Guilherme Trucco é fundador da Escola de Patafísica Aplicada, e vive em Paraty onde, nas horas vagas, é marceneiro.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depende. No dia a dia, aplico uma sequência básica de café preto seguido de bananas com aveia. Uma seleção leve de desenhos infantis matinais repetidos, antes de deixar minha filha na escola. Após isso, nos bons dias, surfo, nos dias ruins, leio.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Passo muito tempo sem escrever, apenas fazendo anotações, lendo. Agora, quando inicio um novo projeto, um romance, fico totalmente absorto no processo de escrever, a coisa fica bem esquisita.
Durante a noite, durmo com um caderno quadriculado e caneta no criado mudo. Como estou absorvido pelo projeto, acordo várias vezes durante a noite, anoto ideias que, na hora, tenho certeza absoluta são geniais. Não raro, minha esposa acorda com minhas gargalhadas estranhas noturnas.
Como não durmo direito, “acordo” umas 4h30, 5 da manhã, e vou escrever. Ao revisar meu caderno, percebo que 90% do que anotei é pura porcaria. Me agarro a estes 10% restantes, e muito café para escrever algo que o valha até umas 7 da manhã, quando minha filha acorda.
De forma geral, prefiro escrever neste estado mental meio acordado meio dormindo, que não deixa de ser um processo onírico surrealista.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A maior parte do ano não escrevo. Mesmo. Apenas quando estou em um projeto, aí escreve todos os dias incessantemente. Imerso na história, ideias e caminhos. Tento escrever pelo menos mil palavras por dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A história tem que nascer de uma contradição. Uma justaposição de opostos completamente absurda, mas que possa dela ser extraída uma metáfora. Um escritor analfabeto, por exemplo. Perai, melhor anotar essa. Se a contradição for boa e forte o suficiente como ideia, ela fica lá martelando. Pouco a pouco vou anexando alguns conceitos e cenas que acho engraçados. Quando percebo que a coisa toda tá ficando interessante, começo a tentar dar uma certa forma, uma estrutura geral do enredo.
Depois começo o que chamo de “processo da lasanha”. Decupo a estrutura do enredo em camadas. Separo a história em 3 núcleos, como queijo, molho e massa. Então, na hora de passar da pesquisa para a escrita propriamente, vou alterando as camadas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que, como passo muito tempo sem escrever, quando entro de cabeça em uma história, não consigo parar de pensar nos aspectos dela. Preciso mais é jorrar isso no papel o quanto antes. Meus livros geralmente são curtos. As poucas vezes que tentei escrever projetos mais longos, mais ambiciosos, perdi o interesse no meio do caminho e deixei engavetado. Volta e mexe posso assaltar essas gavetas para roubar um conceito que ficou pra trás, reutilizar de alguma forma.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Todo novo dia que escrevo, começo relendo tudo desde o começo. Só então entro no clima para escrever novas páginas. Quando estou no final do livro, já li e reli aquilo tudo tantas vezes que enche o saco mesmo. Então, é hora de dar para outras pessoas lerem. Só não dou para a minha esposa. Ela é muito crítica, geralmente desisto de escrever depois das críticas dela. Passo um mês sem olhar pro livro. Depois aceito, recupero o livro da lata do lixo, arrumo os pontos e fico novamente feliz.
Também tenho feito alguns processos de leitura crítica formal com outros escritores, o que tem sido muito interessante.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Anotações em geral em cadernos diversos, sempre quadriculados. Qualquer tipo de papel na verdade, inclusive segunda via da maquininha de débito. Quando passo para a escrita pesada, aí vou para o computador, google docs, pra não perder o trabalho e poder acessar de qualquer lugar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Muita leitura. Não raro, releitura de livros que me influenciam muito. Hemingway, Graciliano Ramos, Maksim Gorki, Gogol, mas biografias em geral também são terreno fértil. Episódios aleatórios de Monty Python, e um olhar sempre atento para as contradições do dia a dia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Demorei a perceber, e concentrar meu trabalho no surrealismo e na patafísica (a ciência das soluções imaginárias). Depois disso, acredito que meu estilo ficou mais livre e, paradoxalmente, mais conciso.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um bom livro sobre surrealismo e surf.