Guido Arosa é autor de O complexo melancólico (Prêmio Rio de Literatura) e doutorando em literatura pela UFRJ.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha única rotina ao acordar é tomar banho, depois meu copinho de leite com Nescau, e olhar minhas plantinhas do quintal. Fora isso, mal consigo pensar pela manhã. Demoro a engatar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor a partir da noite, depois de oito horas. Quando não tem mais novela na tv pra assistir, depois dos jornais, quando já fiz todas as refeições do dia, quando ninguém me pede mais nada, depois de ter feito tudo que precisava na rua, depois de olhar meu jardim. Depois do segundo banho do dia. Me deito na cama e aí sim é que consigo começar a pensar. Começar a pensar nos meus trabalhos: minha pós e minha literatura. Quando consigo ler. À noite, sempre à noite. Pelo menos quase sempre.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende do que está engatado. Não me obrigo a escrever nada nunca. Não tenho nenhuma meta diário e sequer tenho um prazo para escrever o que quer que seja. Escrevo apenas quando a necessidade e a oportunidade surgem. Se na véspera engatei um texto e no dia seguinte ao acordar ele está muito na minha cabeça, prossigo assim que acordo, mas é raro. Meus textos, como geralmente são contos curtos, sempre terminam de uma vez só. O trabalho depois, ao longo dos dias, mas tudo com calma. Comecei a escrever diários dez anos depois que comecei a escrever contos, e os diários até que me dão um trabalho mais diário, por assim dizer. Mas da mesma forma não me obrigo a escrever todos os dias. Eu na maioria das vezes vou deixando o texto me incomodar por dentro até que ele explode. Não o vou construindo aos poucos, porque quando começo a escrever é porque ele já foi gestado inteiro por dentro. Então quando ele vem ele quase sempre vem inteiro. E de partes em partes, de períodos curtos em períodos curtos, se faz uma grande história.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não faço exatamente uma pesquisa exaustiva porque os temas do meu texto eu os recolho das minhas próprias experiências. Meu trabalho é enxergar os eventos e associá-los por meio do texto de forma que assim se construa um conto, uma novela, uma história. A psicanálise me ajudou muito com meus textos. Fazer análise foi um exercício fundamental de reflexão do vivido para compilar o escrito. Os sonhos e as experiências de vida foram ferramentas essenciais para o meu texto, junto da psicanálise. Escrever a vida por meio da fala nas sessões de terapia me levaram a encarar meu texto também como uma continuação do set de análise.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O momento atual, por exemplo, é de total negação da escrita e da leitura. Desde o início da pandemia que não consigo me focar no texto. Ele me escapa e me enfadonha. Tenho até cansaço em falar de literatura porque no momento atual ela me diz pouca coisa. Tudo está tão parado e mórbido ao redor que por dentro pareço hibernar e com isso perdi completamente o prazer do texto. Me conformo porque nunca fui de me exigir escrever. Escrevo apenas quando preciso. Sei que um dia voltarei a escrever e a ler. Mas no momento só consigo pensar em quando sairemos desse vírus, dessa situação que nos deixou de mãos atadas. Sofro ao não trabalhar, confesso, porque parece que minha vida está parada, mas sei também que já escrevi tanto… Projetos longos, como romances por exemplo, não existem para mim. Lido apenas com o fragmento: o conto, as entradas nos diários. Se um dia escrever um romance ele será como vários contos reunidos, vários pedacinhos que juntos viram um livro grande.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Já escrevi muitos textos bons que surgiram por meio de atos falhos e palavras escritas erradas. Os textos que escrevo com sono são até os melhores. Quando os leio depois levo um susto porque parece que a primeira vez que os vejo. Releio apenas para consertar algum erro de português, ou diminuir um parágrafo, coisas do gênero. Mas conteúdo em si é difícil de mudar depois de escrito. Ou aproveito o conto porque gostei ou se na próxima leitura o acho ruim já o jogo fora. Não gosto de mostrar meu texto para ninguém, no desejo de uma aprovação, porque ele é apenas meu. Quando o mostro já o mostro para leitores, e não para revisores. Se mostro meus textos antes de publicados e alguém não gosta, agradeço, mas o texto se mantém aquele porque meu. Se é ruim, ficará ruim, mas é difícil mudá-lo apenas para agradar o outro.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Geralmente sempre fui de escrever direto no computador, mas quando comecei a escrever diários e iniciei os contos do meu segundo livro, Terapia do abuso, ainda inédito, passei a ter caderninhos e a anotar passagens e eventos que julgava interessantes e que me vinham na rua. Foi algo que me ajudou bastante.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm da minha vida e do que observo da minha família e na rua. Fazer e estudar psicanálise e literatura me ajudou muito no meu texto. Tento ler sempre, ainda que sempre os mesmos autores, e com isso aprimorar meu texto. Ver filmes, assistir peças, estudar. Até ter óculos melhores para poder ver mais o que se passa na rua. Tudo ajuda. Mas principalmente saber observar o que se passa com a sua vida e associar os eventos: prática fundamental para construir uma história.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Aprendi a ser mais conciso, aprendi a escrever menos e dizer mais. Escrever diários me ajudou muito. Saber que eu poderia escrever “eu” nos livros e contar as histórias da minha maneira foi fundamental para descobrir minha voz. Saber que não precisava copiar. Isso eu diria para mim quando comecei: não tente copiar o estilo dos outros. Escreva o que quiser da forma que quiser, porque você é o autor.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Agora não quero escrever nada. Escrevi já dois livros, apenas um publicado, e por enquanto estou esgotado. Quem sabe ano que vem retome algo, mas por enquanto não penso nem em projetos de escrita. Mas como ainda vivo, um dia volto a escrever.