Guilherme Luz é escritor, autor de “Gaytástrofes”, e editor do selo “GentePrecisoFalar”.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nos dias de semana eu trabalho como servidor público federal, na Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Depois eu estudo, tenho aula de Letras, na Ufrj. Faço ainda uma pós-graduação EAD (pois já tenho outras formações) de produção editorial pela LabPub.
A noite tento conciliar tudo que tenho pra fazer com cuidar dos meus dois gatinhos, gerenciar a casa onde moro sozinho, tentar ter uma vida social e sexual ativa e, se as bênçãos da criação me tocarem, ainda escrevo um texto e publico na minha página de textos no instagram e no Medium.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Certamente para escrever eu prefiro a noite, quanto mais tarde melhor.
Meu ritual para a escrita depende do que estou escrevendo. Para meu primeiro livro, chegou uma hora que não tinha mais essa de “quando a inspiração chegar”. Tinha datas a cumprir e fixei um horário diário para sentar e escrever. Às vezes demorava, às vezes fluía, mas sempre acabava saindo alguma coisa.
Por outro lado, quando estou escrevendo pra minha página, eu costumo deixar fluir e as palavras chegarem. Mas, lógico, um cafezinho é sempre um bom companheiro de escrita.
Definitivamente, entretanto, um péssimo amigo do escritor é o celular, que suga nosso tempo e atenção a cada notificação.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando eu escrevia meu livro, eu me impus uma meta de acordo com as datas previstas para envio à gráfica e de lançamento, como eu lancei o livro e junto um selo editorial para autores Gays, acabava que tinha que controlar meu lado escritor e meu lado gestor da obra.
Para textos que publico como conteúdo não tenho uma meta diária, mas quando passo uns três, quatro dias sem escrever nada, começo a me forçar, em geral, dá bom!
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Geralmente, quando eu vou para a pesquisa é porque já pensei bastante sobre o assunto. Então busco filmes, documentários, vídeos, livros, textos, teses de mestrado e doutorado e vou aumentando minhas perguntas e meus esclarecimentos a respeito do que vou escrever.
Entre a ideia, o raciocínio contínuo – quase obsessivo – no assunto e a pesquisa, em algum momento dessas partes – que muitas vezes se misturam -, me surge a frase inicial do texto, e geralmente dela eu vou tecendo os questionamentos e adicionando as informações adquiridas na pesquisas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu fico em pânico. Como bom millenial, sou diagnosticado TDAH – o que já me gerou crises brabas de ansiedade e duas depressões complicadas. Mas hoje, graças à Freud, estou tratado e já até consegui parar com o remédio regulador de humor. Por conta disso, e de uma característica clássica no TDAH: o hiperfoco, em alguns momentos passo longos períodos de desinteresse, tédio e sem a mínima vontade de escrever. Em outras horas, escrevo textos e textos compulsivamente, como já quase escrevi um livro de contos gays – ainda não finalizado – em um final de semana.
Ao iniciar o projeto do meu livro dois anos antes da data de lançamento, eu tinha certeza de que não terminaria. Eu e muita gente com quem eu falava sobre. No entanto, me envolvi tanto na história, que queria ver um final. Esse foi o combustível que usei pra conseguir chegar ao fim. O problema, na verdade, foi depois. Com o original pronto, tive que percorrer toda a cadeia de produção do livro: do fechamento do miolo e da capa, até o marketing e a distribuição. Nesse momento, pensei em desistir muitas vezes, mas, pelo mesmo motivo de antes, ou seja, pela história que estava escrita ali, eu queria que as pessoas também vissem – e não só eu. Então, com todas as dificuldades possíveis e imagináveis, daquelas que dariam uma comédia e uma tragédia juntas, eu lancei meu primeiro livro, intitulado “Gaytástrofes”, lançado no verão “2020/2021”.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O livro eu revisei compulsivamente e contratei duas revisoras que também o fizesse. Mas, sempre sai um errinho aqui e outro ali. A gente acostuma.
Meus textos de internet, eu reviso umas três ou quatro vezes e posto.
Eu ficava irritadíssimo com erros de ortografia que saíam. Na verdade, esses “erros” me perseguem desde as redações escolares. Essa minha “atenção seletiva” me faz focar tanto no que estou escrevendo, que desligo a chave da forma da escrita. Pontuação era o caos, mas com anos e anos estudando para concursos públicos, acabei melhorando bastante.
No entanto, li um livro do Marcos Bagno, “Preconceito linguístico”, li o clássico “curso geral de linguística”, Ferdinand Saussure e acompanhei as aulas de linguísticas que tive online na faculdade e, juntando tudo, percebi que não é necessário essa preocupação extrema com a formalidade, a norma culta, à qual somos submetidos desde os primeiros anos do colégio. Isso mudou minha escrita e a tornou mais fácil, menos emperrada, pois, a todo instante, eu parava para pesquisar sobre como se escrevia isso ou aquilo, regras de regência e concordância, pontuação e etc. Não quero dizer com isso que a gramática não seja importante, mas acredito, apoiado nas referências citadas, que não é tão importante assim um “ss” ou um “ç” para que a mensagem chegue do emissor ao receptor com a intenção preservada. Outro livro muito interessante que também estou lendo é: “Linguagem: a maior invenção da humanidade”, de Daniel L. Everett, recomendo!
