Germano André Doederlein Schwartz é professor dos Cursos de Mestrado em Direito da FMU e do Unilasalle.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O dia começa bastante cedo. Durmo pouco. Invejo quem dorme muitas horas. É um dos meus grandes objetivos de vida. Não sou uma pessoa da noite. Claro, também não durmo cedo, mas o fato é que a noite e a madrugada são os turnos em que menos rendo e servem, ao menos para mim, como uma válvula de escape do restante do dia. De qualquer sorte, tão logo acordo, o que faço de modo imediato é checar minha agenda. Feito isso, é tomar banho, pois não consigo iniciar o dia sem me duchar. Logo após é hora de escrever a página do dia. Depois, é checar os e-mails e me dirigir para a universidade. “Ganho” o dia antes de chegar no local de trabalho. Daí é simples. É só trabalhar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã. Para escrever, de modo mais específico, das 5h às 7h. Não tenho ritual algum para a escrita. Aliás, talvez um que se possa dizer é que quanto mais, digamos assim, complicado o tema da escrita, maior o volume da música – necessariamente rock and roll – em meus fones de ouvido. Concentração máxima somente com música idem. O silêncio me dispersa e faz minha mente divagar. Adoro ambientes conturbados para escrever. Ele me mantém tranquilo, um efeito, acredito, de ter sido criado em uma família bastante numerosa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo uma página por dia. Todos os dias. Sigo o conselho do Saramago. Não importa, para mim, se o que eu escrevi é bom ou é ruim. Fiz curso de datilografia. Gosto do ritmo de teclar. Acalma-me. Como não estou à procura do Santo Graal acadêmico, não sofro para escrever. Dessa maneira, como lembra Saramago, no final do ano eu tenho 365 páginas. Daí é separar o joio do trigo e enviar o melhor material para análise e eventual publicação.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Uma outra meta que tenho é a de ler um paper por dia, excetuando-se sábados e domingos, o que se tornou extremamente fácil com os repositórios virtuais e com as revistas online. Normalmente eu mantenho esse objetivo. Depois da leitura, separo os papers por assuntos conexos à minha pesquisa, mais ou menos na linha do fichário Luhmann. No final do ano eu li, por baixo, 200 artigos científicos. Tenho sempre algum livro comigo também. Os locais de sua leitura variam. Não acho difícil começar a escrever se eu tenho a ideia e o sumário. De fato, o sumário é o que mais me toma tempo, uma vez que jamais inicio a escrita sem tê-lo finalizado. Com ele, o sumário, em mãos, eu tenho uma ideia clara do que desejo provar. Como isso está sempre atrelado a um projeto de pesquisa, o que eu escrevo é ditado pelo projeto e pela medida em que ele vai se desenrolando.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tentarei responder aos vários questionamentos de modo compartimentado. Assim:
- Não tenho nenhuma trava com a escrita. Nunca tive. Ajuda-me meu espírito germânico, refletido em meu próprio nome. É só trabalho, frase que costumo repetir – e que os irrita demais – para meus orientandos e pares, incluídos, aí, minha esposa, uma pesquisadora de escol. Trabalho é trabalho. Tem de ser realizado. Ponto. Mais, a escrita, sinto dizer, desde o modo como eu a vejo e a exercito, é transpiração. Nada de inspiração. Simples assim. A página diária ajuda, em muito, nessa postura.
- Também não tenho medo de não corresponder às expectativas, já que, naturalmente, não me coloco essa pressão. Aliás, meu autor preferido, Luhmann, afirmava que a única certeza da vida é que suas expectativas serão frustradas. Logo, não se trata de uma probabilidade. Eu certamente não corresponderei às expectativas lançadas sobre mim. Como já referido anteriormente, sou bastante tranquilo com o fato de que na academia o brilhantismo intelectual é, usando Bourdieu, parte de um campo que pode, a qualquer momento, mudar a partir de seus vários atores. De minha parte, minha satisfação é saber que eu fiz honestamente o meu trabalho, seguindo o método científico. Quem não gostar, tudo bem. É parte da academia. Sou bastante aberto a críticas. Elas contribuem demais com a maturidade do pesquisador.
- Da mesma maneira, projetos longos não me perturbam. Basta fatiá-los no tempo e executá-los tempestivamente. Eu prefiro, pessoalmente, projetos de maior do que os de menor duração.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Apenas uma vez, logo após a correção de português, invariavelmente realizada por minha sogra, Maria Helena. Não envio nada a ela que eu não pense ter algum valor. Faço o filtro antes.
Infelizmente eu não tenho o costume de enviar meus textos para algum colega dar opiniões antes da publicação. Uma falha, pois é uma prática que melhora indubitavelmente os trabalhos acadêmicos. O que acabo por fazer é dialogar muito, nos grupos de pesquisa ou em congressos, a respeito dos temas de minha pesquisa. Meus artigos são sempre testados desse modo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faço tudo diretamente no computador. Gosto muito das tecnologias. Proporcionaram uma facilidade tremenda para a produção intelectual. Somente quem, como eu, foi datilógrafo e viveu no tempo das máquinas de escrever, sabe do que estou falando. Mas eu confesso que não consigo usar aquelas ferramentas de ditar e o word escrever. Como disse antes, gosto do som das teclas, do ritmo, das palavras surgindo na cabeça e descendo mecanicamente pelos meus dedos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sinto desapontar. Não sou nada criativo. Esta aí uma característica que passa longe de mim. Faço o mesmo caminho de carro para qualquer lugar durante toda a minha vida, por exemplo. Minhas ideias vêm de perguntas e as perguntas vêm do debate em grupos de pesquisa e discussões acadêmicas em congressos via apresentação de trabalhos. É trabalho duro e diligente, no final das contas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Mudei nada e nada mudaria. Continuo a escrever da mesma forma. Fui muito feliz na época da escrita da minha tese. Como dizem os americanos, foi “the time of my life”. A universidade, a Unisinos, estava naqueles períodos raros de ideias fervilhando e de possibilidades mis. Bons colegas e professores fantásticos, em especial meu sempre orientador, o Leonel Rocha. Conheci minha esposa naquele período. Não faria nada de diferente. Ao contrário, possível fosse uma viagem pelo tempo, ajustaria no painel, como uma das paradas obrigatórias, aquela época. Seria sensacional.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Desde que entrei na academia eu sou gestor acadêmico. Um livro que eu sempre prometi fazer será o de contar os “causos” que testemunhei. Escreverei isso juntando depoimentos de outros gestores. Mas farei isso somente depois de me aposentar, pois imagino que criarei muitos inimigos. De qualquer sorte, pode apostar, seria muito engraçado. Sabe aquele bate papo de sala dos professores contando o que se passa diariamente? É por aí…