George Goldberg é escritor, poeta, músico e fotógrafo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo acordar bastante cedo, normalmente, ainda antes de todos em minha casa, por volta das 4:00h. Reservo esta primeira parte da manhã para atividades de cuidado para com a mente e o corpo. Estas incluem sempre, meditação, e caminhada na natureza, de preferência no parque perto de casa, quando aproveito para além de me exercitar, também começar o dia em contato com a natureza. Feito isso, ao retornar para casa, preparo um bom café fresco, para iniciar o dia de trabalho home office. Hoje em dia, sempre que possível, costumo deixar reuniões de trabalho e outros compromissos sempre para o período da tarde ou da noite.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Respondendo a primeira pergunta, a resposta é tanto faz, e explico o porquê. Sempre trabalhei muito, e a vida corrida e atribulada, toma muito de todos nós, muito tempo. Muitas vezes, não fazemos a conta de quantas horas por dia perdemos nos deslocamentos diários, nas reuniões e ligações necessárias e desnecessárias, no looping diário das navegações pela internet. Enfim, a primeira vez que resolvi mapear esta perda de tempo diária, fiquei assustado. Ao contabilizar as horas perdidas durante uma semana, descobri com verdadeiro espanto, que havia perdido quase trinta horas naquela semana. Não acreditei, e refiz algumas vezes a conta, totalmente consternado com tal fato. Mas, era verdade. Minha rotina e estilo de vida estava roubando mais de um dia da minha semana, sem que eu me desse conta. Foi desde então, que resolvi criar rotinas mais rígidas, para que eu pudesse ser mais produtivo, e também, tivesse mais tempo para mim e para minha família. Passei então, durante os momentos antes perdidos nos deslocamentos diários, a ouvir audiobooks e entrevistas sobre os assuntos que me interessam. Nestes momentos também, aproveito para anotar ou gravar músicas, ideias, diálogos, notas e haikais no celular. Comecei também a monitorar conscientemente o tempo que navego na internet, separando o tempo nela para estudar, pesquisar, postar e interagir socialmente. Para mim isso foi fundamental para me tornar mais produtivo, fazendo com que o momento dedicado exclusivamente à escrita, fosse muito mais intenso e focado.
Claro, o que serve para mim, pode não servir para a maioria, pois cada pessoa tem particularidades que as impedem seguir modelos prontos. Por isso, acredito que o principal fator em relação a preparação para a escrita, é criar um compromisso pessoal para com a mesma. Reservar períodos diários é fundamental, assim como fazemos com reuniões e outros compromissos. Se for necessário, bloqueio a agenda, boto uma plaquinha de não perturbe na porta, desligo o celular, a internet, e me dedico totalmente àquele momento reservado para a escrita. Uma outra coisa que faço, que neste caso, pode funcionar também para outras pessoas, é dividir os momentos da escrita, em momentos de leitura, pesquisa, revisão e criação. Como todos estes momentos fazem parte intrínseca do processo criativo, é natural utilizar a parte do dia dedica a escrita, para que eles aconteçam. Isso me ajuda muito a otimizar meu tempo e sempre ir direto ao ponto. Outra coisa que faço ao finalizar o período de escrita do dia, é sempre deixar dia seguinte planejado, para não quebrar a rotina. É difícil, mas tento me esforçar para não perder o foco, e isto auxilia a manter minha escrita, e todas as suas etapas, mais produtivas e recompensadoras. A sensação de trabalho feito, atividade concluída, é um excelente combustível mental, e pelo menos para mim, até hoje tem funcionado bastante.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como citei na resposta da pergunta anterior, que termina por complementar esta, procuro de forma metódica, escrever todos os dias, independente do horário. Com o tempo, isso começa a se tornar mais natural. Quanto a meta diária, tento estipulá-la sempre no dia anterior, levando em conta minha agenda. A meta, pela menos para mim, deve ser possível e real. De nada adianta criar metas insanas que não podem ser atingidas, pois isso só levará a frustação e consequente procrastinação. Por isso, tento manter uma rotina de escrita diária condizente com meus compromissos.
