academicista, tento escapar, mesmo em artigos acadêmicos, até porque já escrevi a minha tese, na qual operei o debate teórico com os pares. Resisto ainda a absorver com automatismo o jargão de outras áreas pelas quais transito, como a Jurídica e a Econômica, muito embora certos termos técnicos intrínsecos a elas não possam ser evitados. Aí, o importante é explica-los ao leitor comum.
Fico atento a estratégias de autores de sucesso. O jornalista Jon Lee Anderson, por exemplo, expande suas análises sócio-políticas sempre a partir de traços biográficos, o que aproxima as temáticas das pessoas. Da historiadora e jornalista Barbara Tuchman busco inspiração no uso dos “detalhes corroborativos”, isto é, filigranas que ajudam a descrever um personagem, um local, etc., trazendo a reflexão para a perspectiva do leitor, auxiliando-o a visualizar a imagem desenhada. Isso nos ajuda a vibrar no diapasão da emoção, que também é parte da História – definível, grosso modo, como ação lembrada depois do exame minucioso e honesto dos registros. Tuchman ainda chamava a atenção para um grande desafio do historiador, em relação à ficção: manter o suspense numa narrativa cujo fim é conhecido.
Já a historiadora Camille Paglia me inspira na maneira como conecta as questões da política com a arte e a cultura de massas. Ela, assim como foi Gilberto Freyre, é capaz de utilizar com pertinência qualquer documento ou manifestação de cultura popular ou de massas como fonte, livre do preconceito elitista que embala teóricos irradiados pela Escola de Frankfurt. Do historiador Robert Darnton, assim como de Roger Chartier, procuro colher a compreensão de que as palavras têm poder e significam coisas diferentes em contextos diversos – ele é um mestre na exegese de documentos jurídicos, conectando-os à literatura e à cultura.
Da historiadora Maria de Lourdes Janotti, que foi minha orientadora no doutorado, busquei o rigor com as fontes, o apreço pela erudição, as bases do conceito de política e o fascínio pela História Oral, aspectos que também vivenciei com a historiadora Helga Piccolo, minha orientadora de mestrado. As duas são intelectuais exigentes, o que acabou impregnando a postura comigo mesmo ao longo dos anos, como se eu sempre pudesse ter feito um pouco melhor. Isso pode parecer algo angustiante, porque a perfeição é impossível, mas me coloca em estado de autocrítica, que pressupõe busca incessante pelo aperfeiçoamento. Sinto-me confortável nessa instabilidade e não tenho problemas em rever, inclusive, conclusões formuladas.
Citei algumas influências. Poderia estar enumerando outras tantas, mas estaria me estendendo em demasia. Enfim, esses – e outros – insights e ferramentas se tornaram mais conscientes ao longo do tempo. É possível que daqui a dez anos, se estiver ainda em atividade, eu esteja escrevendo melhor, assim como hoje o faço em relação ao dantes elaborado.
Mas tenho orgulho de todos os meus livros. Não me arrependo de nada do que escrevi. De alguns eu gosto mais, de outros menos. E isso, engraçado, não tem nada a ver com o sucesso que eles fazem, tanto entre o público em geral, quanto em reconhecimento acadêmico. Por exemplo, gosto muito de um livro que fiz sobre a história da Faculdade de Direito da UFRGS, pois oferece uma síntese madura, com uma prosa fluída e bem resolvida. Mas essa obra quase não é citada, não ganhou resenhas e repercutiu pouco na imprensa. Talvez isso seja um sintoma de certo desprezo do brasileiro pela História da Educação e pela memória das suas instituições de ensino. Não sei.
