Guilherme Bernardes é mestrando em Letras na Universidade Federal do Paraná e integrante do grupo de tradução e performance Pecora Loca.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depende muito do dia da semana. Eu gosto de ficar acordado durante a noite, o que faz com que, às vezes, eu acorde um pouco mais tarde. Em alguns dias, dou aula de inglês pela manhã, o que modifica minha rotina da noite anterior. Mas, de forma geral, tenho certa dificuldade pra acordar. Demoro alguns bons minutos pra estar realmente acordado e não naquele modo meio zumbi. Um bom café sempre ajuda a acelerar o processo. Resumindo, então, pela manhã, minha rotina depende dos compromissos que tenha agendado pra ela, a parte da rotina é bem mais regular durante a noite.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pegando carona na resposta anterior: de noite. De manhã gosto de dormir o máximo possível. De tarde a gente sempre acaba trabalhando um pouco, nem que seja mais lendo que escrevendo (geralmente ajuda a dar algum insightpra começar). Acho que o ritual é meio esse. Tentar deixar a manhã meio vaga, acordar com calma (sempre que dá), e durante a tarde acabo fazendo esse pseudoprocesso de preparo que deslancha mesmo durante a noite. Isso pra escritas acadêmicas, como a dissertação em que estou trabalhando agora. Quanto a minha escrita poética, o processo é bem variado. Eu costumo coletar ideias, às vezes por dias, de como elaborar um poema novo, até sentir que tenho coisas suficientes pra desenvolver a ideia de uma vez e ver se vai funcionar ou não. Mesmo assim, a maior parte também costuma ser feita de noite. A diferença maior talvez seja que, pra escrever um artigo, ou um capítulo, ou um ensaio, mesmo essa entrevista, etc., eu abro o computador. Meus poemas, faz um tempinho, já, são quase que exclusivamente escritos no celular. Pra ir pro PC, só depois de juntar um número x de poemas que possa vir a integrar um livro ou algo do tipo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Totalmente concentrado. Conheço bastante gente que defende a ideia da rotina da escrita. Aquela coisa de escrever, ler, achar ruim, apagar, escrever de novo, ler de novo, achar ruim de novo, apagar de novo…que se repete até o momento do ler e não achar ruim. Eu acho que nunca fiz isso. Geralmente, quando tenho que escrever algo acadêmico, ou se estou planejando escrever um poema, eu prefiro ficar um tempo só matutando a ideia, pensando nas possibilidades, traçando planos e caminhos, pra daí então escrever. Não que eu pense um tanto nas coisas e daí quando eu vou pra botar no papel (tela, né?) tudo flua naturalmente e sem problemas. Também não é assim. Mas tenho funcionado mais desse jeito. Fico dias sem “escrever”, porque não adicionei material ao documento. Mas, ao mesmo tempo, nunca deixo de pensar nos meus projetos e tento escrever mentalmente antes de digitar. Até por isso não apago muito do que escrevo. E claro, às vezes rola de, mesmo depois do processo todo e de ter achado bom na primeira lida, na segunda nada parecer bom, ou achar simplesmente mal desenvolvido. Geralmente, então, eu deixo pra lá. Não apago. Fica lá. Quem sabe um dia eu descubro o que faltava.
