Geraldo Lavigne de Lemos é poeta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Além de escritor, sou também advogado. A minha rotina de segunda a sexta costuma atender aos chamados da advocacia. Começo o dia para ir ao escritório, passo manhã e tarde por lá, às vezes um pedaço da noite também. A escrita segue imbricada na rotina, amalgamada em tudo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A escrita costuma fluir melhor à noite, até o início da madrugada, salvo casos menos frequentes em outros horários. No labor da escrita, não tenho ritual específico, mas silêncio e estar sozinho são importantes para transcrever o poema a partir do sentimento. É uma forma de tradução e, para isso, preciso de tranquilidade e concentração. Enquanto o movimento produz a poesia, na calmaria produzo o poema.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sem meta diária, escrevo conforme sinto. Alguns períodos são de vivência e a poesia vai surgir bem depois, quando os fatos já passaram pelo processo de catarse. Outras vezes, no entanto, o impacto da realidade é tão forte que a poesia está ali, crua. Então acredito que em uma escala entre escrita diária e períodos concentrados, estou mais próximo dos períodos concentrados. Acumulo sensações, imagens e reflexões. Depois escrevo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A poesia, por fazer parte de tudo, aponta em determinados momentos como quem reclama pelo direito daquilo que é vivo. Quando a poesia se apresenta assim, diante dos olhos, corro a anotar cada detalhe. Depois, com calma, e no dia em que me sinto preparado, sento para finalizar o poema, sem dispensar as revisões futuras. Outras vezes, mais incomuns, sinto a necessidade de escrever sobre um determinado assunto, e daí penso nele por dias ou meses, até que a poesia entre em gestação. Assim como no caso anterior, no dia em que me sinto preparado, sento para escrever o poema, sem dispensar as revisões futuras.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu levo as travas da escrita com resignação, assim como as temporadas sem escrever. Sei que algo virá, da forma que seja, pois a escrita é a minha principal e mais genuína forma de expressão. Eu preciso dela. Eu sempre vou recorrer a ela. Não costumo procrastinar. Pelo contrário, preciso conter a pressa, na maioria das vezes. Tudo isso dentro de uma vontade pulsante que não me faz temer projetos, mas desejá-los. Gosto de escrever, do texto pronto e publicado. Gosto de ver a mensagem circular. A vida existe nesse diálogo e nesse diálogo transformamos a vida.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Alguns textos recebem inúmeras revisões e, ao cabo, continuo a ter dúvidas. Caminho com a dualidade em diversos campos de minha vida. Com a escrita não é diferente. Isso põe incerteza no texto final, desde meros detalhes de pontuação até estrofes inteiras a desconsiderar. Com vistas à concisão, o corte e a análise removem os excessos. Tento afastar as incertezas com a leitura crítica e objetiva. Geralmente dá certo. Nesse ínterim, o poema passa pelo olhar de pessoas próximas, familiares e amigos. Na literatura, como no diálogo, saber ouvir e ser entendido é essencial. O poema, enquanto canal, deve transmitir adequadamente a mensagem. Ouvir outras pessoas contribui para a modulação dos efeitos da mensagem e serve de aprendizado para o apuro técnico da escrita. Passado nos testes, o poema segue para publicação, o que não o eximirá de revisões futuras.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Comecei com rascunhos à mão e máquina de escrever. Havia uma sensação de que a arte precisava desse método. Parecia-me uma forma de elaboração artesanal ou o trabalho de um escultor, ver o poema gravado letra a letra. Precisei digitalizar o conteúdo para publicar os livros e inseri minha literatura na tecnologia. Hoje uso essencialmente o computador. Uso celular e papel para anotações. Não vejo motivos para deixar de lado as facilidades do mundo digital: apagar erros, mover conteúdos, visualizar edições. A maioria dos meus poemas recentes veio ao mundo sem um risco num papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias decorrem de reflexões sobre os eventos do cotidiano. Cultivo a capacidade de me manter sensível, mas, com diz a queridíssima amiga Baísa Nora, isso é uma faca de dois gumes. Olhar as coisas com o sentimento e com a razão pode machucar o coração e o cérebro. Nos momentos pouco palatáveis, a cegueira é uma vantagem para a saúde. Destarte, quando noto estar diante de um momento poético, permaneço vulnerável e deixo as sensações me trespassarem. No demais momentos, busco ser cético, para proteger-me das hostilidades do mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O processo de escrita teve pouca mudança nos últimos anos. Ocorreu o amadurecimento pessoal, o aprendizado, o acúmulo de leituras e experiências, o conhecimento de regras gramaticais e poéticas. Isso, sim, mudou o resultado de minha poesia. Aos meus anos iniciais, diria que continue lendo, esteja atento e escreva sempre.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho dois projetos em mente: uma narrativa poética e um livro de prosa. Os dois estão encalhados. De todo modo, a literatura segue com outros projetos em andamento. Quanto à leitura, como tenho fortes relações com o tempo presente, gostaria de ler as poesias da próxima década. Não há nada mais atual do que o futuro próximo.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
O início de um novo projeto costuma decorrer de um planejamento prévio, de uma ideia que confere unidade ao trabalho e cria uma linha guia. Depois costumo deixar fluir as adaptações necessárias, que frequentemente ocorrem. Concluir o poema ou o projeto é sempre a parte mais difícil. É preciso ser claro, passar a mensagem pretendida, eliminar interpretações indesejadas, cuidar da técnica utilizada. Isso demanda esforço e inúmeras releituras.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu organizo a minha semana de trabalho dividindo-a entre o exercício da advocacia e o desenvolvimento dos projetos literários. Não que eu prefira, mas, em geral, tenho vários projetos acontecendo ao mesmo tempo. Acho que isso é natural dentro da produção intelectual, pois reagimos aos diversos estímulos que a vida provoca. Entre tais projetos, há aquele que vai ser priorizado para finalização, enquanto os demais terão seu tempo certo.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
A minha principal motivação é dialogar com outras pessoas e com o tempo presente. Refletir sobre o estar no mundo é fundamental para ensejar a melhoria da vida. Seja sob o viés contemplativo ou crítico, o poema detém a capacidade de instigar o pensamento e seu o efeito transformador. Decidi me dedicar à escrita em 2004, quando tinha 17 anos, como resultado da necessidade de expressão e diálogo. Ainda hoje esses são fundamentos da minha escrita e utilizo o poema como ferramenta para alcançar pontos da sensibilidade inalcançáveis pelo discurso objetivo.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Desenvolver um estilo próprio é estar atento a si. Olhar para si é difícil, demora e custa. Reconhecer aquilo que compõe o próprio estilo leva tempo também porque é um processo de amadurecimento da escrita, de reler trabalhos antigos, saber o que permanece e o que deixou de integrar sua personalidade. Desse modo, o estilo próprio não surge nas primeiras letras, mas sedimenta-se em uma vida dedicada à literatura. Sim, fui mais influenciado por João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Cora Carolina, Hilda Hilst, Manoel de Barros, Ferreira Gullar e por meu pai, já falecido, porém com extensa obra inédita.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Recomendarei três livros que li recentemente e que muito me agradaram:
Cerração, de Alexei Bueno; Na Veia da Palavra, de Lia Sena; e Inventário do Caos, de André Luiz Rosa Ribeiro.