Atualmente, tenho conseguido manter uma rotina de escrita matinal, mas isso não é regra. Muitas vezes, a vida impõe compromissos que atravessam o horário inicialmente dedicado à escrita, e tento aceitar isso de forma natural, readequando a agenda, e voltando a rotina da escrita assim que for possível.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Bem, quanto ao meu processo de escrita, isto depende bastante do que estou escrevendo. Em relação a poesia haikai, ela já faz parte de minha prática Zen. Já se tornou um processo natural e diário. Normalmente, nas primeiras horas da manhã, quando saio para minha caminhada no parque, em meio a natureza, os haikais transbordam na mente, e trato sempre de registrá-los. Por seu uma forma de poesia experiencial, ela acontece no momento do fato, quase como uma fotografia, mas, mais profunda e carregada de significado, que precisa se adequar as rígidas regras de composição poética do haikai tradicional.
Em relação a composição musical, o processo já se torna um pouco mais sazonal, pois em meu caso, ainda não é uma atividade para qual me dedico de forma profissional. As letras muitas vezes nascem de uma melodia que surge na mente, outras vezes o contrário acontece. Mas, normalmente, em relação a escrita de música, no meu processo de criação, é necessária uma dedicação de vários sentidos envolvidos, para tocar um instrumento, ouvir e criar a melodia e harmonia, encaixar a letra, ou vice-versa.
Quanto a escrita de artigos ou de ficção, todas exigem muita leitura e pesquisa prévia. Normalmente, quando estas etapas são feitas de forma correta, iniciar o processo de concepção do texto se torna mais fácil. Quando comecei a escrever, caí várias vezes na armadilha da escrita impulsiva, que inundava a mente em um rompante, e me fazia escrever por horas, mas, na maioria das vezes, terminava por me fazer perder muito tempo revisando, refazendo e confirmando dados em pesquisas; que me faziam ir e vir inúmeras vezes ao texto, transformando o processo da escrita num fardo enfadonho, que terminava por gerar o adiamento do retorno sequencial diário ao texto.
Ter passado por isso, ainda no início de minha relação com a escrita, me ajudou na disciplina deste processo. Não acredito em métodos que sirvam para todos como já falei, mas acredito sim, que as experiências de outros, possam fazer com que consigamos enxergar nossos processos de forma mais consciente, e assim, encontrarmos nossos próprios caminhos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Entendi ao longo do tempo, que pelo menos comigo, as travas irão acontecer, e o que mais irá importar é como irei me comportar diante delas. Quando se escreve com prazos nos calcanhares, e escrita se torna profissão, fica difícil ceder a procrastinação, pois alguém vai bater na sua porta lhe cobrando cedo ou tarde. Um amigo professor e escritor me disse quando eu ainda começava a escrever meus primeiros artigos sobre negócios, que se eu quisesse ser um escritor que realmente vivesse da escrita, eu deveria agir como um, e aprender a ter compromisso com prazos era o primeiro passo. Ouvir isso logo no começo, me fez mudar a visão um pouco romântica que eu tinha da escrita profissional. Este mundo de escritores profissionais é duro, difícil e tortuoso, e com toda certeza, você não estará nadando em um oceano azul. É literalmente um mar vermelho, onde a concorrência é grande, a oferta é quase infinita, é o número de consumidores é limitado, e fazer o melhor neste mercado já não é o bastante.
Quanto aos projetos longos, confesso que me deixei ser seduzido por vários, e o maior desafio, como já devem imaginar, é terminá-los. Tenho muitos projetos de longo prazo, que exigirão muita, muita pesquisa. Desta forma, em relação a ficção, optei por focar em primeiro momento na escrita de contos, que apesar de também exigiram certa pesquisa muitas vezes, são projetos curtos, que vão me educando e disciplinando ao longo dos anos na atividade diária da escrita.
Quanto a escrita de poesia haikai, talvez por ela ser parte de minha prática Zen diária, ela quase não sofre travas e procrastinação. Como é uma arte que gosto muito e pratico desde a adolescência, ela para mim, flui bem mais fácil. Nos últimos anos, a internet e as redes sociais tem me auxiliado bastante neste processo de escrever e publicar quase que diariamente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Confesso que tento dedicar bastante tempo à revisão daquilo que escrevo. Para mim é parte intrínseca do processo. Mesmo assim, muitas vezes terminamos deixando passar alguma coisa, por isso, para quem deseja viver de escrita, é melhor compreender logo de início, que revisar e escrever são lados mesma moeda.
Quanto a mostrar meus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los, depende. Se for sobre a escrita de ficção, não mostro nada. Considero isso até, de certo modo, uma falha que, conscientemente, insisto em cometer comigo mesmo. Talvez isso ocorra pela natureza do trabalho de ficção e o apego as ideias.
