George Marmelstein Lima é juiz federal, doutor em direito pela Universidade de Coimbra.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O período da manhã, para mim, é o momento de máxima produtividade e criatividade. Corresponde àquilo que Sam Carpenter chamaria de biological prime time. Por isso, procuro maximizar esse momento com alguns hábitos mais saudáveis.
Costumo acordar 6:00 da manhã para fazer uma hora de exercício físico (corrida, natação ou musculação), hábito que adquiri depois que voltei do doutorado em Coimbra, em 2012, pesando mais de cem quilos e com todos os índices de saúde alterados. Desde então, procuro praticar atividades físicas e seguir uma alimentação mais equilibrada, o que tem gerado também uma melhora considerável em minha disposição para produzir.
Depois do exercício, quando não tenho que ministrar aulas, dedico o período da manhã para estudo, pesquisa e escrita em regime de deep work, para usar a expressão de Cal Newport. Ou seja, procuro o máximo de foco e o mínimo de distração possíveis.
Quando estou em regime de deep work, costumo usar uma variação pessoal do método Pomodoro, intercalando momentos de concentração intensa, com alguns intervalos de descanso de cerca de quinze a vinte minutos.
Ao contrário do método Pomodoro tradicional, não uso cronômetros para controlar o tempo. Para mim, o controle rigoroso e cronometrado do tempo prejudica o processo criativo, pois às vezes consigo manter a concentração por muito mais de 25 minutos e qualquer interrupção tem o potencial de quebrar a linha de pensamento. Além disso, criar pressões artificiais pode gerar um ambiente de escassez temporal desnecessária capaz de afetar negativamente o raciocínio. Por isso, passo para a fase de descanso assim que começo a perceber que estou perdendo o foco, sem levar em conta o tempo transcorrido. Com a prática, adquiri a capacidade de perceber quando o cérebro precisa de uma pausa independentemente de cronômetros.
Uma orientação que procuro seguir é tratar o momento de intervalo do deep work como um momento de, efetivamente, recarregar as energias mentais. Por isso, mesmo sendo um momento livre, procuro evitar qualquer tipo de atividade que gere algum esforço cognitivo. Mesmo atividades mais leves como ler notícias, Facebook, Instagram, WhatsApp, videogame etc podem gerar distrações e dificultar a plena recuperação das energias mentais. O melhor é apenas beber um copo de água, caminhar um pouco, brincar com os filhos, tomar um banho ou relaxar. Depois, quando percebo que a mente está renovada, tento voltar com força total para o regime de imersão.
Em geral, esse processo ocupa cerca de duas a três horas pela manhã a depender da necessidade ou da disposição. Não é um período dedicado exclusivamente ao processo de escrita propriamente dito, mas a qualquer tarefa que exija criatividade, concentração e raciocínio intensos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O período da manhã, como já disse, é meu horário nobre. Mas talvez seja importante alongar a resposta até para que se entenda melhor o meu ritual de preparação para a escrita.
Procuro organizar o meu processo criativo em função de três estados mentais que variam conforme o nível de concentração:
(a) um modo de imersão ou foco total, livre de distrações (deep work);
(b) um modo de foco parcial, realizado sem muito planejamento, com algumas distrações e possivelmente em modo multitask (shallow work);
(c) um modo difuso ou inconsciente, que funciona enquanto quando estou fazendo outras atividades (tomando banho, dirigindo, dormindo, correndo etc.), mas o cérebro continua fazendo conexões inconscientes para solucionar os problemas que tenho em mente (difuse mode – termo de Barbara Oakley).
Cada um desses estados mentais tem uma função diferente.
Reservo o deep work para as atividades complexas, que exigem um alto grau de concentração, como o ato de escrever propriamente dito ou de compreensão de conteúdo mais denso.
Porém, como a energia mental, a força de vontade e a atenção são recursos esgotáveis, é muito difícil manter um regime de deep work por mais de quatro horas por dia. Chega um momento em que é preciso sair do estado de alta concentração até como forma de recuperar toda a potência mental e reiniciar o ciclo no dia seguinte.
