Girotto Brito é escritor, professor, editor e designer, autor dos livros “Um olhar além do espelho”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou professor e editor, então geralmente inicio meus dias indo para a escola lecionar ou sentando em minha escrivaninha para trabalhar em livros de diversos autores nacionais. Tenho uma rotina bastante agitada entre a docência e a editoração, tocando projetos literários de vários tipos. É bem exaustivo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sinto-me mais confortável para escrever nas manhãs. É quando estou mais sereno, desanuviado. Faço um café ou um chá mate, sento em minha escrivaninha e começo a trabalhar um ou outro projeto. Sem música, gosto do silêncio. Por esse motivo, escrevo somente quando estou sozinho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já tentei estabelecer uma rotina diária de escrita, mas não funcionou. Não sou disciplinado o bastante para isso. Admiro quem consegue manter um ritmo periódico de escrita, mas sou bastante esporádico. Às vezes escrevo durante duas ou três semanas seguidas, diariamente. Depois passo semanas ou meses sem escrever. Não consigo dominar esse processo, por mais que me esforce.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Toda escrita inicia com a ideia em torno da qual a obra será desenvolvida. Tida a ideia, começo o processo de pesquisa e construção de ambientação, personagens e estilo. Tudo isso ainda em esboço. Somente quando tenho um projeto bem elaborado da obra é que inicio a escrita em si. Faço isso para evitar escrever aleatoriedades. Com o projeto em mãos, sei que caminhos trilhar, como os personagens deverão agir, quando e onde eles atuarão, quais métodos narrativos aplicar na história, entre outras coisas. Durante o processo de escrita, no entanto, outras ideias vão surgindo e vou incorporando no texto, com atenção para não prejudicar o corpo do projeto.
Quando escrevo poesia, todavia, o processo é outro, mais livre. Poemas são textos talvez mais complexos, precisam ser exatos como síntese textual. Precisam tocar, surpreender, revoltar, acender um chama em poucos versos. Quem escreve poesia não pode errar o tiro, precisa ser certeiro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Meu maior problema é a procrastinação. Vou deixando o texto para amanhã, para a semana que vem, para o próximo mês. Quando percebo que estou me afastando demais da escrita organizo um calendário de trabalho e me obrigo a escrever durante duas semanas ou três semanas para reatar os laços. O distanciamento nem sempre é ruim, às vezes é necessário para poder enxergar a história sob outra ótica, visualizar erros até então invisíveis. No entanto, é preciso estar atento. Afastar-se demais pode levar ao desânimo ou a desistência. Principalmente quando outras ideias vão surgindo e aquela em que se está trabalhando vai perdendo a relevância.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo revisar duas ou três vezes depois que o texto está finalizado. Depois mostro para alguns amigos de confiança na área da literatura que sempre me retornam com críticas construtivas, sugestões, às vezes elogios. Por fim, pago um revisor profissional para fazer os últimos ajustes no texto. Todo esse processo é muito importante e recomendo que todo escritor o faça. Muitas erros e vícios da escrita só são visíveis por agentes externos, para o autor passam despercebidos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou um escritor da nova geração, criado no meio tecnológico, por isso acho natural o uso da tecnologia no processo de escrita. Escrevo tudo em meu notebook, faço anotações diárias em um bloco de notas digital em meu celular, pesquiso muitas coisas na internet e procuro sempre estar atualizado quanto ao uso dessas ferramentas. Acho que a única tecnologia que não me adaptei bem nesse universo da literatura é o e-book. Publico meus livros também em e-book, mas não gosto de ler nele, prefiro o livro físico, acho mais gostosa a leitura.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm das experiências cotidianas. Tudo o que vivo, vejo, leio e ouço é material para os meus textos. Talvez eu não seja tão criativo —no sentido literal da palavra —, mas consigo desenvolver boas ideias a partir de experiências e projeções. Procuro construir histórias que possam induzir o leitor a questionar-se sobre o estado das coisas. Introduzo sutilmente conceitos filosóficos e psicológicos no enredo, levando o leitor a viver a história, alimentar-se dela e, posteriormente, aprender com ela.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com o tempo a gente vai adquirindo certa maturidade literária, conhecendo melhor o mercado editorial, aprendendo mais sobre a arte da escrita e se policiando ao perceber determinadas falhas. Talvez o que mais mudou nos últimos anos foi que eu percebi que a pressa em publicar prejudica o resultado. Eu fui muito afoito quando publiquei meus dois primeiros livros. Tinha pressa, queria vê-los logo no formato físico, alimentava grandes sonho em relação a eles. Ledo engano. Toda obra precisa ser amadurecida. Hoje lido com calma cada projeto. Escrevo, leio, releio, corrijo, reescrevo, releio, envio para amigos lerem, faço novas correções, envio para revisão profissional… Só publico quando realmente acho que o texto está a altura de ser lido pelo público.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Na verdade, o projeto que eu gostaria de fazer já foi iniciado, mas ainda vou levar um bom tempo para finalizá-lo. Estou escrevendo um romance futurista ambientado na região amazônica. O texto narrará a história de três personagens que vivem em uma sociedade pós-revolução econômica e tecnológica, onde um grande computador passou a gerir automaticamente todas as informações sociais (transações financeiras, históricos de saúde, dados educacionais, etc.). É uma ideia difícil de trabalhar, requer muita pesquisa e projeção do futuro, mas acredito que vale a pena. Em dois ou três anos pretendo terminar esse romance. Por enquanto, vou deixá-los com a curiosidade.