Agora, em relação a poesia haikai, já é diferente, até pela natureza desta arte. Participo de algumas confrarias de haikai aqui na Europa e também no Brasil, onde fiz vários amigos, e diariamente publicamos e conversamos sobre haikai. Nestes grupos, todos os confrades trocam experiências sobre esta forma de poesia, seja a livre ou a tradicional. Neles, organizam atividades, estudam, opinam e comentam sobre os poemas clássicos, obras populares, além claro, dos poemas divulgados e compostos pelos poetas participantes, e isso é quase uma praxe para a maioria. Agora mesmo, estou organizando e editando uma antologia, com haikais compostos pelos confrades de uma confraria que participo no Brasil, fruto de um exercício que propus logo no início do período de isolamento social, que gerou uma grande adesão por parte dos confrades, e que contará com a participação de mais de 30 poetas brasileiros.
Como podem ver, são caminhos e modos diferentes de relacionamento com a escrita. Talvez além da paixão pela escrita, seja essa versatilidade aprendida quase que por obrigação, que tem me trazido a motivação diária para me manter escrevendo diariamente.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Comecei a escrever meus primeiros textos ainda moleque, na máquina de escrever de minha mãe, que ela havia herdado de meu avô, uma Remington Standard, que infelizmente não existe mais. Sou um amante de coisas antigas, até mesmo na minha relação com a fotografia profissional, termino também por ser saudosista utilizando máquinas de filme, e ainda ter a preferência pelos registros em preto e branco. Mas isto não me manteve afastado do avanço tecnológico, pelo contrário. Foi exatamente por gostar do antigo que me mantenho constantemente interessado pelo novo. A tecnologia é e sempre foi presente em todo o meu dia-a-dia. Sempre gostei de aprender todas as etapas dos processos que me envolvo, seja na música, na fotografia ou na escrita. Isso traz uma certa independência, que em meu ver, é fundamental no mundo extremamente veloz e mutável que vivemos. Costumo dizer, que não é porque eu adoro passear por sebos e livrarias, e sentir o cheiro dos livros, que não vou usar um e-reader e consumir e-books. Não é porque tenho minhas máquinas antigas e fotografo com filme, que vou deixar de utilizar uma câmera mirrorless última geração, ou abrir mão da edição fotográfica digital. Tudo tem seu valor.
Como falei anteriormente, em relação a escrita, principalmente quando estou fora de casa, costumo utilizar bastante o celular para registrar ideias e breves rascunhos, seja no bloco de notas ou em notas de voz.
Normalmente, quando estou em casa, faço alguns rascunhos em cadernos, para organizar as ideias, e posteriormente, passo tudo para o Scrivener, um software de gerenciamento de projetos de escrita bastante completo, repleto de ferramentas, que eu já utilizava para escrever roteiros, e que nos últimos anos, se mostrou um dos melhores para a escrita de ficção. Mas não me prendo a isso, pois se por algum motivo a internet travar, ou a energia acabar, e o prazo bater na porta, ainda terei os bons e velhos lápis, canetas e cadernos para guardar as ideias. Entendo que a tecnologia nos traz muitas ferramentas importantes para nossa escrita diária, mas deixar que esta tecnologia dite o nosso ritmo de criação, é uma armadilha que pode nos sacrificar se não soubermos lidar com ela de maneira saudável e produtiva.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Em relação a escrita de poesia haikai, na verdade, não temos ideias para escrever. Nesta forma de poesia tradicional, os poemas surgem da experiência, um retrato do momento, da experiência vivida que se torna um haikai, quando este momento é adequado a métrica, e as regras desta forma poética. A arte do haikai tem origem japonesa, e ganha forma pela natureza, nasce de nossa contemplação e convívio com ela.
O fundamento filosófico do haikai possui bases zen budistas, conceituando que neste mundo em que estamos, tudo é transitório. Somos além de parte da natureza, sujeitos e feitos de mudanças contínuas assim como as estações (outono, inverno, primavera, verão) que regem todo o nosso planeta.
Se comparássemos com uma fotografia, o haikai composto pelo haikaísta congelaria o momento presente, registrando a beleza da observação do que acontece, não do que aconteceu, nem do que poderá acontecer. Simplesmente o aqui é agora, eternizado em palavras, para que outros possam tentar vivenciar esta mesma experiência.
Este exercício se torna com o tempo, parte do haikaísta, aumentando sua percepção de mundo, e a conscientização de sua interdependência com planeta em que vivemos e tudo que nele existe.