Em respeito ao leitor, procuro organizar o texto cronologicamente, pois funciona como na ficção: os críticos especializados incensam narrativas pós-modernas, fragmentadas, com narradores e protagonistas estilhaçados, mas o leitor comum as odeia. Dentro dos capítulos, organizo os parágrafos por temas. Presto ainda mais atenção nos ganchos e âncoras, pois me causam calafrios afirmações genéricas, desprovidas de exemplos. Cuido para descrever um local quando aparece pela primeira vez e para situá-lo ao leitor em relação a um outro, já apresentado. Evito desfilar catadupas de nomes próprios. Cada personagem precisa estar relacionado a um outro e minimamente contextualizado. É claro que, dependendo do espaço disponível, resolvo isso com mais ou menos detalhamento.
Uma marca do meu trabalho talvez seja as conexões, sobretudo em textos de síntese e de divulgação. Ponho autores diversos para conversar, conecto documentos de épocas diferentes, relaciono política com comportamento e arte… É claro que isso tem se aprimorado ao longo dos anos, pois é algo facultado pela erudição, que a gente vai lapidando. É natural que historiadores amadureçam seu texto com o tempo. Nesse sentido, estamos do lado oposto ao da energia adolescente de um Rimbaud. Para historiadores, panela velha é que faz comida boa.
Escolher títulos é um drama. Mudo várias vezes o título de um trabalho, ou de um capítulo. Nem sempre o resultado me agrada. Às vezes, simplesmente não encontro o ideal. Assim como Robert Darnton, não tenho paciência para essa fórmula que se vulgarizou em trabalhos de pós-graduação, que pressupõe uma frasezinha de efeito antes ou depois de dois pontinhos, da qual os foucaulatras são useiros e vezeiros. Aí você abre a dissertação e é tudo a mesma coisa, só muda o endereço: os micropoderes aqui ou ali, etc… Sérgio Buarque de Holanda tirava títulos magníficos, como “O pássaro e a sombra”, da própria documentação.
Cada vez mais eu me interesso por rupturas, detalhes e coincidências. Segundo Emília Viotti da Costa, crises, para o historiador, são momentos de verdade, pois escancaram o que fermentava sob uma capa de aparente consenso e equilíbrio. São as contradições vindo à tona. Por sua vez, se o diabo mora nos detalhes, como prega o aforismo popular, Nelson Rodrigues dizia que Deus mora nas coincidências, que são, de fato, um gancho fenomenal para o historiador. Veja: Messiasfoi esfaqueado por um Bispofora do juízona cidade de Juiz de Fora, tendo começado sua campanha pela cidade de PresidentePrudente, com gestos nada prudentes, imitando arminha com as mãos. Prudente de Moraes, primeiro presidente civil da República, sofreu um atentado à facaem 1897, desferido também por um Bispo. E por aí vai… Redigi recentemente um artigo com essa combinação de coincidências.
Certos procedimentos em relação a detalhes técnicos, como a maneira de compor as referências, me inquietam há anos, como escritor e editor. Por exemplo: optei em minha tese de doutorado pelo sistema de referências americano, mais direto e prático, o que foi recebido, no início dos anos 1990, com certo estranhamento. Hoje a modalidade se difundiu no Brasil e são poucos os periódicos que ainda abraçam a fórmula francesa.
No início, eu seguia concepção de historiadores como Barbara Tuchman que evitam a auto-referência. Mas não funcionou bem, porque no Brasil os acadêmicos tendem a identificar como autoplágio a ausência de citação a si próprio. Então, precisei mudar, apesar da impressão algo esnobe que a autocitação fatalmente transmite.
Em alguns trabalhos, tentei preferir citar a fonte primária – desde que a consultasse – ao colega que a tivesse trabalhado previamente, até porque eu poderia estar captando algo diverso na mesma fonte, como o fazem e recomendam muitos historiadores celebrizados. Porém, com o tempo percebi que isso poderia ser um pouco injusto no contexto brasileiro, no qual as fontes são dispersas e mal organizadas, por falha de políticas para acervos, tornando-se importante destacar o autor que sistematiza e divulga uma fonte, por mais que não concordemos com sua abordagem. Assim, tomei como regra de honra citar os dois: fonte primária e secundárias.
