Gregório Camilo é poeta, roteirista, diretor e produtor da Catatau Filmes.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma rotina um pouco descoordenada. Não tenho um horário fixo pra acordar, mas acordo sempre cedo — meu filho, o Tom, tem que estar até às 8h na escolinha. Das vezes que levo ele, na volta, continuo o café-da-manhã que tínhamos começado e vou pro computador. Primeiro, vejo o que tem no e-mail, se tem alguma novidade em alguma rede social e depois tento ficar pelo menos um pouco atualizado com o que tem acontecido por aqui no mundo, enquanto termino o café. Isso acontece relativamente rápido. Então, tomo um banho e me visto pro resto do dia.
É ainda no meio da manhã que começo a trabalhar nas minhas coisas. Reviso o que foi feito no dia anterior, corrijo uma coisa ou outra e me preparo pro que deve ser feito à tarde, quando meu trabalho realmente se desenvolve. Depois vou lavar louça enquanto a Fer faz o almoço.
Minhas manhãs são bem caseiras.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalhar, no sentido de ter-de-fazer-alguma-coisa, flui melhor à tarde, e de manhã (também acontece de à noite fluir bem). Agora, pra escrever ou criar algo por minha conta, tenho sentido nos últimos tempos que é de manhã, mas é coisa rara que tem acontecido — normalmente tenho mexido nos meus poemas à noite, que também flui, mas de manhã é certeiro e sem comparação.
Não tenho um ritual de preparação, a não ser o que me acontece a cada dia e acaba influenciando diretamente na minha disposição pra escrever. Ultimamente tenho tomado mais notas e isso tem mudado minha forma de me preparar, o que tem sido muito bom.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sempre escrevi em períodos mais concentrados. Uma hora tô extremamente fértil, absorvendo e desenvolvendo várias coisas. E então vai secando aos poucos até ficar no zero. Aí vou procurar alguma coisa diferente do que eu esteja fazendo — geralmente alguma coisa que nunca fiz ou que nunca tenha lido/ouvido/assistido/etc. — pra, aos poucos também, ir assimilando o que foi absorvido e voltando a escrever. É meio como as estações do ano — de hoje em dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O hábito de tomar notas é recente e tá fazendo parte do meu exercício diário de disciplinamento. Eu era muito indisciplinado, fazia tudo aleatoriamente. Então acho que talvez eu não consiga responder satisfatoriamente à essa pergunta porque ainda tô descobrindo o meu jeito de pesquisar. Mas o que eu tenho feito é ler bastante a respeito do que quero produzir e os seus entornos, tomando as notas…, e então dou um tempo curto pra cabeça arejar antes de começar a pensar e ir organizando mentalmente o que vou fazer. Aí então começo a pôr no papel.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Por muito tempo encarei muito mal. Me julgava, ficava triste, com raiva, melancólico. Depois percebi que isso é um ciclo e a cabeça funciona que nem terra, não dá fruto o tempo todo. Eu tenho dado meu melhor pra tratar bem e não prejudicar essa terra.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A Fer sempre foi minha leitora e acompanhou (e acompanha) todo o processo consciente de evolução da minha escrita. Tudo que eu faço, mostro pra ela. Ultimamente tenho mostrado algumas coisas pro meu irmão, mas ele fala que não entende de poesia. Também tenho publicado alguns rascunhos no facebook e instagram.
Meu processo de criação-revisão-publicação é tudo misturado. Reviso, reviso, reviso e publico. Um tempo depois tô revisando de novo e assim vai indo. Acho interessante por um lado, porque depois de publicar você tem outra visão, julga de outra forma. Mas também tem me incomodado um pouco o quanto faço. Talvez eu só maneire nisso quando publicar algum livro.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A grande maioria dos rascunhos e ideias é à mão. Mas hoje em dia o trabalho à mão quase não passa disso. Depois de anotado, passo tudo pro computador e vou desenvolvendo, então imprimo, corrijo e escrevo mais algumas coisas à mão e volta pro computador.
Minha relação com a tecnologia é boa, mas me considero um ignorante, no geral. Uso as coisas mais básicas que ela tem pra dar e fico satisfeito.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
É mais ou menos o que eu tinha falado antes sobre a terra. E a partir disso gosto de usar a palavra fértilao invés de criativo, que acho que foi muito banalizada, e fértil, além de ser mais bonita e significativa, parece ser blindada a essa banalização. Eu tô sempre lendo, num ciclo que aumenta e diminui a quantidade; cinema me inspira muito, tanto nas épocas de seca quanto nas férteis; sempre aproveito a oportunidade, quando tenho, de passar um tempo num sítio, na praia, em alguma cidade de interior; gosto muito de fazer trilha, apesar de não ter muita experiência — fazer o Caminho do Itupava, que é uma trilha que sai de Quatro Barras, cidade vizinha de Curitiba, cruza a mata atlântica e vai até o litoral, é uma das coisas que mais gosto e que mais me restaura (fico acabado por três dias, mas me limpa); gosto de ficar olhando o sabiá que vem roubar ração do gato ou comer uma fruta aqui na área de casa e ficar olhando a primavera crescer em cima do muro.
Priorizo cada vez mais a qualidade de tudo que absorvo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tenho me tornado mais disciplinado e tenho sido mais justo comigo. Acredito que só agora tenho certa propriedade e compreensão e clareza sobre o que faço e desejo fazer.
