Gessyka Santos é poeta, potiguar e produtora cultural.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Desde que a quarentena começou, só há dois meses que consegui voltar a ter uma rotina real. No começo estava muito difícil ter ânimo e manter ritmo de qualquer atividade diária. Atualmente, minha rotina resume-se a acordar cedo e passar um bom café, é impossível começar o dia sem ele. Então, tenho tentado me exercitar – sempre acompanhada de uma boa playlist – e depois vou para o computador organizar todas as obrigações da faculdade e os projetos que estou envolvida, o que inclui a minha divulgação pessoal enquanto artista.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre achei que só rendia durante a noite, gosto da sua calmaria, mas ando percebendo que consigo render muito bem durante o dia também. Talvez dependa muito do que tenho que fazer no horário e meu rendimento é afetado com isso. Pra falar a verdade, não tenho um ritual específico de preparação para escrever, eu tento ver poesia no meu dia e sempre surgem ideias ou frases, ou imagens. Eu tento passear por elas durante minutos, horas, algumas até por dias, fico pensando em como organizá-las, quais os lugares certos. Costumo buscar diversas referências imagéticas, palavras que possam casar com o que quero dizer. Gosto de experimentar possibilidades. Por vezes acontece de vir o poema inteiro logo de cara, então vou trabalhando em cima dele, transfigurando o próprio texto e criando outros versos e poemas a partir desses exercícios; é quase como uma metamorfose, entende? As vezes recorto palavras, eu gosto de brincar com textos não poéticos e buscar lirismo nas palavras que não se propõem a isso, então tudo fica meio que fluído e sem muitas amarradas, sabe?
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não costumo escrever todos os dias, mas creio que também não é a minha vibe esse lance de períodos concentrados. Penso que depende muito de quão aberta estou para criar. Eu não me forço a escrever todos os dias, nem a escrever quando não estou realmente disposta a fazê-lo, prefiro me alimentar de coisas poéticas diariamente e esperar que essa soma de deglutição seja digerida. Em algum momento algo novo surge a partir dessas afetações externas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como disse anteriormente, meu processo de escrita varia muito. Às vezes passo semanas com um poema; já tive poema que comecei, parei e retomei meses depois e já construí o poema inteiro de uma vez só. Acho que cada poema sabe o que quer e a gente só tem que ouvi-lo. Alguns vão exigir mais de você, mais pesquisa e mais buscas. Às vezes você ainda não está pronta para terminá-lo ou até começá-lo. Penso muito no tempo formando o poema.
Nesse período de maturação, eu faço algumas pesquisas, busco referências e procuro palavras que expressem exatamente o que quero dizer e assim vou construindo o texto e buscando sempre entender quando ele terminou ou não. Acho mais difícil terminar um poema do que começar, já tive poemas que empurrei muita coisa e depois vi que ele havia acabado no terceiro verso e encher linguiça só fez ele perde o ritmo, a forma. Às vezes isso cansa o leitor. Tento sempre entender o limite do texto. Será que o que eu queria dizer já foi dito? Se a resposta for sim, eu paro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Olha, antes eu me cobrava muito pra escrever, me sentia mal e até me questionava se eu era realmente uma poeta. Hoje tento ser mais gentil comigo. É importante compreender que às vezes a gente simplesmente seca e que precisamos de pausas, do nosso tempo, para voltar a fazer aquilo que nos propomos. E não adianta, chega uma hora que a água acaba e se você ficar tentando tirar algo de um poço vazio, a probabilidade de encontrar lama ali é gigante. O medo de não corresponder as expectativas é quase um monstrinho que fica ali nas suas costas e vez ou outra sussurra seus absurdos. Eu me cobro muito e, consequentemente, fico insegura sobre se o que estou fazendo é de fato bom. Mas tento não dar muito ouvidos a isso e tenho pessoas incríveis ao meu lado que incentivam e ajudam em todo esse processo, pessoas muito importantes que puxam minha orelha quando necessário.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Anos! Acho que perdi a conta de quantas vezes li os poemas presentes em meu primeiro livro, Autópsia. Eu li tanto antes de publicá-lo que chegou um tempo que já não aguentava mais o ler. De fato, eu tento ler muito, em silêncio, em voz alta, gosto de sentir o ritmo, como as palavras soam e se elas dançam juntas no mesmo compasso. Mas eu raramente faço isso só, sempre tenho pessoas incríveis ao meu lado que ajudam nesse processo inteiro. Gonzaga Neto, poeta autor de Hipérbole, sempre tá comigo lendo tudo umas trinta vezes e dizendo pra repetir mais outras vinte. Às vezes a gente perde fins de semana inteiros fazendo isso lá em casa. Tira isso, bota isso, e se mudássemos essa forma? É incrível como a gente entende até onde o outro pode ir e se incentiva diariamente. Também tem Guilherme Henrique, um amigo, professor e escritor maravilhoso, autor da novela A Imagem do Cão, ele sempre traz boas reflexões a respeito daquilo que escrevo. Além, é claro, de sempre tá indicando novas leituras e novas abordagens. Admiro demais o trabalho desses meninos gigantes. Basicamente é isto, meus textos sempre passam pelo crivo dos dois.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A maioria de meus textos começam no celular, é o que tenho mais próximo, mas tenho cadernos onde busco sempre escrever os poemas. Já perdi muitos textos, frases soltas, rabiscos de pensamentos que poderiam se esbarrar em poemas, após quebrar o celular, ou perder, ou ser roubada; então tento manter também no caderno.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm das vivências, das janelas de ônibus, das conversas no ponto, das músicas, das leituras, elas vêm de todo canto. Às vezes, nem sei de onde. É impossível não ser afetada por aquilo que atravessa nossos dias, ainda que de forma sutil. Também tenho o hábito de consumir arte diariamente. Ilustrações, poemas, músicas, contos, crônicas; busco sempre estar perto disso tudo. O Instagram facilita demais essa aproximação com grandes artistas ao redor do mundo e é isso que tento fazer, ser bombardeada com trabalhos incríveis. Uma hora, uma dessas me atravessa de jeito e vira poesia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
No começo eu achava que poesia era noventa por cento inspiração, eu escrevia um poema e não mexia mais nada. Sabe psicografia? Quase isso. Pra mim, o poema era o que ele era. O que eu tava sentindo e ponto. Quanto mais você tá inserida nesse meio, mais vê que não é bem assim. É preciso transpirar muito, a inspiração é apenas o gatilho. Escrever poesia dá um trabalho danado e precisei compreender isso para ir, gradualmente, amadurecendo e melhorando minha escrita. E, claro, esse processo é contínuo e nunca para. O que eu diria a mim? Paciência, deixe um pouco os poemas no varal e depois volta a ler. Ouça o que eles têm a dizer e, por favor, não se cobre tanto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eita! Muita coisa. Minha cabeça raramente tá em paz quanto a isso e ainda tenho muitos projetos engavetados gritando para sair. Mas acho o podcast seja algo que me tire da zona de conforte. Na verdade, ele não está tão longe de virar realidade, é o projeto que mais estou com vontade de fazer, sabe? Juntar poesia e meu estado vai ser uma coisa linda demais, poder mostrar pro mundo as vozes desses poetas potiguares é necessário e urgente. Sobre os livros que ainda não existem e que quero ler? Bom, o livro de contos de Guilherme Henrique, os de poesia de Gleisson Nascimento e Gonzaga Neto. Ah, sem sombra de dúvidas, ler todos os livros que ainda serão publicados por Eveline Sin e Letícia Torres.