Por isso, realizo algumas atividades mais simples em regime de shallow work, um pouco mais relaxado e desfocado. Eis algumas atividades relacionadas à escrita que se inserem neste modelo: pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, organização e seleção de material, formatação de textos, planejamento de rotinas e metas, consulta a alguns textos mais fáceis ou a palestras on-line etc. Para essas atividades que não exigem um alto nível de intensidade cognitiva, não é preciso se desconectar do mundo, nem entrar em um estado de imersão. É possível, inclusive, fazer várias dessas tarefas ao mesmo tempo. Só é preciso ter consciência de que esse modo de trabalhar é menos produtivo e não funciona para atividades que exigem um alto esforço cognitivo. Usar o modo de shallow work para o processo de escrita propriamente dito não passa de pseudo-trabalho contraproducente, pois a intensidade do foco utilizado naquela atividade será baixa e incapaz de gerar algum resultado positivo.
Para além do deep work e do shallow work, há outro modo de trabalho que é uma etapa essencial do meu processo criativo: o modo difuso. É um estado mental difícil de compreender, pois atua fora do radar da consciência. Para perceber como ele funciona, basta ter em mente que a atividade cerebral não cessa nem mesmo quando se está em repouso ou realizando uma atividade cognitiva simples, como dirigir, tomar banho ou caminhar. Em outras palavras: mesmo quando não estamos pensando de forma consciente, o cérebro continua produzindo conexões neurais e dessas conexões podem surgir novas ideias.
Antes de conhecer a teoria por trás desse fato, eu já sabia, por experiência pessoal, que as melhores ideias e soluções costumam surgir quando não estou pensando deliberadamente no problema.
Hoje, sabendo que isso não é meramente folclore, pois há toda uma base empírica que comprova esse fenômeno, tento aproveitar ao máximo essa capacidade cerebral de produzir ideias de modo inconsciente com algumas medidas bem simples. Por exemplo, sempre que estou diante de um problema de difícil solução, tento pensar nele um pouco antes de dormir. Com muita frequência, a solução surge no meio da madrugada ou logo assim que acordo. Além disso, tento estar sempre preparado para registrar a ideia quando ela surge, mesmo em situações inusitadas, como por exemplo durante o ato de dirigir, durante uma corrida ou durante um passeio com a minha cadela. Em geral, gravo as ideias que surgem usando o gravador do celular, junto com o aplicativo Evernote, que funciona em nuvem e tem um sistema de indexação fácil de usar. O ideal é realizar a gravação o mais rápido possível para não esquecer a informação, nem ocupar a mente com uma preocupação a mais. Na primeira oportunidade, transcrevo as ideias para as minhas notas para serem futuramente aproveitadas no texto propriamente dito.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Essa resposta depende de muitos fatores, mas vou simplificar, lembrando que a minha produção diária envolve também a atividade judicante.
Se estou decidindo um caso mais fácil, redijo a sentença logo após a leitura dos autos, em regime de deep work. Se for um caso de difícil solução, cuja resposta não surge de modo imediato após a leitura dos autos, fico ruminando o problema por alguns dias, realizando algumas pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais se necessário, até chegar a uma solução satisfatória. Depois, redijo a sentença em regime de deep work. A meta varia de 1 a 3 sentenças diárias a depender da complexidade do caso.
Os textos para o blog são escritos quando surgem ideias que acho que merecem ser compartilhadas com um público mais amplo. Geralmente, essas ideias surgem no modo difuso. Depois que elas vêem à mente, passo algumas horas pensando em como desenvolvê-las e, em seguida, escrevo o post no regime de deep work. Um post de cerca de três páginas pode levar de duas a três horas para ser concluído, sem levar em conta as horas de maturação das ideias.
Obviamente, não tenho nenhuma meta de produção para o blog. Costumava escrever um post a cada quinze dias, mas esse número diminuiu depois que passei a ser cobrado a aumentar a minha publicação acadêmica em fontes mais “sérias” para valorizar o programa de pós-graduação em que leciono (Curso de Mestrado em Direito Privado da UNI7). Hoje, tenho evitado publicar textos no blog em primeira mão para não afetar o ineditismo do eventual artigo a ser escrito sobre o tema, pois esse critério costuma ser pré-requisito para a publicação nas revistas mais conceituadas pela CAPES.