Por mais que aparentemente o haikai pareça não ter muita relação com a escrita de ficção, para mim, esta prática funciona como uma higiene mental diária, que me conecta com minha natureza interna e externa. Claro que para escrever ficção, somente isto não é o bastante, pelo menos no meu caso, e tendo isso como certo, procuro cultivar com afinco um hábito fundamental ao escritor. O da leitura.
De certa maneira, ler é outra forma de higiene mental, que aguça, atiça, provoca, as ideias a se formarem, traz novos rumos para serem explorados e pesquisados, me levando para outros mundos, outras épocas, e ainda de presente, me relembra que para aprender a escrever bem e continuar a evoluir em minha escrita, a coisa mais importante a ser feita diariamente, é a leitura.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com toda certeza, o que mais mudou no processo de escrita ao longo dos anos, foi a certeza de que um texto nunca está pronto, pois ele sempre pode ser melhorado. E a outra coisa que também aprendi ao longo dos anos, foi que, em algum momento, você terá que parar de “mexer” no texto, e terá que entregá-lo ao mundo.
Outra coisa que também acredito que tenho mudado em meu processo de escrita, é a capacidade de entender que um texto, um artigo, um livro, ou um poema, nunca agradará a todos. A propósito, uma vez ouvi dizer, que nossa escrita, não tem a obrigação de agradar a todos; e hoje entendo, que a pessoa que disse isso, com toda certeza estava coberta de razão.
Quanto ao que eu diria para mim mesmo se pudesse voltar à escrita de meus primeiros textos, certamente seria, leia, leia muito mais do que você escreve, pois quanto mais você ler, mais seguro você estará na hora de escrever. Ah sim, e também diria que a opinião dos outros são apenas opiniões, é como o próprio significado da palavra opinião revela, ela pertence àquela pessoa, diante das experiências que ela acumulou, e que a levaram a uma interpretação de mundo. Por isso, importantes apenas para ela.
Aprendi com o tempo, que a escrita, a música e a fotografia são formas de arte, e quando sua arte está subjugada a opiniões, ela deixa de fluir naturalmente, e termina por deixar de ser arte.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Bem, um livro que eu gostaria de ler e ele ainda não existe. Difícil responder esta pergunta. O mundo em que vivemos nos atropela diariamente com tanta informação, centenas, talvez milhares de livros publicados diariamente, que acredito ser impossível garimpar esta babel literária e descobrir algo que ainda não exista. Talvez até possa ser, que o livro que eu queira ler já esteja até escrito. Acredito que o título dele poderia ser. “O dia em que todos os povos conseguiram viver em paz”. Vivemos em um mundo que é formado sobre a base da dualidade. Mal e bem, guerra e paz, pobreza e riqueza, direita e esquerda, inferno e céu, morte e vida. Tudo ao nosso redor está tão impregnado de dualidade, que fica difícil imaginar um mundo onde o conflito não exista. A própria base da escrita de ficção é o conflito, imaginem só! E temos que aceitar esta realidade, pois é nesta que vivemos, e ela feliz ou infelizmente, não vai mudar.
Quanto ao projeto que gostaria de fazer, mas ainda não comecei, sinceramente são muitos, muitos mesmo. Mas, existe um que é um sonho antigo, que desejo muito poder realizar. Quero poder em breve, empreender em uma viagem de 2 anos pelo oriente, fotografando e registrando poeticamente as vivências desta viagem, para transformá-la quem sabe, em um ou mais livros. E certamente, músicas e fotografias também não irão faltar.
Mas antes disso, ainda tenho que cuidar do aqui e agora. Preciso ainda este ano, terminar a edição e organização de uma antologia de haikais, com falei anteriormente, mais dois livros de haikai de minha autoria que já estão quase finalizados, e ainda, uma exposição fotográfica que infelizmente foi cancelada em função deste momento conturbado que vivemos em todo o mundo.
Espero sinceramente que minha humilde experiência com as formas de escrita que escolhi para mim, possa auxiliar de alguma forma os leitores desta entrevista para o projeto Como Eu Escrevo.
E se você que lê estas linhas, puder aceitar uma sugestão. Siga lendo. Avidamente. Pois todo grande leitor, em algum momento de sua vida, desejará se tornar escritor. E aqueles que tiverem a maior bagagem literária, certamente serão mais bem-sucedidos, ou, quando pouco, terão muito mais prazer e facilidade com a arte da escrita.