Metas eu só tenho se o prazo aperta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Que ruim começar a responder uma pergunta no meio da outra. Mas acho que elas se complementam, né? Numa a gente dá o início e daí desenvolve na pergunta seguinte. Enfim, meu processo acadêmico é um pouco mais regrado. Leio o quanto preciso pra me sentir confiante a ponto de escrever alguma coisa; a coisa dos prazos a cumprir sempre ajuda, também. Apesar da ocasional (existe a não-ocasião?) preguiça, a pressão dos prazos até que me faz bem. Me força a pôr num plano físico aquilo que antes estava só na minha cabeça. Já os poemas têm mais liberdade pra crescer. Mas respondendo mais diretamente a pergunta: sim, é difícil começar, até porque eu geralmente começo pelo fim. Gosto da coisa do “impacto final”, aquele eco que fica no final de qualquer bom texto que te dá a sensação de que ele acabou (bem numa vibeBarbara Smith no Poetic Closure). Então eu às vezes tenho dificuldade de começar porque eu já tenho o fim e preciso preencher o caminho que vai me levar até lá. Também acho que me faz bem ter essa noção de como eu quero um texto acabe. Talvez seja esse meu movimento: ler até conseguir “conclusões” e, partindo daí, elaborar o encadeamento de ideias que estruture esse final.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Deixo acontecer. Parecido com o que o Kenneth Goldsmith fala no Wasting time on the Internet, acredito na ideia de que nunca procrastinamos de verdade. Claro que pode dificultar pra certas pessoas e, às vezes, a gente se deixa levar. Mas, no geral, vejo a coisa da procrastinação como um aquecimento prévio ao trabalho intenso. Melhor relaxar a cabeça, ver um filme besta, ficar ouvindo música, criar um ambiente de descompromisso até o limite, e daí então pôr a mão na massa. Ou seja, pra mim, procrastinar ajuda. Me faz entrar com um pouco mais de fôlego no processo. Mais descansado. Às expectativas existem, tanto as minhas quanto as de outras pessoas, como namorada ou orientador, mas tento não pensar nisso. Costumo acreditar no que propus e no planejamento que fiz e tento ter a confiança de que, ainda que se sofra em alguns momentos (às vezes em mais momentos do que esperava), todo mundo consegue. Até eu.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Os acadêmicos devo revisar umas duas vezes no máximo. É um registro bem específico, e um que a gente acaba se familiarizando bem (ainda mais quando a gente também trabalha de revisor). Eu sinto que eles estão prontos quando eu sinto que o caminho pra chegar naquele fim que eu já planejei faz sentido, que não pulei etapas ou fiz saltos retóricos (acontece às vezes; desculpa, Rodrigo). Eu costumo mais conversar a respeito do que estou escrevendo e as ideias que quero desenvolver ou estou desenvolvendo do que, de fato, mostrar o texto pra alguém. A pessoa que, com certeza, mais participa é minha namorada, Diamila, que às vezes eu nem sei como aguenta. Já os poemas, variam muito. Alguns fico meses revisando, arrumando pontuação, corrigindo metro, trocando palavras, melhorando rimas (pior ainda se invento de escrever em verso livre). Às vezes escrevo um poema em algumas horas e depois de revisar uma vez só dificilmente volto a mexer nele. Não que eu não volte a ler o poema. Isso, sim. Alterar alguma coisa, nesses casos, é que é mais raro.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ótima. Escrevo à mão quando estou em algum lugar que pega mal ficar mexendo no celular, tipo uma aula. E se você usa papel e caneta podem achar que você está anotando coisas. Meus primeiros rascunhos de textos acadêmicos vão direto pro PC. Os poemas, como adiantei lá em cima, todos no celular. A Diamila até já me alertou pra coisa da perda dos arquivos ou mesmo de ser roubado e com isso ficar sem nada. Confio na nuvem das notas. De resto, corro o risco mesmo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
De quase todo lugar. De conversas com amigos. De aulas. Ouvindo minha namorada me contar da pesquisa dela. E por aí vai. Tudo isso influencia o processo de escrita. Acho que até mais esse meu, que leva muito mais tempo pensando que escrevendo. Pra se manter criativo acho importante justamente isso: pensar que todo lugar pode te dar inspiração. Ser criativo, puxando o Kenny G de novo, é estar atento de onde “roubar” ideias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que o mudou foi a estratégia. Tanto no início da carreira acadêmica quanto escrevendo meus primeiros textos literários, eu achava muito importante a ideia da explosão e do término na primeira tentativa. Lembro de querer escrever um romance aos 18/19 anos e fantasiar em fazer isso numa noite, numa sentada. E eu transferia isso pra escrita acadêmica. “Preciso fazer alguma coisa? Eu tenho x horas pra isso e se não sair assim, então deixa pra lá”. Juventude, né? Não sei se um dia ainda vou evoluir pra coisa da rotina, e se isso vai, de fato, me ajudar; mas eu acho que diria isso: calma. Pensa bem antes de escrever. Amadurece a ideia. Tudo bem não acertar de primeira. Fica calmo e pensa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho um projeto pra escrever agora pra tentar entrar no doutorado, acho que estou com isso na cabeça agora. Pretendo estudar rima. Mas tenho ambições literárias de um épico. Gosto da coisa do exercício de ler e ouvir poemas longos (gosto de ler em voz alta e às vezes ouço uns audiobooks). Ainda não tenho ideia de que história quero contar, mas imagino que um dia saia. Agora, essa última pergunta, a mais difícil, só consigo responder assim: se eu soubesse responder, estaria escrevendo eu mesmo.