O processo de escrever artigos é um pouco mais difícil, sobretudo pela necessidade de observar os rigores metodológicos, a artificialidade da linguagem e a formatação técnica. Na próxima resposta, vou explicar como os escrevo. Aqui vou apenas dizer que a minha meta tem sido escrever dois a três artigos de boa qualidade por ano.
Evito ao máximo estabelecer prazos fatais ou metas rígidas de produtividade, pois acredito que esse tipo de pressão diminui a qualidade do trabalho. Prefiro trabalhar mais naturalmente, dentro do meu próprio ritmo.
Para mim, o processo de escrever não é um momento de angústia ou de tortura psicológica. É algo que faço com prazer. Escrevo bem quando tenho vontade de escrever. A imposição de prazos fatais ou metas diárias pode destruir essa espontaneidade.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita sempre começa com um problema que me empolga e que me leva a acreditar que o esforço e a dedicação de pesquisá-lo vão valer a pena.
Com um problema em mente, faço uma pesquisa preliminar para saber o que há de interessante na internet sobre aquele tema.
De dois anos para cá, uma das minhas fontes favoritas de pesquisa nessa fase preliminar são aulas (lectures) e palestras (talks) de pensadores estrangeiros disponibilizadas on-line. Em geral, são professores que estão na linha de frente da pesquisa naquela área e, portanto, as apresentações costumam ser de alto nível.
Se eu perceber que o tema é verdadeiramente promissor, passo ao levantamento bibliográfico para saber o que há escrito de interessante sobre o tema. Já desenvolvi um checklist de bases de dados, nacionais e estrangeiras, a serem consultadas nesta fase de levantamento bibliográfico.
Depois de levantar o material bibliográfico e obter os textos propriamente ditos, faço um cronograma provisório e inicio a leitura dos principais textos. Em geral, costumo começar pelos textos mais citados ou pelos autores mais respeitados. O Google Scholar pode ser útil para descobrir esses textos de referência, pois indica o número de citações e a relevância dos textos mencionados.
Na medida em que vou me familiarizando com o debate específico que existe em relação àquele problema, reorganizo a minha lista de leitura para incorporar as obras importantes citadas pelos autores que já li.
A leitura do material mais denso é feita em regime de deep work, com três técnicas específicas de anotação: (a) marcação de frases e palavras-chaves no próprio texto, usando símbolos para indicar a relevância daquela marcação ou comentários paralelos escritos à mão, (b) mapeamento sintetizado das ideias e argumentos centrais contidos no texto, geralmente anotados no Evernote ou por meio de organogramas, sketchnotes e mapas mentais escritos à mão e (c) gravação, ao final da leitura de cada capítulo ou artigo, de um resumo falado, com minhas próprias palavras, daquilo que extraí de relevante do texto, sempre tentando indicar o número da página em que as principais ideias estão para facilitar uma eventual citação.
Se eu perceber que já existe algum texto satisfatório em português na mesma linha do que eu pretendia escrever, nem me dou ao trabalho de continuar a pesquisa. Considero o problema resolvido. No máximo, faço um post recomendando a leitura do texto. Se eu considerar que há algo que ainda vale a pena ser dito, passo para a produção propriamente dita.
Em geral, começo a escrever quando tenho um domínio básico sobre o tema. Não faço uma separação rígida entre o ato de escrever e o de pesquisar, pois acredito que a escrita pode funcionar como um estímulo para pesquisa e vice-versa. Em função disso, continuo lendo o material relevante mesmo durante o processo de escrita, além de, obviamente, consultar constantemente as anotações dos textos já lidos.
Quando estou produzindo textos mais longos (artigos e capítulos de livros, principalmente), costumo criar mapas mentais, sketchnotes e organogramas para organizar as ideias antes de começar a escrever. Primeiro, faço o esboço à mão para ter um quadro geral de como deveria ser a estrutura do texto. Depois, passo o mapa mental para o computador usando o XMind, pois, embora seja mais rápido e simples montar o mapa mental em uma folha de papel, é mais fácil reorganizar os tópicos no computador.
