Guilherme Scotti Rodrigues é professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depende do dia. Meu horários variam a cada dia e a cada semestre, a depender das disciplinas que leciono, dos dias em que levo minha filha à escola, dos dias que faço pilates e de outros compromissos. Quando tenho as manhãs mais livres gosto de tomar café e começar a trabalhar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho bem pela manhã, no final da tarde e à noite. O único horário totalmente improdutivo pra mim é depois do almoço, pois sinto muito sono. Sempre que posso tiro uma soneca logo após almoçar, dessa forma posso ter o resto do dia mais produtivo. Eu era uma pessoa mais notívaga, gostava de dormir tarde, inclusive para trabalhar. Isso mudou depois do nascimento da Nina, minha filha. Como ela invariavelmente acorda cedo, acordo cedo também, então evito dormir tarde, ao menos nos dias de semana. Para escrever não tenho muito ritual, talvez a música. Gosto de ouvir especialmente jazz e blues quando trabalho (gosto de muitos outros estilos também, mas não para trabalhar).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
No dia a dia às vezes faço anotações, ideias para desenvolver depois. Escrevo mais com uma meta definida e com prazos, daí de forma mais concentrada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrever para mim é um processo que demanda muita energia, não é fácil (desenvolverei mais isso na próxima resposta). A pesquisa e a escrita precisam andar juntas. Claro que num primeiro momento posso me dedicar mais à pesquisa e à leitura, mas busco já escrever tudo que puder simultaneamente, mesmo que depois reveja e reescreva bastante.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Está aí a grande questão. Como mencionei, escrever para mim é difícil, trabalhoso, doloroso, é um abrir-se para o mundo serrando o peito, deixando marcas que não poderão ser desfeitas. Invejo muito quem consegue escrever com facilidade, leveza, fluidez. Demorei a escrever esta entrevista por isso também. Pensava comigo mesmo que a única resposta que poderia dar para “como eu escrevo?” seria: deito em posição fetal, chorando, e espero que duendes mágicos escrevam o que eu preciso escrever (era minha fantasia favorita durante o mestrado e o doutorado). Aí quando finalmente percebo que os duendes mágicos não estão muito dispostos a me ajudar, sento na cadeira e vou trabalhar. Depois que escrevo, porém, a sensação de dever cumprido é bem recompensadora, mesmo em geral achando que o que escrevi ficou ruim (depois de um tempo posso mudar de ideia quanto a isso). Como escrever é trabalhar, e trabalho dói, preciso de prazos, ainda que um tanto flexíveis, ou então procrastinarei eternamente. Me alegra e estimula sempre reler a “teoria da procrastinação estruturada” do professor norte-americano de filosofia John Perry. Acho que é bem por aí: procrastinar é da nossa natureza (da minha certamente é), precisamos lidar com isso. A ansiedade está sempre presente para mim, seja em projetos curtos ou longos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Vou revisando à medida que releio o que já escrevi, e geralmente faço uma última revisão geral. Erros sempre acabam passando pra mim, mas não sou muito obcecado por correção gramatical, não aprendi as novas regras ortográficas (já me aceitei como aqueles velhinhos que escrevem “pharmácia”, “constitucionaes”), acho a vida curta demais para perfeccionismo nisso (e em todo o resto, na verdade). Então sempre gosto quando há uma revisão profissional no processo de publicação, dá mais segurança. Acho sempre bom mostrar para outras pessoas antes de publicar, mas confesso que faço isso menos do que deveria, seja por vergonha ou por querer mandar logo o bendito trabalho que finalmente escrevi, depois de quebrar tanta pedra.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre fui de computador, desde o meu poderosíssimo 486 66MhZ, com incríveis 4MB de memória RAM, lá pelos meus 13 anos de idade. Procuro usar toda tecnologia que possa me ajudar, como gerenciadores de referências bibliográficas (tenho uns 3 instalados, nenhum configurado direito, estou procrastinando isso também).
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Lecionar, seja na graduação ou na pós-graduação, é muito estimulante. Das discussões em sala, nos grupos de estudos, com colegas, surgem as ideias. Gosto sempre de lidar com alguma questão prática, embora minha abordagem e meus interesses sejam eminentemente teóricos. Mas teoria é para a prática, é para lidar com o mundo, só gosto de teorias que consigam fazer isso, que nos ajudem a lidar positivamente com os problemas que temos. O hábito para a criatividade se chama vida, não vejo nenhum método artificial possível.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Com a experiência de lecionar na graduação passei a ver a importância de buscar ser claro, didático, sem contudo ser simplista. Ideias muito complexas podem e devem ser expostas com clareza e transparência. Tenho tentado escrever cada vez mais dessa forma. Algo muito positivo que passei a fazer cada vez mais é escrever em coautoria. É uma ótima maneira de driblar a procrastinação e a insegurança e de refinar as ideias. Gosto muito de escrever junto com colegas professores e orientandos.
Se eu pudesse voltar no tempo, diria a mim mesmo para se cobrar menos, escrever com mais leveza (eu seria um tanto hipócrita, pois hoje tampouco consigo fazer isso, mas vai que o eu do passado acreditasse?), não ter medo de publicar o que já escreveu.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vontade de fazer um pós-doutorado fora do país, mas ainda não achei o momento certo. Com filha pequena a logística fica um tanto mais complexa, mas um dia quero conseguir realizar isso. Quero também tentar escrever mais diretamente em outras línguas, especialmente inglês e espanhol, sem ter que primeiro escrever em português para depois traduzir. Pensar em outras línguas é muito estimulante, falta ainda o escrever.
Não consigo pensar num livro que gostaria de ler e ainda não foi escrito, pois nem em mil vidas eu conseguiria ler o que gostaria do que já foi escrito. Isso aliás, vale para todos os produtos culturais humanos. Fico angustiado com o tanto de músicas que não apreciarei, filmes e séries que não verei, romances que não lerei, videogames que não jogarei, nessa vidinha curta que a gente tem. No meu tempo livre tento absorver um pouquinho dessa imensidão.