Georgina Martins é doutora em literatura brasileira, especialista em teoria e crítica da literatura infantil e juvenil.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa com minhas leituras de notícias, lendo jornais online para ver o que está acontecendo no país, nesses tempos em que temos surpresas desagradáveis a cada minuto. Vejo o zap e o face também, já que uso ambos para trabalhar e militar na política. Tomo café, escrevo um pouco, cuido do almoço e saio para dar conta da vida funcional fora de casa. Também cuido das minhas três gatas, já que os filhos estão crescidos e não carecem de muitos cuidados.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã sempre rendo mais, no entanto, não tenho hora para escrever, não sou uma pessoa disciplinada e metódica. Meus rituais de escrita incluem sair, entrar em uma livraria, pedir café e água e começar a escrever, ou em casa, colocar uma xícara de café ao lado do pc e me cercar de livros. Os livros me inspiram a escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não, não tenho meta diária de escrita, não consigo ter. Sou geminiana e os geminianos não são metódicos. Tento escrever um pouco todos os dias, mas nem sempre consigo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende muito do texto que estou escrevendo. Quando requer pesquisa, faço tudo ao mesmo tempo: pesquiso e escrevo. Agora, mesmo não requerendo pesquisa, só consigo escrever com muitos livros por perto. Se é difícil começar? Acho que sim, acho que todo mundo tem essa dificuldade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acrescento à sua lista, o medo de morrer, nessas horas penso que não posso perder tempo, que tenho de produzir, produzir, produzir porque posso morrer a qualquer minuto, mesmo tendo certeza de que vou viver até os duzentos anos (risos). Quanto à ansiedade em trabalhar em projetos longos, depois que a gente envelhece isso melhora muito, pois mesmo com medo de morrer, eu consigo domar a ansiedade e vejo que nada é pra já. Mas também a fluoxetina me ajudou bastante, hoje tomo outro remédio, o Velija.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes, muitas mesmo, até demais. Mostro sempre, pros meus filhos e pros amigos mais chegados.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Apesar de amar Caneta, lápis e papel, escrevo direto no pc, pois é muito mais prático, principalmente para revisar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm da vida: minha e dos outros; dos livros que leio, do cotidiano; de frases que ouço nas ruas, dos filmes que assisto. Para me sentir criativa, preciso ler, ir ao cinema, ao teatro, aos bares, encontrar pessoas, e dar aulas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Bem, logo que comecei a escrever eu tinha um mestre que lia tudo e comentava, que era o meu marido, mas quando ele morreu, fiquei meio sem chão nesse quesito e custei a voltar a escrever. Ele era um homem brilhante, u grande leitor e eu tinha muita confiança na sua avaliação estética. Hoje penso que meu modo de escrever e a minha escrita mudaram porque amadureci, envelheci e por isso tenho mais bagagem do que antes. Meus temas ainda são os mesmos, mas acho que hoje tenho mais calma, mais tranquilidade.
O que eu diria para mim se pudesse voltar no tempo dos primeiros textos? Olhe, você precisa voltar a se concentrar como fazia antes, precisa ter mais garra, mais vontade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Viajar pelo Brasil para ter contatos com outras realidades e escrever sobre isso. Viajar pelo mundo também.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Depende muito, há projetos que são planejados e outros que surgem de supetão, mas de todo modo, tanto um quanto outro são sempre muito trabalhados.
Quanto ao que é mais difícil para mim, acho que é escrever a primeira frase. Começar é sempre muito mais complicado.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Em geral prefiro ter apenas um de cada vez, mas acontece de ter mais de um ao mesmo tempo. Não tenho um planejamento semanal, sou meio caótica para escrever.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Em primeiro lugar um desejo intenso e onipotente de mudar o mundo, depois, a vontade de conversar com as pessoas por meio das minhas histórias, e também por vaidade pessoal. Decidi me dedicar à escrita quando fiz 40 anos, época em que achei que minha escrita estava mais madura.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Fui muito influenciada pelos textos de Graciliano Ramos e pelos infantis de Clarice Lispector, eu acho.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Ave do Paraíso, publicado pela Palavras. Para mim é um livro muito especial, pois é a história de vida de minha mãe. A narradora viveu no interior do Estado do Rio, durante a Segunda Guerra Mundial. Gosto muito da voz literária dela.
O menino que brincava de ser, publicado pela DCL. Um livro sobre o desejo: um menino que sempre se identificou com o universo feminino e que desejava ser menina. Esse livro foi publicado no ano 2000, tempo em que praticamente nenhum autor no Brasil tocava nesse assunto com crianças. Gosto muito dele pela ousadia e delicadeza.
O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria, publicado pela DCL. Meu primeiro livro. Uma releitura do clássico dos irmãos Grimm à luz da infância abandonada do Brasil. O livro aborda a desigualdade social, a violência à infância, a fome, tudo isso de forma literária, delicada, na medida do possível.