Quase sempre, as ramificações do mapa mental correspondem à provável estrutura do trabalho, que será o ponto de partida do processo de escrita propriamente dito. Todos os meus textos em desenvolvimento já estão, desde o início, previamente formatados com o título e o sumário. Isso possibilita que eu tenha uma visão panorâmica do trabalho e me habilita a adiantar ideias que possam surgir em relação a algum tópico mais avançado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tirando um período de “ressaca pós-tese”, em que fiquei quase dois anos sem produzir nenhum texto acadêmico, nunca tive graves bloqueios de escrita, até porque a atividade judicante me obriga a estar cotidianamente redigindo sentenças e decisões. Além disso, como costumo escolher como objeto de pesquisa tópicos que me empolgam, raramente estou desmotivado.
Mas é claro que há momentos de preguiça mental em que a vontade de produzir qualquer texto acadêmico é mínima.
Para esses momentos, desenvolvi uma técnica que tem funcionado nos últimos quatro anos.
Tenho uma lista de “ideias para projetos futuros”, que nada mais é do que um conjunto de insights que me vêm à mente de modo difuso e que deixo registrado para, eventualmente, algum dia escrever sobre eles. Há um pouco de tudo, de ideias mais simples e banais às mais absurdas e complexas. Algumas dessas ideias se transformam em artigos acadêmicos de modo espontâneo. Outras podem eventualmente se transformar em artigos “na marra”, usando a técnica que passarei a descrever.
Sempre que recebo um convite para palestrar, indico como tema uma dessas “ideias para projeto futuro”, mesmo que eu ainda não tenha escrito o correspondente artigo jurídico. Com a data marcada, começo a pensar no problema, a organizar a estrutura e o formato da palestra e a me aprofundar mais sobre o tema. Faço mapas mentais, organogramas, slides para auxiliar a apresentação. Às vezes, ensaio a palestra em sala de aula, com meus alunos, para obter algum feedback e visualizar com mais clareza a melhor forma de apresentar as ideias. Em alguns casos, repito esse ciclo mais de uma vez, tentando em cada palestra melhorar a apresentação. Depois de duas ou três apresentações, o artigo já surge quase automaticamente. Muitos textos que escrevi foram escritos dentro de um avião ou em aeroportos, viajando em função de palestras, usando esta técnica em particular.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão, para mim, é a parte mais importante do processo de escrita. Ela não ocorre apenas depois que o texto está finalizado. É um processo constante que realizo toda vez que trabalho no texto. Sem exagero, acredito que 80% do tempo que utilizo para produzir um texto são dedicados ao processo de releitura e de revisão. Essa constante releitura não tem por objetivo apenas encontrar erros, mas principalmente melhorar o estilo e clarear as ideias.
Na verdade, a primeira versão do texto costuma sair da minha cabeça para o papel de um modo relativamente rápido. Neste primeiro momento, procuro usar a linguagem mais espontânea possível, usando palavras bem coloquiais, às vezes até usando gírias e expressões descontraídas, sem me preocupar com nenhum tipo de constrangimento. É quase como se fosse uma conversa de botequim entre mim e o meu leitor imaginário. Depois que escrevo a versão bruta, vou aprimorando artesanalmente o texto, substituindo as passagens excessivamente vulgares e informais por outras palavras mais elegantes e condizentes com um trabalho acadêmico. Ou seja, tento deixar que as ideias fluam livremente da minha cabeça para o papel, mas costumo ser extremamente rigoroso no momento de lapidar o texto.
Esse processo de lapidação é repetido várias e várias vezes. Antes de começar a escrever um determinado tópico, sempre leio o tópico imediatamente anterior. Isso facilita o processo de concatenação das ideias e, ao mesmo tempo, cria mais uma chance para corrigir eventuais vícios gramaticais, de linguagem e de estilo. Às vezes, vou além e leio tudo na íntegra antes de dar o passo seguinte. E nesse processo de releitura o texto frequentemente é modificado, com a reformulação de frases, substituição de palavras ou supressão e acréscimo de conteúdo.
Depois que estou razoavelmente satisfeito com o produto final, leio o texto em voz alta e, mais uma vez, faço a devida lapidação. Às vezes, uso a técnica de ler o texto de trás para frente para encontrar eventuais erros gramaticais. Em seguida, submeto o texto a alguns alunos e amigos para críticas e sugestões.
No passado, eu costumava usar o blog como balão de ensaio, apresentando ali os meus textos em primeira mão. O feedback sempre era valioso e, com frequência, os posts eram alterados em função dos debates. Hoje, tenho evitado essa prática para não afetar o ineditismo do texto.