Isso criou outro problema. Ao me cercar de um tema, procuro ler o que se publicou a respeito, até para não chover no molhado. Esse cuidado eu sempre tive. Mas no Brasil, a tarefa hercúlea é dificultada sobremaneira pela memória descosida do mercado editorial, pela precariedade do sistema de bibliotecas e pela miríade de edições limitadas, pouco divulgadas, inclusive em periódicos acadêmicos obscuros. É verdade que as novas bases de dados eletrônicas, como o Google Scholar, facilitaram esse acesso, mas ainda assim há lacunas. Por consequência, sempre descobrimos algo que poderia ter sido mencionado num rodapé. E tem gente que se chateia.
Enfim, faço um grande esforço para o máximo possível de referências – embora o leitor comum ache isso inconveniente –, mas nem sempre tenho sucesso. É claro que em artigos para jornais ou revistas de divulgação isso simplesmente não é possível, por falta de espaço: aí, precisamos ser ainda mais sucintos e objetivos, apresentando ao leitor a ideia acabada, sem a montanha de notas de rodapé que podem figurar em formatos mais acadêmicos.
Isso me levou a uma reflexão sobre os suportes escolhidos. No passado, me concentrava em produzir livros, como é tradição nas Humanidades, além, é claro, de, ocasionalmente, artigos de divulgação, curtinhos e destinados a um público amplo, mas sem perenidade. Contudo, hoje, pelos motivos já mencionados, mas também porque houve uma política governamental explícita nesse sentido nas últimas décadas, os periódicos acadêmicos foram valorizados até, penso, desproporcionalmente. Então, precisei repensar a opção.
Apenas nos últimos 12 meses publiquei quatro artigos em revistas Qualis Capes A. Hoje, se desejarmos nossas ideias circulando já não se podem evitar tais veículos, indexados eletronicamente. Os alunos e jovens pesquisadores querem a bibliografia ao alcance de um clique. O hábito de vagar por prateleiras de livrarias ou bibliotecas já se borra na poeira da memória.
Há nisso outro drama. Artigos acadêmicos consomem tempo e esforço para serem produzidos e os autores só são remunerados por eles indiretamente, quando inseridos dentro de instituições de ensino, pelas quais percebem seus salários (o que não é o meu caso). Além disso, revistas de estrato Qualis A podem levar dois ou três anos para publicar um texto aprovado, pois a procura se tornou expressiva. Finalmente, esses textos, capilarizados entre acadêmicos, dificilmente atingem o público externo, mais amplo, que desconhece a lógica dos periódicos e estranha sua interface pouco amigável e layout árido.
Por outro lado, História é uma disciplina muito diferente da Farmácia, ou da Química. Na nossa área, faz pouco sentido artigos assinados a quatro, oito, ou dez mãos, o que é mais comum nas Ciências Duras, em função da pesquisa laboratorial, com forte acento coletivo. Nossa pesquisa e nossa redação tendem a ser solitárias. Além disso, é nos livros que historiadores podem expandir e aprofundar argumentos. É difícil produzir sínteses impactantes em artigos, mais propícios, em geral, a abordagens cirúrgicas. Eu já tenho vários livros publicados, mas me pergunto sobre os historiadores do futuro, os quais, com essa supervalorização dos periódicos, imposta pelas Ciências Duras, via Capes, poderão ter de amargar obras dispersas, fragmentadas.
Houve uma fase na qual me refugiei na Lei Rouanet. Graças a esse mecanismo de incentivo, consegui realizar coisas maravilhosas, obras individuais e coletivas de apurado cuidado editorial. Cada uma prestigiava toda uma cadeia de profissionais da pesquisa e do livro. Mas abandonei a ferramenta, há anos. A gestão de projetos pela lei se tornou pesadamente burocratizada, o que inviabiliza a participação de pequenos empreendedores, que têm margem de retorno estreita e não podem se amparar em equipes de advogados e administradores. Para o pequeno produtor, a relação custo benefício perdeu eficácia. Além disso, com a nacionalização ou internacionalização dos centros de comando das grandes empresas, o interesse pela História diminuiu muito. Afinal, se ocupam da memória e do patrimônio aquelas empresas que têm vínculo com sua comunidade de origem. Aí, no momento em que deveríamos refletir sobre o aprimoramento da lei, vem uma direita tosca ataca-la, recuperando os mesmos argumentos que a extrema esquerda utilizava, há dez anos atrás.
