Gean Uchoa é escritor, professor de redação e estudante de jornalismo na UFG.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo meu dia com uma oração. Peço a Deus que meu dia seja abençoado e produtivo e levanto da cama para que assim ele o faça, afinal, oração sem ação, são apenas palavras ao vento. Você tem pedido a Deus mais dinheiro? Então trabalhe mais! Em seguida, tomo um café da manhã bem reforçado e vou correr. Enquanto corro, respiro o ar fresco da manhã, sinto a liberdade de estar vivo, de sentir que sou dono das minhas escolhas — por mais que saiba que ninguém é totalmente dono de nada, — e observo as pessoas, seus jeitos e seus olhares. Tento adivinhar seus anseios e decifrar suas dores. Imagino-as como personagens numa de minhas histórias, passando por conflitos e trilhando uma longa jornada de amadurecimento. Chamo isso de “Pesquisa de Campo”. Acredito que a ficção, por mais fantasiosa que seja, consegue captar características reais e retratar com destreza o cotidiano, afinal, são contadas por pessoas, que têm sentimentos, medos e dúvidas. Como Aristóteles disse em sua obra Arte Poética, a arte imita a vida em toda a sua essência.
Ao chegar em casa, abro meu notebook e escrevo. Sem pretensão. Sem metas. Só escrevo. Nesta parte do dia, gosto de escrever livremente, deixando que minhas histórias tenham vida por si só, e ao final de cada uma, reviso e dou os ajustes finais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de dizer que o horário que trabalho melhor é em qualquer horário. Escrevo de manhã, de tarde e de noite — tenho um caderno ao meu lado o tempo inteiro, sempre preenchendo suas linhas com ideias e pensamentos. — porém, o horário que mais sinto as coisas fluírem é durante a noite. É como se todo o peso do dia tivesse passado. Sem planos. Sem compromissos. Só o teclado e eu.
Preparo todo o ambiente, arrumo a bagunça, tiro a poeira dos meus livros, pego um copo de suco e me sento para escrever. Este é o meu ritual de preparação para a escrita. Limpar o ambiente significa que sei que passarei uma grande quantidade de tempo ali e quanto mais confortável, mais natural será o desenrolar das minhas palavras no livro.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, mas separo um tempo específico, para levar a coisa toda mais “a sério”. Este tempo exige de mim criatividade e dedicação, tendo inspiração ou não. É um momento meio que conflituoso, onde percebo que fazer algo que gostamos, não nos isenta das responsabilidades exigidas e isso, por mais assustador que pareça, depois de alguns questionamentos, me faz bem. Responsabilidades deixam as coisas mais importantes e gosto de saber que o que faço tem importância.
Minha meta diária de escrita é bem relativa. Se estou escrevendo uma cena-chave, não saio de frente do computador até terminá-la. Mas não faço disso uma regra. Às vezes, mesmo quando tudo está calmo na história, andando de maneira lenta e rotineira, passo mais tempo que o normal escrevendo. Acho que depende do meu humor no dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Gosto de deixar as coisas fluírem, somente fluírem, pelo menos no início. Minhas pesquisas iniciais são até banais, comparadas as enormes pastas de informações que adquiri no decorrer da história. Acredito que muitos momentos de nossas vidas, acontecem sem qualquer ação da nossa parte e quando escrevo, tento ao máximo fazer das pesquisas um figurante bem ausente, trazendo-as à tona somente em momentos necessários. Gosto de me pegar de surpresa, de brincar com situações e deixar que certas coisas se concluam sozinhas, ali, na hora, sem muita interferência. Vejo minhas histórias como um mundo real, onde a vida é a responsável por decidir quem vai e quem fica. Mas claro, como eu disse, ao final das histórias, percebo que pesquisei muito, então, o estritamente necessário foi mais necessário do que pensei. Talvez a vida não seja tão espontânea assim, afinal, pelo menos não as contadas por outras pessoas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
No início, quando percebi que a escrita ia muito além de um hobby, tive bastante medo de perder a essência. Não entrava em minha cabeça, fazer algo não mais por prazer e sim por obrigação, profissionalismo. Hoje penso diferente. Descobri que prazer e responsabilidade podem andar juntos e que essa parceria pode trazer bons resultados, quando tratada com equilíbrio e dedicação. “E o bloqueio criativo?” Muitos me perguntam quando digo isso. Sim, ele existe. Convivo com ele constantemente, sempre respondo. As pessoas me pedem dicas, fórmulas e receitas e tudo que consigo dizer é: escreva até quando não tiver o que escrever. Mostre para o bloqueio criativo que a criatividade é livre, ilimitada e infinita e quem decide isso é você. E quando dou esse tipo de conselho, refiro-me a todo tipo de expressão artística. Você desenha, mas não sente vontade de fazê-lo mais? Desenhe mesmo assim. Desenhe até não ter o que desenhar mais. Cante, dance e pinte, até não ter o que cantar, dançar e pintar. É assim que se lida com a arte. Ela não tem fim e você precisa aprender a apreciá-la, mesmo quando parecer que pra você acabou. Apegue-se ao que você tem a dizer, mesmo que sem vontade.
