Graziela Barduco é atriz, diretora, arte-educadora e escritora, autora de “Na Rima da Menina” (Editora Versejar).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu não sigo muito uma rotina, meus dias, em geral, são bem conturbados e atribulados, mas de uma coisa não abro mão: o café. E é deste café que muitas vezes partem meus devaneios e inspirações, muitas vezes com fabulações interessantes, outras vezes com ideias não tão agradáveis, mas que ainda assim, vez ou outra, são registradas e acabam se tornando algo que depois de um tempo decido compartilhar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como eu concilio a atividade da escrita à outras atividades profissionais (sou atriz, diretora e arte-educadora) a meu ver, o melhor momento para escrever é sempre quando me surge uma brecha ou uma oportunidade para tanto, de forma que eu acabo por não ter um horário preferido, ou definido, para tal atividade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu costumo escrever um pouco todos os dias, bem como no decorrer de cada dia. Eu estou sempre recorrendo a este recurso no desenrolar do tempo.
Como meu foco principal é a poesia, eu escrevo desde muito pequena e a escrita sempre me foi como um refúgio e uma válvula de escape diante das dúvidas, anseios e tristezas do dia a dia, bem como ferramenta de reafirmação e memorização das boas conquistas no decorrer do meu caminhar. Acabou que a escrita se tornou parte de todos os meus processos de cura e o meu melhor artefato para o autoconhecimento.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Recentemente eu publiquei meu primeiro livro solo, o “Na Rima da Menina”, e ele é totalmente fruto do meu processo de pesquisa de mestrado. Inicialmente foram apenas poemas que iam me surgindo no decorrer de minha pesquisa os quais funcionavam como alívio do estresse, na medida em que, através destes eu conseguia adentrar com mais facilidade em um universo mais lúdico, que funcionou para mim como um recanto de acolhida, bem como dispositivo de força e encorajamento para seguir em frente nos momentos de maior dificuldade. Com o tempo, os poemas passaram a surgir tão desenfreadamente que passei a pensar seriamente em fazer uma bela triagem destes para assim publicá-los, inclusive porque havia mandado alguns para concursos, mostras e coletâneas, que foram muito bem recebidos, me incentivando cada vez mais a adentrar neste universo da literatura.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como eu encaro minha escrita como um mecanismo de alívio e desafogo, minha intenção primária é que este objetivo seja alcançado. Nem sempre o que se escreve é interessante para ser compartilhado com o outro, de modo que sou muito criteriosa na escolha do que publicar. Com isto em mente, parto do pressuposto de que não se é possível agradar a todos, bem como da ilusão de que, se o que eu escrevi foi verdadeiro o suficiente, bem como conseguiu denotar minha essência, a alguém ele deverá interessar. Com este pensamento, um tanto ousado, é que lanço minhas palavras por aí, e intuo que se não tivesse esta pitada de ousadia nele, jamais conseguiria compartilhá-las, tendo em vista o fato de que, em cada poema meu é como se eu me desnudasse por completo, deixando em evidência toda a minha fragilidade, por assim dizer.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu costumo revisar os meus textos várias e várias vezes e também em momentos diferentes. Mesmo assim, acredito que ficamos com a visão, digamos que “viciada” àquelas palavras, de modo a deixar escapar alguns erros e peculiaridades. Desta forma eu sempre peço ao meu marido, que é meu grande parceiro de vida e também dos mais diversos projetos profissionais, que os revise, e assim ele os faz com a maior paciência e boa vontade.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Antigamente eu escrevia em um caderninho de anotações ou agendinha com a qual andava na mochila. Depois, com o tempo, embora ainda ande com este artefato na bolsa, passei a substituí-lo pelo celular, com o qual me adaptei muito bem, inclusive na escrita de coisas maiores e mais complexas. Porém, eu o utilizo somente nesta fase inicial de uma escrita, enquanto esboço ou rascunho. Para o texto final eu costumo utilizar o laptop ou computador de mesa, inclusive para que eu tenha mais recursos de edição e, por conseguinte, mais segurança na revisão final.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu acredito que o hábito da leitura mantém nossa mente estimulada, instigada e capaz de lançar mão das mais diversas conexões, potencializando assim a aptidão da escrita. Ademais, no meu caso específico, as ideias vão surgindo a partir de tudo aquilo que está a minha volta e de tudo aquilo que eu vivencio. Não há algo em específico que desencadeie motes interessantes para a escrita de um poema, por exemplo, pois às vezes eles surgem a partir de elementos que eu jamais imaginaria que poderiam desembocar em uma escrita tão significativa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu acredito que a maturidade, bem como a ampliação de conhecimento advinda dos processos de pesquisas, leituras e estudos fizeram com que a minha escrita passasse a ser um pouco mais refinada, atenta e cuidadosa. Porém eu não diria nada a mim mesma se pudesse voltar no tempo e dar algum conselho, pois acredito que o fato de ir desbravando quase que sozinha este universo e cometendo os mais diversos erros, fizeram de mim quem hoje sou, ainda com inúmeras falhas, porém um ser humano em total processo de transformação, disposto a aprender dia a dia através dos percursos e percalços da vida, enfim, aberto às possibilidades de reformulação que o dia a dia nos oferece, porém sem nunca deixar perder minha essência.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Por enquanto sigo trabalhando na divulgação do “Na Rima da Menina”, meu livro de poesias que acabei de publicar. Há alguns novos projetos que acabaram advindo de processos anteriores de minha vida, processos estes que recentemente acabam de se concluir e que muito em breve poderão ser divulgados com mais detalhes, mas já posso adiantar que estão vinculados ao campo da música. Como também acabei de defender meu mestrado, novos projetos ligados à educação estão surgindo e estou olhando para tudo com muito cuidado e carinho e espero muito em breve poder divulgar mais acerca de cada desígnio desta nova etapa de minha vida. Sobre o livro que gostaria de ler e que ainda não existe, ou que pelo menos eu ainda não tenho conhecimento de sua existência, seria um livro no qual, ao ter cada página lida, esta se apaga e é reescrita, de modo que, ao voltar na página anterior, o leitor tenha a chance de um novo caminho na história, caso tenha o desejo de conhecer um novo curso da trama.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Normalmente procuro fazer um breve planejamento, sem tantos detalhes, daquilo que desejo realizar, a fim de nortear-me enquanto ponto de partida. Eu chego a vislumbrar um amplo detalhamento, etapa por etapa, daquilo que desejo fazer, porém, na maioria das vezes, tudo vai se alterando no decorrer da incumbência e quase sempre novos caminhos e possibilidades vão se desenhando, de modo que, estar aberta ao que me rodeia, tornou-se um estilo de vida que passei a adotar.