Então, a tensão entre a escrita acadêmica e outra mais afinada ao público geral permanece para os historiadores, estabelecendo novos desafios e impondo a todo instante opções complexas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Espero para os próximos meses a publicação de mais uns três ou quatro artigos em periódicos Qualis A, resultado de um esforço concentrado. Alguns revisitam textos antigos, lançados em suporte impresso, de tiragem restrita e pouca divulgação, conectando-os com novas pesquisas ou com material que deixei de usar em investigações passadas. Essa circularidade tem sido uma experiência interessante, pois me permite repensar conclusões ou retrabalhar fontes.
Talvez já seja hora, aliás, de publicar coletâneas de ensaios meus, dispersos em jornais, revistas, periódicos ou edições coletivas e não comerciais. Mas ainda não apareceram editores interessados.
Estou também trabalhando numa nova pesquisa, um ensaio biográfico, modalidade que exercitei relativamente pouco, considerando o conjunto da obra.
Alguns dos livros têm me permitido sistematizar cada vez um pouco mais a história política e jurídica recente do país. Talvez um dia eu possa produzir alguma síntese a respeito, se algum editor se interessar.
Penso em muitos projetos, mais ou menos ambiciosos. Mas eu gostaria mesmo que meu país valorizasse melhor os profissionais da Cultura e das Humanidades. Não é chavão dizer isso, sobretudo depois de assistirmos horrorizados à tragédia anunciada do Museu Nacional, produto do descaso e de sucessivas gestões equivocadas, em várias instâncias responsáveis. Centenas de acervos públicos estão na mesma condição de precariedade. Amiúde vejo ainda bibliotecas e arquivos pessoais de enorme riqueza serem perdidos, sem causar indignação às pessoas, sem que as instituições se movimentem. E isso é só a base do processo. Falta financiamento à pesquisa, carecemos de instituições bem estruturadas e com visão de longo prazo por traz dos scholars, o mercado editorial padece de amadurecimento, etc… E para piorar, tem gente que pretende responder às velhas patrulhas ideológicas com anti-intelectualismo, o que é um equívoco ainda maior, pois investe contra o pouco que temos.
Nesse cenário, a gente vai navegando como pode. Não programo muito os próximos passos. Deixo a vida me trazer propostas. Algumas avançam, outras não. Alguns projetos que desenvolvi não foram pensados por mim, mas me foram sugeridos por outras pessoas, que me procuraram. Mesmo aquelas temáticas que eventualmente achei pouco entusiasmantes no início, acabaram me ensinando algo de bom, de interessante. Aprendi lições fantásticas em territórios inusitados, aparentemente áridos. Um dos artigos que estou concluindo agora, por exemplo, trata de concursos públicos, um assunto sobre a qual pouca gente escreveu, justamente porque não tem glamour, social ou cultural. Mas pense na importância que esse sistema tem para o Brasil! Eu vou assim, colecionando meus fragmentos, montando mosaicos. De vez em quando, brota daí alguma coisa que as pessoas apreciam, ou, simplesmente, que eu acho legal.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Sempre faço um planejamento, como, acredito, todo mundo. Mas é claro que o percurso traz surpresas e dificuldades não programadas, às quais vou me adaptando. Em geral, o resultado é diferente daquilo que imaginei no início. Tenho dificuldade de iniciar um projeto. Todo início parece um parto. Mas, depois que começa, a escrita costuma fluir como um jorro. É claro que aí também é difícil parar. Limites de prazo ou extensão do texto me ajudam a fixar um ponto final. Mas a cada nova leitura do texto, eu o modifico. Há sempre algo a ser melhorado. Por outro lado, tenho dificuldade em retornar a textos já publicados, para reescreve-los, com outro estilo, ou de forma, mais resumida ou ampliada. Parece que, uma vez publicado, não cabe mais mexer.