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu detesto tecnologia. Há pouco tempo fui descobrir que, talvez, a raiz dessa repulsa seja o fato de, muitas vezes, ela simplesmente não ter explicações para determinado não funcionamento. Entendi também que não dá pra lutar contra ela, é como se quisesse segurar com as mãos uma tsunami. Por isso, me esforço ao máximo para estar atualizado, mas fujo dessa necessidade louca de estar sempre antenado com os mais recentes lançamentos do que quer que seja. Para postar o texto na minha página @genteprecisofalar eu tive que aprender a lidar com o adobe illustrator, pois queria postar um conteúdo “bonitinho” pra internet. Infelizmente no séc. XXI a Literatura tem que ser “coloridinha”, rs, mas em outras Eras escritores também reclamavam do papel, do livro, do jornal, da TV e etc…
O livro eu comecei a escrever a mão. Escrevi um bloco inteiro de ideias – cenas – soltas e ali mesmo fui construindo um esqueleto. Mas sem regras ou qualquer tipo de organização dessas que até aplicativo existem.
Depois fui passando as ideias para o Word e montando a história que estava esboçada em mais de duzentas páginas de um bloquinho de papel reutilizado.
Os textos do Instagram, em geral, escrevo direto no computador, passo pro Illustrator, passo pro drive, salvo no celular e publico nas redes. Alguns eu escrevo no bloco de notas do telefone também. Dali envio pra mim mesmo por email, jogo no Illustrator e sigo o mesmo caminho dos outros.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Pode ser clichê, mas ler é definitivamente o que mais ativa minha criatividade. Primeiro, eu leio – mesmo que obrigado – todos os grandes autores brasileiros possíveis. Não só pela genialidade da grande maioria, como por uma espécie de “benchmark”, ou seja, analisando o que a “concorrência” fez ou está fazendo. Nas épocas de seca de escrita, é nessa hora que me forço mais ainda ler os grandes. Como mágica, ou milagre, os textos começam a aparecer rapidamente. A leitura parece que vai mudando nosso foco de olhar pro mundo. Costumo sempre agradecer ao autor que me inspirou ao final de um texto “amém, Clarice” “amém, Machado” etc…
Viajar pela estrada, andar pela rua, conversar com pessoas, ver noticiário, vídeos sobre filosofia no youtube, em especial os do Pondé. Procuro muito sobre psicologia e psiquiatria também também. Estudo, através de livros e vídeos, história do Brasil, por amor, enfim, tudo isso vai montando uma espécie de montanha de ideias e conhecimento no meu cerébro que, se misturando, forma algum conto, alguma crônica, alguns pensamentos filosóficos ou até um livro ou um simples tweet.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu passei a encarar a escrita de forma profissional, como só me considero um escritor mesmo há dois anos, tenho muito o que percorrer para dar um conselho de “experiência’; sou só um bebezinho no mundo literário.
De qualquer forma, uma coisa eu tenho certeza, aprendi muito com a escrita e a produção do meu primeiro livro. E aquele escritor que escrevia, lá atrás ainda, o primeiro capítulo de quinze, na primeira página de 400, era, na verdade, um pessimista. Embora as dificuldades, não é tão assustadora assim a batalha por lançar um livro independente. E isso me motiva, hoje, a fazer crescer o selo editorial, dando vozes a vários outros autores.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou escrevendo um livro, “O adolescente”, para julho de 2022, contando um pouco da vida do subúrbio carioca, da Tijuca e etc nos anos 2000.
Para julho de 2021, estou juntando contos e textos gerais para lançar minha primeira coletânea dos textos que escrevi nesses primeiros anos e que acho mais relevantes.
Quero escrever ainda outro, sobre um psicopata gay, que se passa por guru espiritual e é desmascarado por dois amigos gays e um policial hetero em um paraíso holístico na mata atlântica.
E também um romance sobre um carnavalesco, mostrando o mundo do samba e outro romance sobre um galã gay, filho de santo, raspado no candomblé, disputado por todos os homens, por conta do seu encanto malandreado de homem do Oxóssi.
E sonho em conseguir escrever um infantil.
Não sei qual o tempo necessário e se vou completar tudo isso e muito mais. Todavia, são essas minhas pretensões de iniciante.
Sobre livros que gostaria de ler, eu gostaria de mais romances como os clássicos de Aluísio de Azevedo, de Machado de Assis, Nelson Rodrigues e etc, nos nossos tempos. Tenho a impressão que a não-ficção vem prevalecendo com força, o que acho ótimo e consumo bastante, mas gostaria de ver um Brasil retratado como Lima Barreto e Mário de Andrade e muitos dos nossos outros mestres tão brilhantemente o fizeram.