Gisela Rodriguez é escritora, poeta, atriz e diretora de teatro.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu começo o meu dia tentando recordar dos meus sonhos. Às vezes a lembrança do sonho ocorre assim que acordamos, mas em outras, ela só aparece no decorrer do dia ou então nem vem; eu procuro relembrar ainda na cama e isso se tornou um hábito. Muitos dos meus sonhos eu transformo em literatura, assim como o Akira Kurosawa transformava seus sonhos em cenas de filmes. Quando não tenho compromisso, gosto de dar uma caminhada seguida de uma corrida, e depois comer algo e beber um café. Geralmente, durante a corrida, as resoluções para um impasse na minha escrita surgem “do nada”.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho muito bem pela manhã e a noite (as vezes até de madrugada); e é engraçado porque fico sempre na dúvida se durmo para escrever de manhã ou se fico acordada para escrever na noite. A fagulha inicial tem de acontecer na noite ou na madrugada. Para revisar o material já feito, a manhã é perfeita. Procuro escrever olhando para a rua. As tardes não são tão boas para mim, no sentido da escrita. Mas a verdade é que depois que início um processo criativo e me aprofundo nele, sabendo que aquele é o meu mote, a minha necessidade (neurose e prazer), eu consigo trabalhar em qualquer momento e em qualquer situação. Não tenho um ritual específico para trabalhar mas gosto de ter uma mesa grande onde todos os livros e materiais de pesquisa, referências e inspirações, estejam ali. Acho que posso chamar de ritual a minha necessidade de escrever ouvindo música. E dependendo do momento da história que narro, a música que escolho toca diversas vezes; chego a ouvir a mesma música umas cem vezes durante a construção de um romance. Mas há o rodízio das músicas, apesar das “escolhidas” serem ouvidas seguidamente até aquela “cena” ter terminado. Ouço rock clássico e atual, compositores e bandas nacionais antigas e atuais, jazz, música clássica e ópera.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Antes de iniciar uma prática diária de escrita, eu preciso encontrar o processo criativo da obra dentro de mim. Geralmente me dedico a escrever romances e livro de poemas. Não adoto nenhuma meta e fico numa espécie de limbo até conseguir definir o que desejo e como irei contar a história que decidi narrar. Depois que consigo definir o tema e o estilo desejado da narrativa, além de ter estruturado bem a personagem central, eu me organizo. A partir desse desencadear das ideias “certas” para a produção de um texto literário, dentro da minha concepção, a meta de escrita ressurge, e sempre da mesma forma: escrever no mínimo duas horas por dia mesmo sem vontade ou inspiração. Só que “onde” e “como” é que muda. Escrever todos os dias é uma prática que me imponho, porém, o que muda conforme a obra a ser realizada é: em que lugar vou escrever e qual será o meio? Por exemplo, dependendo do clima que desejo, eu posso definir escrever nas ruas e em algum lugar especifico dentro de casa, e isso é completamente aleatório. Posso também definir que aquele momento de criação pede um computador e/ou escrever em cadernos e blocos, ou ainda, na máquina de escrever antiga, etc. E aí vão surgindo as combinações: rua/caderno, sala de casa/computador, viagem/caderno, estúdio/máquina de escrever, ônibus/bloco de anotações, viagem/computador…
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Na verdade a pesquisa quase que acompanha o processo inteiro. Faço dois tipos: a primeira, que posso chamar de pesquisa de campo, é sobre o assunto que vou escrever e a forma narrativa que adotarei; e a segunda, chamarei de pesquisa contínua, que é um aprofundamento nos temas abordados dentro de um contexto atual, tentando absorver mudanças que porventura ocorram enquanto desenvolvo o texto, e também em como aqueles assuntos estão sendo abordados nas mídias tradicionais e alternativas. Mas sim, há um momento em que a pesquisa não é mais o ponto de partida, e então a escrita se torna independente de outras informações. Esse momento é muito bom porque as ideias fluem de forma mais visceral. Isso acontece quando estou satisfeita com as minhas escolhas. As vezes é algo tão estranho, que mistura racionalidade ao extremo com intuição, que nem sei explicar, mas sei quando acontece.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho receio de projetos longos, na verdade eles me agradam. Sempre digo que não sou boa com contos porque gosto de escrever romances. Na poesia, tenho a tendência de desenvolver “fases poéticas”, que versam sobre o mesmo tema. A procrastinação acontece comigo somente antes de eu definir exatamente o que desejo escrever.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Bem, aí entra a neurose. Tenho de confessar que reviso muito e detesto mostrar meus textos antes de publicá-los. Não compreendo bem esse sentimento.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma boa relação com a tecnologia. Escrevo no computador sem problema, mesmo que sejam os primeiros rascunhos de uma obra. Também tenho um blog de poemas e costumava escrever trechos literários nas mídias sociais; cansei um pouco mas não por causa dos meios tecnológicos, e sim porque essas mídias me parecem saturadas. Escrevo à mão também, simultaneamente com o computador. Eu sempre desenvolvo duas ou três vias de escrita, que acabam sendo reorganizadas num arquivo no computador. A diferença é que à escrita a mão é mais livre: não precisamos de bateria, tomadas, e também não temos acesso fácil à outras informações ou formas de pesquisa etc., o que nos deixa à deriva das mídias sociais, é maisroots. Mas o computador tem a vantagem da organização e armazenamento do material todo, e que no momento de pesquisa paralelo a criação é muito importante.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Elas surgem de várias formas e acho que sempre me habitaram. O mais difícil, acho, não é ter boas ideias, e sim concretizá-las. Mas posso dizer que as ideias, para mim, vêm através de aspectos culturais e humanos. Filmes, livros, seriados, cursos, palestras, são formas de aguçar minha mente; por outro lado, as ruas, as pessoas conhecidas e desconhecidas, as conversas que tenho com elas, é uma fonte de criação. A natureza é o terceiro elemento de inspiração. Talvez eu não tenha problema em ter inspiração porque me acostumei a dar vazão à ela. Tenho também um hábito que volta e meia me acomete: escrever na estrada, em deslocamentos, de uma cidade para outra ou de um país para outro.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meu processo se tornou mais crítico ao longo dos anos, porque de certa forma, me profissionalizei. Isso é bom por um lado, que seria o aperfeiçoamento da prática e a habilidade mais desenvolvida, mas ruim de outro, porque muitas vezes ficamos “viciados” nas tendências do mercado editorial, na necessidade de superação, na vontade de inovar. Se eu pudesse voltar à escrita dos primeiros anos eu não diria muita coisa… talvez um toque para dar uma revisada na gramática… Mas na escrita de hoje em dia sim, sempre lembro de dizer para mim mesma o que me movia à escrever na adolescência, porque é a essência da minha escrita, esse começo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acabei de iniciar um projeto que é a minha tese no doutorado em Escrita Criativa da PUCRS, um romance. Tudo na minha vida agora converge para ele, como tem de ser, para mim, uma criação literária, então nem consigo imaginar outro livro que não seja esse. Gostaria de ler um livro de alguém que nunca escreveu absolutamente nada de ficção, e que ao escrever esse livro, não tenha feito isso por vontade própria e sim porque alguém pediu. A vontade de escrever e o processo que esse “autor” desenvolvesse, seria algo peculiar e interessante, assim como o resultado, imagino.