Geovanna Ferreira é publicitária e escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho mais de um emprego e por isso minha rotina é uma correria. Meu dia de trabalho começa às 7 da manhã, logo acordo bem cedo e tenho tempo apenas para amanhecer e me preparar para sair de casa. Infelizmente não consigo escrever de manhã, é o período mais tumultuado do meu dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sei que sou uma pessoa noturna. Mas é engraçado, muita luz e som à noite me deixa incomodada. Então a noite funciona para mim somente se estiver quieta e propícia, segundos meus padrões. Para mim nada mais convidativo e acolhedor que um local em paz onde eu possa escrever das 21h às 1 da matina. Escrever no escuro, guiada pela luz do notebook é algo que me concentra, por mais que possa parecer bizarro. Não tenho grandes rituais, mas quando estou em casa gosto de arrumar o quarto, tomar um banho, deixar as coisas relativamente em ordem antes de começar. Sou caótica, bagunçada, para render em certas atividades preciso buscar alguma ordem.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Estou sempre escrevendo algo, seja um conto, uma novela, ou planejando alguma história. Mas para falar a verdade escrevo mais quando meto a cara em algum projeto, quando foco num período concentrado. Sou muito impulsiva, às vezes alguma situação me desconcentra e perco o fôlego com a história, já abandonei vários projetos por causa disso, então tento escrever o máximo que puder, e assim aproveitar o embalo. Para 2019 quero escrever todos os dias, à noite, nem que seja 1 ou 2 páginas. Acho que a constância pode tornar-me mais produtiva.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tudo começa com a ideia. Ela vem e geralmente me toma, consigo pensar só nela. Cada elemento da narrativa flutua na minha cabeça, e é uma incógnita. Só descanso quando a resolvo. Talvez seja coisa de publicitária. Depois, adiciono corpo aos personagens, ao enredo, tento fortalecer o que havia cogitado antes, planejo capítulos em detalhes, racionalizo ao máximo a arte. Costumo dizer que a escrita para mim é uma arquitetura. Tem um pouco de ciência exata, um certo calculismo, e por outro lado, é arte. Preciso sentir intensamente uma história antes de escrevê-la. Processo dúbio, metódico e caótico, mas que funciona para mim. Passo um período imersa nas pesquisas, até cansar. Quando sinto que já estou bem alimentada pelas referências, escrevo. Até continuo a pesquisar, de forma secundária, mas foco a partir daí é mesmo na escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Parar de escrever por pouco tempo até que não me aflige. Agora meses e anos longe de um projeto me deixa culpada e desesperada. Por essas e outras tento me concentrar ao máximo, e escrever o quanto posso quando começo algo. Prazos me atordoam, mas estimulam a escrever de uma vez, sem enrolar. É aquilo de ou escreve ou escreve. Quanto ao medo de não corresponder às expectativas ele sempre existe, mas não é algo que venha de fora, sou meu pior crítico. Espero muito de mim. Estou sempre buscando minha verdade, até onde posso chegar. Estudo, leio outros autores, escrevo e me esforço para atingir um nível em que eu fique totalmente satisfeita. Ainda chegarei lá.
A ansiedade acompanha cada projeto novo, porém divido elementos da narrativa em tópicos, e conforme escrevo, fico atenta, vou anotando o que já foi feito e o que ainda falta fazer.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o quanto achar necessário, geralmente 3 ou 4 vezes, e acho importante não prolongar muito esse processo. Meu primeiro livro, iniciado em 2014, ainda não está finalizado, pois abandonei, voltei, estou sempre retomando. De lá pra cá eu mudei radicalmente, não sou mais a pessoa que iniciou a história, e isso se reflete na revisão, é um problema. Por isso, atualmente procuro não enrolar para escrever e revisar. Costumo mostrar meus textos a alguns amigos sinceros, mas ainda esse mês contratei uma colega escritora que muito admiro para revisar um texto meu e a experiência de conhecer o olhar de outra pessoa sobre meu trabalho foi muito produtiva.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faço parte de uma geração que cresceu com a tecnologia e não vive sem ela, logo convivo de maneira natural com computadores e etc. Costumo escrever no Word, todavia as ideias me encontram nos lugares e momentos mais aleatórios, então muitas vezes recorro ao bloco de notas do celular para anotar ideias. Principalmente quando penso em um novo conto, abro o aplicativo, escrevo uma ou outra palavra, e salvo. Em algumas ocasiões esquematizo minhas histórias em cadernos, mas o grosso da escrita é feito no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias são inconstantes e comuns na minha rotina. Aparecem quando estou lavando louças, numa reunião do trabalho, enquanto leio uma crítica de livro e em muitas outras situações. Um momento, algo na rua, alguém que passa e já sou lançada para dentro do meu tumultuado processo criativo. A inspiração não é algo exatamente difícil para mim. Ela me visita com frequência. Fui uma criança sonhadora, dada a romantizar a vida, que inventava histórias para tataravôs sobre os quais ainda nada sei. Até hoje acho o passado uma fonte inesgotável de inspiração. Assim como a literatura. Ela por si só é universo inspirador. A música também me aflora. Tenho uma relação muito próxima com ela desde a infância, e principalmente a mpb me leva longe, conta-me histórias. Há períodos em que estou mais ou menos criativa, mas o imaginar é algo de minha natureza.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
No começo, aos 17 anos, eu era muito “verde” escrevendo. Ousava pouco na escrita, era um bocado engessada no estilo, nos enredos. Com o tempo experimentei leituras, conheci autores que adoro até hoje, e isso refletiu nos meus textos. Eu aconselharia a Geovanna de antes a ler mais, pois a leitura ensina muito. Ler autores como Jorge Amado, Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa foi determinante para mim, como escritora. Observar como os outros fazem, no que acertam ou erram me ajuda em muitos aspectos da vida. A observação me norteia, ajuda a refletir sobre quem sou eu como escritora, sobre como escrevo. Literatura é uma emoção muito forte em mim, mas também é uma análise sem fim de detalhes, ritmo, narrativa, personagens e etc.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sou cheia de projetos! Há algo na melancolia, na solidão, na tristeza, que une todos os seres humanos, algo honesto e bonito que desde sempre me fascina, ainda mais na literatura. O último livro do tipo que li foi Ópera dos mortos, de Autran Dourado. Reli a obra e percebi também a partir dele a conexão que tenho com o interior do país. Quero escrever sobre o interior, sobre o amor, loucura, dor, solidão que vivem nesse interior sofrido e poético do país. Essa “ interioridade “ é algo muito enraizada em mim, talvez porquê nasci e cresci no triângulo mineiro. Espero em breve escrever um romance de realismo mágico, ou talvez uma obra com cunho mais regionalista, ou quem sabe talvez vá escrever uma saga familiar ambientada numa cidadezinha de Minas. O que é certo é minha paixão pelo interior: das pessoas e do Brasil. É sobre isso que quero sempre escrever.