Há cerca de dois anos, tentei usar o sistema do site Academia.edu, que possibilita um debate prévio de textos antes de serem publicados, mas os resultados foram pífios, apesar de muitas pessoas terem baixado o arquivo. Por isso, hoje, na prática, só tenho divulgado meus textos antes de publicá-los para amigos e alunos, o que é uma pena, pois o debate prévio é sempre enriquecedor. Espero, no futuro, encontrar uma fórmula mais eficiente para permitir que o texto seja debatido antes de ser publicado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou profundamente envolvido com a tecnologia e procuro aproveitar ao máximo os benefícios que a tecnologia pode proporcionar para a vida acadêmica, inclusive para a produção de textos. A única exceção talvez ainda sejam os livros: prefiro livros em papel a livros digitais.
No processo de escrita propriamente dito, só escrevo à mão os primeiros rascunhos do mapa mental ou do organograma que servirá de base para a estruturação do trabalho. Depois disso, é tudo diretamente no computador.
Todos os meus projetos acadêmicos, pessoais e profissionais são organizados por um aplicativo chamado Trello. Há vários quadros que construí no Trello especificamente para a gestão de meus projetos acadêmicos. Por exemplo, há um quadro muito importante em que organizo meus textos em elaboração. Nesse quadro, há colunas para “ideias para projetos futuros”, “textos em elaboração”, “textos elaborados”, “textos remetidos para publicação”, “textos pendentes de publicação”, “textos publicados”, “textos anotados no Lattes”. É esse quadro que me permite gerenciar vários projetos simultaneamente de um modo mais organizado.
Além disso, há quadros para facilitar o levantamento de material bibliográfico, para acompanhar projetos em co-autoria e até mesmo para gerenciar projetos específicos, como a produção de um artigo ou de um livro.
Do mesmo modo, uso o Zotero para gerenciar as referências bibliográficas e o Evernote para catalogar as anotações e fichamentos de livros e artigos lidos.
Uso o XMind para a edição de mapas mentais e o Dropbox, para armazenar os arquivos em nuvem, o que é essencial para evitar a perda do texto em caso de problema no computador ou para permitir o melhor gerenciamento da versão mais atualizada do arquivo quando se usa mais de um computador.
Afora isso, procuro também explorar vários recursos Word para facilitar a organização do texto. Sempre uso o sumário automático do Word, inclusive usando os estilos previamente definidos para os tópicos e subtópicos (Título 1, Título 2, Título 3 etc.). Isso facilita não só a criação automática do sumário se for preciso, mas sobretudo a utilização do modo de exibição “Mapa do Documento”, que facilita bastante a navegação pelo corpo do texto.
Gosto também de criar slides de alto impacto no PowerPoint, algo que sempre contribui para organizar melhor as ideias.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As principais ideias surgem de modo difuso, sobretudo quando estou dormindo, dirigindo, tomando banho ou correndo, conforme já expliquei. Outras vezes, as ideias podem surgir quando estou assistindo a alguma palestra, debatendo em sala de aula ou lendo algum livro. É tudo muito repentino e não-planejado. Quando a ideia surge, imediatamente anoto na minha lista de “ideias para projetos futuros” e aguardo um momento livre para planejar a pesquisa se vier a motivação. Geralmente, há uma fila na minha lista de “ideias para projetos futuros”.
Um hábito que contribui de forma decisiva para o meu processo criativo é viver constantemente cercado de pessoas e materiais intelectualmente instigantes. Procuro preencher o meu tempo com atividades que tenham valor intelectual. A toda hora, estou com algum material de leitura à disposição para consulta durante os momentos ociosos, como filas de espera ou viagens de avião, por exemplo. Além disso, no som do meu carro, costumo ouvir podcasts ou audiobooks. Quando estou assistindo televisão, meus programas prediletos são documentários, programas que façam pensar ou então filmes com alguma temática relacionada aos meus interesses intelectuais. Afora isso, tenho dedicado grande parte de meu tempo livre assistindo TED Talks, Google Talks ou Open Courses. Tudo isso costuma produzir inspiração para projetos futuros.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Meu método mudou radicalmente nos últimos cinco anos. Talvez não tanto em relação ao estilo, mas com certeza em relação ao profissionalismo e ao rigor.
