Graça Lopes é escritora-artesã e consultora em projetos linguísticos e artísticos.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente começo o dia me cuidando. Depois dou atenção à filha, ao gato e às plantas, acompanho um pouco de notícias de cá e de acolá. E vou à luta. Ou à celebração do momento.
Quando trabalho das 7h às 22h, acrescento um pouco de meditação à rotina.
Um projeto apaixonante, uma demanda urgente ou um sonho significativo também podem alterar a rotina. E, sendo assim, eu acordo escrevendo, rabiscando, esculpindo ou varo noites.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A qualidade de minha produção parece depender mais do tipo de trabalho, das condições, dos motivos, dos suportes, das parcerias, do tempo previsto, do ambiente e do meu interesse pelo tema.
Sim, tenho alguns rituais de preparação, mas quase nunca para a escrita. Nos ateliês, nas consultorias e nas vivências criativas com tintas, pedra, tecido ou argila, por exemplo, conto com trilhas sonoras e outras estratégias de sensibilização. Antes de começar a esculpir também sigo uma série de etapas preparativas específicas.
No entanto, apesar de eu amar a música, o canto dos passarinhos e certos barulhos, prefiro refletir e escrever sem som algum ao meu redor.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Todos os dias eu crio, nem que seja uma linha, um verso, um rabisco, uma aula, uma receita culinária ou até mesmo uma sementeira no nosso cantinho verde. Para mim, escrever/criar é uma necessidade vital, é o que me anima.
O problema é que, às vezes, acabo me sobrecarregando, principalmente quando não considero algumas atividades como “um trabalho”. E, então, já era! Corro o risco de ficar ligada em alta voltagem criativa por 24 horas seguidas, ou mais.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo criativo é caótico. Mas, se a tarefa me exige mais do que criatividade, eu crio etapas, pesquiso antes, durante e depois.
Na ficção e no flerte com outras artes, havendo ou não esboços e pesquisas preliminares, eu sinto que me movo mais espontaneamente.
Crio com facilidade. O que não significa que tudo o que produzo seja aproveitável.
Com a mesma potência que concebo um objeto estético ou um novo projeto, eu o rasgo, queimo, quebro, rejunto, volto mil vezes à estaca zero.
Costumo me definir como escritora-artesã justamente por crer que minhas experiências artísticas, profissionais e de vida constituem um tipo de artesanato.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Dependendo da materialidade, do suporte e do propósito, há no entremeio do processo criativo espaço para os vaivéns obsessivos, as pausas, a fixação e até para o abandono intempestivo. No fazer artístico eu me considero mediadora; a arte é Senhora, minha autonomia é relativa.
Costumo ignorar algumas vezes as travas discretas, aquelas que mais parecem ser preguiça. Acolho as travas mais significativas. Já levei décadas para concluir textos curtinhos; por outro lado, em pouco tempo concebi outros longuíssimos.
Para evitar procrastinar, eu me antecipo na ordenação do processo e dos propósitos, acionando o meu lado metódico. Há décadas utilizo e privilegio as agendas mensais.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Há textos que reviso mais, outros menos. Há os que parecem já ter nascidos prontos, e também aqueles descartados sem dó nem piedade.
Houve épocas em que eu mostrava tudo o que produzia. Depois passei décadas apenas produzindo, alucinada e solitariamente. Atualmente, busco o meio termo.
Quando surgem oportunidades, sou grata, exibo minha poesia, prosa e arte. Mas o meu atual momento é de mais serenidade.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre fui muito curiosa. Procuro fazer bom uso das máquinas em geral, sem me sentir prisioneira nem muito dependente de nenhuma delas.
Gosto de escrever em diferentes suportes: papel, computador, tela, argila, pedra…
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias podem surgir naturalmente, ser motivadas, cutucadas ou até mesmo puxadas pelos cornos.
Fazer arte é espreitar o belo, especular sentidos, consubstanciar assombros. Quando crio/escrevo vivencio sustos, recolhimentos, momentos de absurda entrega e evasões. Não é só encantamento.
Durante meu processo criativo, o texto/objeto estético parece uma coisa viva e nem sempre dócil ao trato. Por mais que ele se mostre belamente assentado na superfície, há desvios, vieses e abissais combates.
Como disse o nosso querido Drummond, e eu concordo, persiste-se em uma batalha vã: “Lutar com as palavras é a luta mais vã/Entanto lutamos/mal rompe a manhã”.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sempre suspeitei de que escrevo para me sentir viva. Então, o meu processo criativo, incluindo o da escrita, parece sempre marcado por uma urgência, a urgência de (re)constituir sentidos.
Sinto que a missão do artista, se há uma, é a de procurar ir além das representações dadas como definitivas ou fixas, ousar existir e criar nos campos do possível e do impossível.
Na escrita das pesquisas de mestrado e D.E.A eu me senti relativamente livre, tratei dos assuntos que queria. Se eu pudesse voltar àquela escrita da década de 1990, eu manteria integralmente o conteúdo da pesquisa, mas melhoraria e atualizaria a formatação do texto com a ajuda das recentes tecnologias.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Embora o que faço no momento me alegre, novos projetos sempre me tentam.
Há pouco tempo a 1ª coleção de meus poemas-esculturas foi objeto de uma exposição individual nos jardins do museu Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, no Espaço Cultural do Conjunto Nacional, e também estiveram na FLIP e na Bienal do Livro.
A exposição “Livro de Pedra: materialidades e dialogias poéticas” de 2017 e 2018 contou com a curadoria de Marco Polo Henriques e Valkíria Iacocca, e as fotos das esculturas e dos poemas estão no impresso “Poemas-Conversas”, publicado pela Giostri Editora, em 2017.
Prossigo com meus poemas-esculturas, as consultorias, a organização de trabalhos antigos e fazeres mais simples, o que, nestes tempos de tantos retrocessos na educação, na arte e na cultura, vem sendo uma tarefa de Sísifo.
Um livro que eu gostaria de ler e que talvez ainda não exista seria um trabalho robusto, honesto, sério e multidisciplinar sobre os índios: “Descobrimentos: versões de todas as tribos do mundo”.