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Prefiro trabalhar em um projeto por vez. Mas isso é relativo. Não dá para escrever duas obras ao mesmo tempo, mas é possível trabalhar em três ou quatro livros concomitantemente, desde que os mesmos estejam em estágios diferentes: preparação, redação, revisão, supervisão editorial… Além disso, separo uma parte do dia para escrever e-mails (com alguns amigos mantenho extensa correspondência) e, em algumas épocas, postar mensagens no Facebook, comentando notícias, em geral da política. Isso me toma tempo e, na prática, considero como escritas paralelas, porque é preciso pensar na ideia e na forma, ainda que as mensagens em redes sociais sejam enxutas. Finalmente, costumo ler vários livros ao mesmo tempo, de temáticas diferentes.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
O desafio de dar forma a uma ideia é viciante, assim como o fascínio meio detetivesco da pesquisa. Não sei se houve um momento de decisão. Foi acontecendo. Quando criança, eu editava um jornalzinho em mimeógrafo, então, já tinha essa tendência para a redação e para a edição. Com o curso de História, tomei gosto pelos trabalhos de casa, por pesquisas nas quais participava como bolsista e, depois, pela redação de artigos. No segundo ano do curso eu já estava publicando meu primeiro artigo acadêmico, ainda como graduando.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Nos tempos de faculdade, lembro ter ficado muito impactado pelo estilo de escrita de Raymundo Faoro e de Gilberto Freyre. Também me encantei por Sérgio Buarque de Holanda. Acho que foram os intérpretes do Brasil que mais me inspiraram, mas acho que estou longe da competência estilística deles. Muitos outros autores me influenciaram, como comentei na resposta à pergunta 9, sobre a mudança do estilo ao longo dos anos.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Eu seria incapaz de destacar três livros dentre as centenas que já li, porque todos têm algo de interessante, que pode ser aplicado a situações diversas. Mas posso mencionar os três últimos livros que concluí.
Colapso, de Jared Diamond, não é bem escrito, pois tem frases e ideias repetitivas, como se fosse uma colagem de artigos, além disso, há alguns problemas de revisão na edição brasileira, mas, tirando isso, é uma ótima reflexão para os tempos atuais, porque chama a atenção para culturas e civilizações que desapareceram em razão do esgotamento de recursos naturais que provocaram, drama diante do qual a Humanidade parece estar se apresentando no momento. Trata-se de uma tentativa muito interessante de combinar as Ciências Sociais com a biologia e a geologia, dando especial destaque à arqueologia.
Stálin: a corte do Czar vermelho, de Simon Montefiore, é uma leitura fundamental para se entender a influente Revolução Russa e para nos aprofundarmos na biografia de Stalin, um dos grandes líderes e genocidas da história. Simon foi dos primeiros historiadores a mergulhar nos arquivos da antiga União Soviética, assim que foram abertos, e conseguiu reconstituir o cotidiano do governo Stalin, nas diversas fases. A obra, assim, vai cozendo dramas familiares e domésticos com as grandes questões do tempo em que se inscreve.
A Torre de Orgulho, de Bárbara Tuchman, talvez seja o melhor retrato que um historiador já fez do final do século XIX na Europa e nos Estados Unidos. A narrativa dela sobre o caso Dreyfuss e sobre o Congresso de Haia são insuperáveis. Além disso, o livro é magnificamente bem escrito. A leitura é saborosa. Quem, entretanto, deseja acessar as fontes utilizadas pela autora, se frustra um pouco na medida em que ela não se remete a notas de rodapé.