Eu acredito que finalizar um projeto é sempre mais difícil do que iniciá-lo, na medida em que fico sempre na dúvida se não há algo que possa ser aprimorado/aprofundado antes de sua conclusão.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Descobri, no decorrer dos anos, que minha maior alegria está em justamente desenvolver vários projetos ao mesmo tempo. Minha carreira está pautada pelo passeio por diferentes linguagens e nem sempre é possível abarcar todas elas em um único projeto, de modo que sinto a necessidade de passear por essa diversidade que me constitui enquanto artista e pessoa.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
A escrita veio para mim principalmente enquanto válvula de escape diante das dores, pesares, feridas, afrontes e dissabores da vida, bem como ferramenta de reforço e lembrança das alegrias, deleites, sonhos e conquistas que nos visitam no decorrer do nosso caminhar. Acredito que a poesia acabou se tornando um dos meus principais canais de expressão.
Eu escrevo desde muito pequena e por diversas vezes recorri ao refúgio da elaboração de poemas em momentos de intensa atribulação e grande vulnerabilidade. Porém, foi recentemente que me atrevi a lançar-me profissionalmente na literatura, ao decidir publicar, no ano passado, meu primeiro livro de poesias, o “Na Rima da Menina” (Editora Versejar), que inclusive acabou sendo um dos frutos de minha pesquisa de mestrado.
Como toda esta minha pesquisa gira em torno da cultura popular brasileira, resolvi publicar, agora no início deste ano, meu segundo livro de poesias, o “Lutei Contra 100 Leões – Todos os 100 Eram Jumentos” (Editora Feminas), que faz uma homenagem aos poetas, cantadores, romanceiros e repentistas da cultura popular brasileira, utilizando as formas e estruturas encontradas na poesia popular brasileira, porém fazendo uma espécie de ressignificação da mesma ao trazê-la para um contexto mais próximo do cotidiano urbano no qual estou inserida, bem como aproximando de um universo mais feminino, toda a temática nele abordada.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
A dificuldade foi mais no sentido de resistir e persistir, com unhas e dentes, e não deixar-me sucumbir ao desejo do outro querer moldar-me. E não foi fácil.
Meus grandes mestres e influenciadores são basicamente os poetas nordestinos, muitos deles já falecidos como Cego Aderaldo, Maria Firmina dos Reis, Leandro Gomes de Barros, Amélia de Freitas, Lourival Batista, Pinto do Monteiro e outros tantos ainda vivos como Severina Branca, Marco Haurélio, Braulio Tavares, Maria Godelivie, Jarid Arraes, enfim, é difícil elencar todos aqui, pois são muitas influências e uma gama enorme de poetas maravilhosos.
Eu tive a sorte de ter Antonio Nobrega como meu grande mestre e através dele conheci uma infinidade de grandes poetas, bem como, com ele, adquiri familiaridade com poesias magníficas, que me são, até hoje, uma inesgotável fonte de inspiração.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
O primeiro livro que me vem a cabeça é “Redemoinho em Dia Quente”, de Jarid Arraes, que li recentemente. É primoroso na medida em que dá voz a diversas personagens femininas, expondo e abordando temas pesados, por assim dizer, de modo a fazer, a meu ver, um belo e perfeito equilíbrio entre o caos e a calmaria. Ao entrarmos em contato com as respectivas personagens, é possível sentirmos, como que na alma, suas dores, temores, amores, alegrias e expectativas, de maneira a ficarmos quase que inebriados pela pura essência de cada uma delas.
Outro livro que me sinto impelida a recomendar é “Meu Livro de Cordel” de Cora Coralina, que por sinal também é uma poeta que muito me inspira e fascina, desde meus tempos de menina. Esta obra em questão, que só recentemente tive o desfrute de ler, faz um belíssimo passeio pela estruturação dos cordeis, como que honrando o amplo e extraordinário legado deixado pelos poetas nordestinos, pelos quais Cora Coralina também era apaixonada.
Por último e não menos importante, recomendo o livro “Feminismo em Comum: para Todas, Todes e Todos”, de Marcia Tiburi, obra que, do meu ponto de vista, considero extremamente substancial, na medida em que faz uma abordagem muito pertinente acerca do feminismo, incluindo um panorama histórico do mesmo, além de nos promover uma ampla reflexão sobre este enraizamento tão profundo da sociedade patriarcal com o qual lidamos dia a dia. Tudo isso com uma linguagem muito descomplicada e acessível, leitura esta que julgo, cada dia mais, necessária e urgente.