Me diria pra ter calma e ser menos cético e presunçoso. Que o estudo é longo e a vida mais ainda.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Em primeiro lugar, meu primeiro livro, que por enquanto tá com o nome de grãoluz e ainda tá na fase de pesquisa. Tenho alguns poucos poemas prontos pra ele e tô finalizando o argumento geral. Ainda vai tempo.
Antes, quero fazer uma plaquete chamada sosselloleminskisses, poemas-poema, poemas-conversa e poemas-crítica baseados na relação da obra do Sérgio Rubens Sossélla com a do Paulo Leminski, e, quem sabe, um estudo. A capa é um desenho dos dois se beijando.
Ainda inviável, mas quero traduzir “The waste land”, do T.S. Eliot.
Fora os filmes e vídeos. E músicas.
Eu gostaria de ler um livro que me tirasse a necessidade de ler os outros livros.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
No estágio inicial é meio misturado. Normalmente gosto mais de deixar fluir, até ficar mais palpável. É um momento bastante interessante, esse conflito. Logo depois (ou não), todo o processo e o material vão sendo estruturados. Coisa que aprendi depois de muito tempo fazendo de qualquer jeito – e que nunca dava certo –, que ainda tô aprendendo a lidar e que vem se aperfeiçoando conforme o tempo passa.
Acho que a frase mais fácil é a primeira, depois a última e, a mais difícil, a do meio – ou a segunda.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Desde que comecei a trabalhar nas minhas coisas, não lembro de ter algum momento em que tivesse só um projeto acontecendo. O que acontece é eu me dedicar mais a um, aí, pra dar um descanso desse, vou mexendo em outro – e assim vai indo; eu me dedicar a mais de um ao mesmo tempo, com “igualdade”, mas não gosto disso. Acontece muito, senão o que mais acontece, de ter vários projetos na cabeça que vão se mesclando, que depois ainda vão se mesclando a outros etc. É difícil eu ter alguma ideia “pura” concretizada.
Ultimamente meus horários têm variado bastante, então minha semana de trabalho acaba não sendo organizada.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Acho que não tenho nenhuma motivação em específico. A época gera o motivo. Eu sempre tive vontade de escrever e sempre tentei fazer alguma coisa, desde os meus 14 anos, mais ou menos. Mas comecei a me dedicar mais pro final de 2016, com 24 anos – talvez a época mais conturbada na minha vida (entre várias coisas, o Tom já crescia na barriga da Fer, a gente tinha acabado de fazer uma mudança meio inesperada de cidade, eu e ela desempregados e sem muita perspectiva). Pelo menos, o desemprego fez com que eu lesse mais que o costume – e isso ajudou bastante.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
É uma coisa que ainda faço, não me vejo ainda com um estilo definido. Ainda bem, porque vejo que é relativamente cedo pra isso (vendo pelo lado de que me dedico a isso há nem 4 anos). Me vejo ainda na fase dos estudos básicos. Falta eu conhecer muita coisa.
Vai muita da época, mas vários autores ficam (e eles oscilam em importância). Comecei a me direcionar (e daí comecei a me dedicar a escrever) quando li, um seguido do outro, Grande sertão: veredas, depois Catatau, do Leminski, e depois Ulisses.
O Leminski eu já conhecia pelo Toda poesia e me inspirou uns versos antes deu começar a escrever realmente. Hoje ele é meio que uma incógnita pra mim, apesar deu ainda amar o Catatau. Guimarães Rosa ouvia falar desde sempre, mas sabia praticamente nada. Hoje ainda persiste grande em mim. James Joyce me veio vindo cada vez mais em coisas que eu vinha lendo: fui ficando curioso. Hoje é o nome do gato do Tom e foi um dos primeiros nomes que ele “pronunciou”: Dê Dó, hoje Mame Joycinho (“bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuonnthunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthurnuk!” fez ele dar boas risadas – até hoje ele aponta na estante o Finnegans wake). Os três foram muito importantes nesse começo.
Do James Joyce me veio o Ezra Pound e é aí que me veio a salvação e o abismo. Ezra Pound me assombra e me ilumina. Vive me enchendo dumas boas porradas. Fica me olhando aqui, septuagenário, do lado da minha escrivaninha, ca cara fechada.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Poemas reunidos, do Alberto da Costa e Silva: o único livro que conheço dele, mas que fez dele um dos meus autores preferidos. A sensibilidade dele é pra poucos. O modo como trata da criança e do velho, como vê a criança no velho e o velho na criança, o pai no filho, o filho no pai, a vida na morte e vice-versa; a relação com o campo e suas personagens e objetos; e relação com o passado, a família e o cônjuge, específica e universal. Me emociona. Dá vontade de ficar com o livro aberto sempre. Sou inconformado com o pouco alcance que ele tem.
carvão :: capim, do Guilherme Gontijo Flores: outro livro extremamente ligado à natureza. Com as guerras. A vida e a morte como uma coisa só, mas não do jeito óbvio. A relação de um com o outro (o próximo e o distante) como uma coisa que nunca vai se dar como completa, porque não existe nada completo. Uma conversa banal é complexíssima.
O mal-estar na civilização, do Freud: essencial pra vida. Ele trata da culpa (esse o mal-estar), que nos diminui como seres. A não-tristeza (a fuga da tristeza) disfarçada de felicidade.