Giordano Andriola é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o meu dia pensado na finitude do tempo. É bom que o dia tenha hora para começar e para terminar. A minha rotina matinal depende muito do fatídico e imprescindível vínculo empregatício. No mais, acordo cedo, dou uma bela mijada, olho para o espelho e indago se deveria escovar os dentes antes ou depois de tomar banho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sinto que a minha escrita precisa estar dividida com alguma atividade dissonante. Algo que em nada tenha a ver com literatura. Não consigo me imaginar como a maioria dos escritores que exercem o ofício da escrita no conforto de seus ócios. Necessito de um trabalho com carteira assinada, preciso bater ponto, manter-me ocupado das 8h às 18h, preencher minha mente com planilhas e sistemas de gestão. Os melhores rompantes literários surgem ali mesmo, dentro de uma sala fria, diferentes vozes esgueirando-se no ambiente, tolas obrigações, os dias riscados no calendário, a atenção se dividindo entre textos e números avulsos no Excel. Não tenho essa disciplina monástica dos escritores profissionais. Não sigo rituais de preparação nem faço vodu. Escrevo quando quero, quando acho oportuno, quando o mundo lá fora se esgota.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Creio que escrever não é um programa de treinamento funcional, que requer metas diárias, períodos concentrados. Tem mais a ver com um ímpeto, seja ele de sexo ou violência. Seja ele de ódio ou silêncio. Escrever tem a ver com a minha disposição em sentar de frente ao computador e, simplesmente, me ocupar por algumas horas. Sem dia marcado no calendário, sem cronogramas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Geralmente, quando vou escrever já sei o que quero transpor para o texto. Não há um processo, compilação de notas ou pesquisa. A minha escrita acontece a partir da história que eu quero contar. Claro, no meio disso tudo tem as leituras, as vivências e as experiências cotidianas. Preciso estar sempre em conexão com a minha realidade, sentir o dissabor do mundo, saber que nossas podridões se completam. Preciso ter a cidade como uma aliada infiel, preciso andar por aí falando sozinho enquanto meus olhos contemplam o pandemônio de concreto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido bem com a procrastinação, pois minha escrita não tem compromisso algum com grilhões temporais. Se há prazo, ele é respeitado. Se não há, menos forçoso é o processo de escrita. Diante da escrita, procuro me desvencilhar do tempo passivo. Esse tempo ditado pelo ritmo do relógio, que marcha para a morte. Costumo ter controle sobre aquilo que vou escrever. Não deixo que o tempo incida sobre minhas excitações. Se digo que vou escrever um conto agora, o faço. Não há entraves. Tenho a memória como cúmplice. Acho que sou um psicopata funcional.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Após escrever um texto, eu sigo apenas o ritual de leitura desapressada do mesmo. Não caio na paranoia revisional. Não costumo executar mudanças nos meus textos. Tudo aquilo que é dito, jamais merece ser alterado. Costumo publicar algumas coisas no Facebook, vez ou outra. Trechos, contos curtos, textos experimentais. Gosto de usar a rede social como exercício literário. Acredito que é uma boa forma de saber como o público lida com o caráter da escrita.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou um cara totalmente afeito à tecnologia. Escrever à mão só se for para assinar notas promissórias. Escrevo sempre no computador, do princípio ao fim dos meus textos. Acho que ainda há uma onda nostálgica por parte de alguns, que saem de casa com cadernetas para escrever sobre o que veem e o que sentem. Há até aqueles que têm insights no meio da rua, no ônibus, na cabine de um banheiro público e precisam ter papel e caneta por perto para transcrever suas iluminações instantâneas, como se fossem médiuns rebeldes. No fundo, não passa de veleidade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A grande maioria das minhas ideias provém de minha loucura taciturna. Das minhas tensões, desatinos, excitações. Dos danos irreparáveis, dos instantes irreversíveis. Das leituras, das observações. Acredito que as ideias – pelo menos as minhas – também vêm dos desejos reprimidos, aqueles que nos fazem adoecer, como se fossem germes altamente resistentes. Não acredito na criatividade que seja presa fácil da inércia. O único hábito que conservo para manter-me criando é viver. Não existe hábito mais vazio e pertinaz que manter-se vivo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Havia uma fúria mais afoita em meus primeiros textos. Como se houvesse uma ânsia em ser selvagem, como se houvesse uma absurda sede em ser cruel. Não acho que isso tenha mudado tanto, mas de um tempo pra cá, talvez tenha caído em certas delongas no meio do caminho e isso é inaceitável. Eu só acredito na escrita violenta, que mata, que esfola, que esquarteja, que empala. A literatura existe porque sair por aí distribuindo tiros dá cadeia.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não sou um cara de ficar projetando as coisas. Gosto de ser levado à ação. No momento, posso citar a revista Chorume! como um bom exemplo de algo pensado, coletivamente, e posto em prática. Isso se deve à boa vontade de um grupo de autores – além de mim, Marcelo Adifa, Luciano Portela, Samuel Malentacchi, Bruno Sanctus e Astier Basílio – comprometidos com a literatura em seu aspecto mais liberto. Gostaria de ler um livro de memórias escrito pela Suzane von Richthofen ou pela Elize Matsunaga.