Tornei-me mais exigente comigo mesmo e passei a gastar mais tempo na fase de pesquisa, hábito que adquiri durante a minha passagem por Coimbra.
O processo de produção acadêmica em si tornou-se mais planejado e organizado. Passei a levar mais a sério o modo de deep work, tentando criar um ambiente de trabalho com menos distrações.
Para se ter uma ideia, em Coimbra, eu costumava escrever de noite, geralmente tomando vinho. Era um processo muito prazeroso e até mesmo produtivo, pois as ideias fluíam com muito mais espontaneidade. Mas seria impossível sustentar essa prática no longo prazo, sobretudo porque, quando retornei ao Brasil, tive que retomar as atividades docentes e judicantes. A solução para não prejudicar a produtividade foi substituir a garrafa de vinho pelo deep work.
Se eu pudesse voltar à escrita da tese, eu daria os seguintes conselhos a mim mesmo: (a) estabeleça um sistema mais profissional de fichamento ou anotação dos textos lidos; (b) ao invés de ler o maior número de livros possível, dedique-se com profundidade às obras mais fundamentais e às que são mais específicas para o seu tema, mapeando os argumentos e as ideias centrais dos textos com mais cuidado; (c) não fique citando obras apenas para mostrar erudição e dar volume à sua bibliografia; (d) não tenha receio de reduzir o texto, cortando passagens que não se encaixam na narrativa ou eliminando tópicos desnecessários; (e) ao invés de se preocupar em aprender superficialmente várias línguas diferentes, domine com maestria e profundidade o inglês o mais rápido possível, fazendo dele a sua segunda língua para que você possa se comunicar com naturalidade e sem receio de passar vergonha em qualquer ambiente acadêmico do mundo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Ah, tantos projetos para tão curta vida! Na minha lista de “ideias para projetos futuros”, há um monte de exemplos, dos quais vou pinçar alguns.
Há pelo menos três livros na minha lista de “ideias para projetos futuros”.
O primeiro é um livro de introdução ao direito totalmente dedicado às habilidades essenciais que um estudante de direito deveria desenvolver para se tornar um bom jurista. Ao invés de escrever sobre “fontes do direito”, “conceito de norma jurídica” ou “antinomias”, o estudo seria voltado para o aprimoramento de habilidades como pensamento crítico, argumentação, interpretação, lógica informal e falácias, técnicas de persuasão e retórica, técnicas de comunicação e negociação, técnicas de decisão, vícios cognitivos e assim por diante. Espero um dia encontrar tempo para escrever esse livro.
Outro livro semelhante seria um livro mais amplo, voltado não apenas para estudantes de direito, mas para todos os estudantes universitários, com o objetivo de aprimorar as habilidades essenciais para o desenvolvimento acadêmico. A temática envolveria técnicas de leitura, de pesquisa, de anotação, de memorização, de compreensão, de interpretação, de escrita, de motivação, de organização, de planejamento, de concentração etc. Tenho esperança que eu comece a escrever este livro ainda este ano.
Outro livro que gostaria de escrever, preferencialmente em co-autoria com alguém da psicologia, da economia comportamental ou de outras ciências cognitivas, seria um livro chamado “PsicoDireito”. O objetivo deste livro seria fazer uma aproximação do direito com a psicologia social, com as ciências cognitivas e com a economia comportamental, com um viés bem prático e uma linguagem bem simples. O formato seria semelhante ao livro “Psicologia Social”, de David Myers.
Há ainda vários projetos “sonhados” que não se referem à produção acadêmica propriamente dita, mas ao ensino do direito de um modo mais amplo. Por exemplo, quero muito produzir um curso on-line de Direitos Fundamentais no estilo Crash Course, preferencialmente em inglês e português, para ser disponibilizado gratuitamente no Youtube. Ou ainda um MOOC para ser disponibilizado em plataformas como o Coursera, Udemy, edX etc.
Quanto a um livro que eu gostaria de ler e que ainda não foi escrito, incluo-me também na fila de espera para saborear o prometido e aguardado livro do André Coelho sobre teoria do direito. Ah, se o Malcolm Gladwell quisesse escrever um livro com temáticas jurídicas também seria bem interessante.