Giovana Damaceno é jornalista e escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Levanto tarde, faço sempre a mesma refeição no café da manhã e, depois de alimentada, começo a acordar. Meu motor cerebral demora a engrenar e somente há pouco tempo aprendi a lidar com isso. Preciso respeitar esse meu motorzinho, antes de exigir qualquer coisa dele. Depois desse despertar é que vou ver mensagens em celular ou conversar com alguém. Quem convive comigo também já aprendeu que antes do meu café não consigo raciocinar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Até hoje não consegui estabelecer uma rotina rígida, talvez porque, exceto meu despertar de manhã, rotina é algo que não tive competência para encaixar na minha vida. Sou bastante indisciplinada. De todo modo, sinto que trabalho melhor à noite. Durante o dia há muitas demandas em torno, que tomam minha atenção, por isso prefiro trabalhar, ler, estudar e pesquisar à noite.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Adoraria escrever todos os dias! Porém, a cabeça é muito dispersa e nem sempre consigo me organizar entre as demandas do dia a dia e o ofício da escrita.
A única atividade de escrita que faço todos os dias é anotar e anotar e anotar. Costumo apenas imaginar metas, sem pressão. Por exemplo: pretendo terminar tal conto em dois dias. Mas se não der, paciência. Em dois dias muita coisa pode acontecer e me impedir de concluir um trabalho, portanto, para não me corroer de frustração e acabar numa crise de ansiedade, não me pressiono. Tenho um livro sendo escrito há quatro anos; nos últimos 14 meses já perdi os arquivos duas vezes. Imagina…
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Pesquiso escrevendo. Escrevo pesquisando. E nunca começo pelo que se poderia chamar de começo. Meus contos, por exemplo, sempre inicio pelo fim.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não lido (rs). É uma assombração constante, que apenas tento ludibriar. Parece aquele fantasminha que fica no ombro esquerdo, dizendo baixinho no ouvido: “Não faz, deixa pra lá, você não vai ter competência pra isso, quem vai ler o que você escreve?, pra que tanto esforço?, vai fazer outra coisa…”. Dar um peteleco nesse fantasminha e sentar para trabalhar exige certa valentia.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso meus textos várias vezes, passo pelo leitor de voz do word, leio eu mesma em voz alta, uso buscador de palavras do editor para caçar e substituir palavras repetidas, passo um, dois, três dias atrás de uma palavra. E nunca fico satisfeita… rs.
Nem sempre é possível mostrar a alguém, mas gosto de ter opinião. Mesmo que me oponha à avaliação de quem lê, é proveitoso ouvir. Afinal, é um leitor me dizendo o que entendeu, se curtiu ou não. O que faço é tentar digerir muito bem o que escuto, se valem a pena modificações, porque muitas vezes quem lê espera algo que seja de seu gosto pessoal e, por isso, não compreende o sentido do que está no texto. É preciso levar tudo em consideração. Em alguns casos, peço que “leia sem colocar suas preferências na frente dos óculos, por favor”.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma infinidade de cadernos! Adoro escrever à mão. Minha criatividade aflora de forma leve e natural, como se a caneta se movesse sozinha. Já tentei diversas vezes esse exercício no notebook, mas pelo menos para iniciar um texto, construir uma ideia, desenhar um projeto, preciso fazê-lo à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm da vida real, do cotidiano, das pessoas com quem me relaciono ou conheço pelas ruas. Tenho formação jornalística, comecei no ofício da escrita escrevendo crônicas e ainda creio que a arte imita a vida. Há muito da nossa realidade a ser levado para a literatura. Histórias simples, baseadas em pessoas simples, podem se transformar em narrativas preciosas, porque as pessoas e as vidas das pessoas são preciosas. A diferença está no saber contar essas histórias, usar as ideias pinçadas da realidade no lugar certo da ficção. Estou aprendendo ainda, mas é por aí que eu vou.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Penso que deve ocorrer – e não só comigo – um amadurecimento natural na construção do texto, na escolha dos temas, conforme o tempo passa. São mais livros lidos, mais experiências vividas, mais exercícios diários. Quando releio meus dois primeiros livros, que são coletâneas de crônicas, sinto certo constrangimento, mas logo me perdoo. Aqueles textos refletiam o que eu poderia ser naquela fase. Posso ser diferente hoje, e daqui a uns anos estarei me perdoando, novamente, caso me constranjam os meus textos de agora, porque refletem o que sou e sei agora. A vida não dá saltos e para mim é fundamental trabalhar com essa realidade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O meu primeiro romance está desenhado na cabeça e no papel e quero muito escrevê-lo. Porém, preciso terminar o livro jornalístico do qual falei. Perdi novamente uma significativa parte dos arquivos no fim do ano e estou tomando coragem para recomeçar. O romance vai esperar mais um pouco.
Não há um livro específico que gostaria de ler, mas quero muito ver as mulheres escritoras ocupando o mesmo espaço na literatura que os homens historicamente ocupam. Há muita gente importante no mercado editorial que nega o déficit de mulheres na literatura – tanto autoras, como personagens -, em relação aos homens, mas existe pesquisa séria da professora Regina Dalcatagnè, da UnB, que comprova essa falha. Recomendo a leitura.