Giselle Ribeiro é poeta, professora de Teoria Literária na UFPA.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nos últimos tempos a escrita poética tem me acordado. Meu despertador criativo age antes mesmo do despertador programado para a obrigação. Escrever tem sido quase um hábito matinal, que em nada se comunica com a obrigação. Ouço muito falar no processo criativo como coisa dolorida, esforço mental desgastante, quase um parto, dizem. Comigo, muitas vezes, escrever tem sido um espirro. Mas é claro que eu tenho meu tempo de ser poeta normal e entro para a escala dos que acreditam no esforço ou na luta com palavras. Não é o caso atual. Hoje eu diria que sou do tempo de Dali, Breton, Prévert, aqueles sujeitos dados à escrita automática e libertária. Hoje eu queria ser um deles. Amanhã pode ser que meu despertador criativo durma até mais tarde e eu me descubra uma Drummond, quem sabe?
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Às seis horas da manhã alguma poesia me acorda. E pensando bem, qual a desrazão de ser acordada bem em cima do número seis? “De acordo com a Numerologia Pitagórica, o número 6 é uma referência de grandes ideais. Ele está associado à justiça e a outras virtudes de equilíbrio. O seu bloqueio resulta num comportamento autoritário e crítico.” Prefiro nem brigar com esse despertador.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não escrevo quando quero. Não mando em mim. Não tenho meta, ritual, nada que me faça seguir em linha reta. A poesia não gosta que eu me governe, que me ache tão cheia de mim. A poesia me ensina a não ser demais. É assim, quando eu penso que o poema já está pronto, ela sopra outras palavras ou desordeia o que eu julgava ter concluído. Outras vezes eu me digo: “quando acordar vou escrever um poema”. O dia desponta, eu levanto, tomo banho, escovo os dentes, os cabelos. Faço o que todo mundo faz e o poema, nada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Algumas vezes é um espirro. Um empurrão para o abismo. Outras vezes é uma pesquisa, não muito longa, quando uma palavra me perturba querendo sair de outro jeito, acompanhada de novos graus de significados. Nessa hora eu me permito investigar o oráculo da avançada tecnologia, o Sr. Google, ou pego alguns livros de poemas, abro em qualquer página e delas arranco a primeira coisa que os olhos chamam para poemar. A palavra poética me chama para ser outras. Eu ouço e aceito o chamado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Cheguei no tempo de não querer mais medidas ou não mais ser atravancada pela burocracia. O tempo é o meu fôlego que determina. Feito essa entrevista que eu respondo aqui no meu ritmo, com direito a respirar um pouco mais devagar, tomar um café, ir até a sacada do apartamento, olhar a paisagem, medir altura, sentir o clima e depois voltar a te responder. Acho que eu não caibo em projetos burocráticos e pretendentes a relógio de pulso. Meu relógio é emocional, se o tic-tac dele me diz: dorme, eu durmo. Se ele diz: escreve, eu escrevo. Eu tive uma proposta aceita para a publicação de um novo livro de poemas, na verdade é um livro para crianças, mas também para adultos, a editora me convidou a burocraciar o acordo e eu desviei do convite. Nunca mais voltamos a falar no assunto. Quanto às expectativas, as boas e as ruins, dependendo de como elas são lançadas sobre a minha escrita, elas podem ou não contribuir. Quem determina é a própria poesia.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
1+1= 4. Sou péssima em matemática. Nunca faço essa conta. Às vezes vou pelo impulso e acabo mostrando logo aos amigos do facebook, mas às vezes eu ponho o poema de molho no balde com água, sabão e Q-boa para tirar as sujeiras mais resistentes, só depois eu mostro aos amigos ou inimigos. Nunca sabemos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou uma mulher retrô, mas também contemporânea. Ainda escrevo no papel com caneta ou lápis. Outras vezes no notebook, ou no celular mesmo. Não posso perder a energia do poema, sempre que a ligação é feita, eu preciso escrever para não perder. Se deixar para depois, haverá o abandono.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Essa é uma pergunta relativa. Algumas vezes vem de livros que leio. Algumas vezes de sonhos. Outras vezes do nada, quando o nada quer ser tudo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A liberdade. Reconhecer que poesia é libertação fez muita diferença no que escrevo hoje. Depois de ler algumas mulheres poetas, eu saí da caverna. Mas antes, eu já tinha passado por alguns homens poetas, fui amante do Jacques Prévert, do Manoel de Barros. Depois me peguei enamorando a escrita da Líria Porto. Tem outros nomes que preenchem a minha vida amorosa. Ler, para mim, é atravessar o desejo de escrever, por isso leio livros, coisas, bichos, gente e o ambiente como um todo a ser ressignificado. Hoje eu digo que esse é o caminho.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quando me vi leitora e escritora, depois de certo tempo, eu me vi Inventadora de Brinquedos Poéticos para incentivar o gosto pela leitura. São dias pensando em como retomar a cultura das brincadeiras de rua. O resultado são os brinquedos “Pula e acorda” (para arrancar poesia da memória), “Sabastião, o garrafeiro (esse brinquedo traz novamente à cena o moço que passava nas ruas recolhendo as garrafas de vidro em troca de moedas, desta vez ele aparece como um brinquedo de fazer rimas com o nome que temos. É um brinquedo que favorece o reconhecimento da nossa identidade e o respeito aos nossos nomes) e outras inventices minhas. Esse é um projeto que quero fazer circular o mundo dando oficinas de leitura e escrita automática, mas isso só depois do doutoramento em Estudos da Tradução que estou fazendo na UFSC.