Como lido com as expectativas sobre mim? Trato-as como degraus em direção ao que anseio. Enxergo a cobrança como uma dose de adrenalina, aplicada no momento certo, para me fazer prosseguir. Eu me conheço e sei que, por mais que me esforce, tenho uma grande predisposição a desistir das coisas. Já aconteceu várias vezes e ainda vão acontecer muitas mais, eu sei. Porém, quando vejo que existem expectativas a respeito do papel que tenho que desempenhar em determinado projeto, sinto-me mais seguro, mais motivado e com mais confiança para ir até o fim.
Com projetos longos, fico até mais animado. Vejo-os como um desafio e amo isso. Acho que é um dos momentos que vejo que o que faço é importante. Que sinto isso com mais intensidade. Isso me faz bem.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sou meio paranoico com tudo que escrevo. Enquanto escrevo um capítulo, abro várias vezes o anterior para revisá-lo. Faço isso durante todo o livro. Claro, não são revisões específicas, com muito foco, somente o bastante para me deixar tranquilo para seguir em frente. Ao final, faço revisões gerais, leio capítulo por capítulo e faço alterações quando necessário. É um momento delicado, afinal, uma simples cena pode fazer a diferença em toda a história. Você contou uma história e agora precisa garantir que as pessoas a entendam da forma certa, sentindo as emoções que você quis que elas sentissem, mesmo sabendo que cada leitor interpretará suas palavras de um jeito diferente.
Mostro meus trabalhos a amigos próximos, antes de enviar para as editoras. Graças a Deus, meus amigos não “passam pano” para mim, quando o assunto é a escrita. Sabem que é o que escolhi fazer pelo resto da minha vida e por isso devem ser sinceros. E são, mesmo quando é difícil ser. Gosto disso.
Aprendi a avaliar as críticas com muito cuidado e respeito. Afinal, é do meu livro que estamos falando. Se tem algo que desagradou alguém, cabe a mim fazer as análises cabíveis. É minha responsabilidade.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Bem no início da minha jornada como escritor, fazia dos meus aliados, o lápis, borracha e papel, grandes amigos, mas com o tempo, por achar mais prático, quebrei meu preconceito com a tecnologia e teclar se transformou em algo fácil e automático. Entendi que o mundo mudou e que isso não é ruim. Tudo muda o tempo inteiro e precisamos estar prontos para mudar também.
Hoje em dia escrevo até no celular, o que antes me parecia ser impossível.
Mas ainda faço meus rascunhos à mão e preencho minhas paredes do quarto com notas e notas, pregadas em ordem, com informações importantes, pois a essência, continua a mesma.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Por incrível que pareça, a maioria das minhas ideias vêm de sonhos que tenho. Acordo no meio da noite com nomes de personagens, cenas e etc. Abro o celular ou o que estiver mais perto e registro tudo, então volto a dormir. Parece meio estranho, mas tem dado certo para mim. Outra coisa que me ajuda muito a ter inspiração, é a leitura. Amo a ideia de poder me desconectar de tudo, viajar mundos e conhecer pessoas, sem sair do lugar. Ao ler um livro de outro autor, sinto ainda mais vontade de escrever o meu. Chamo isso de “Ação e reação literária”. Coma cebola e arrotará cebola, certo?
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com certeza mudei muito no decorrer dos últimos anos, como escritor. Antes não tinha a técnica nem a dedicação que tenho hoje. Se eu pudesse voltar no tempo, diria a mim mesmo que deu certo. Que todo o estudo valeu a pena. Que os livros e livros sobre técnicas literárias, construção de personagens, de enredo, que tudo valeu a pena. Eu me parabenizaria por não ter desistido e me aconselharia a não diminuir as cobranças. Ainda não cheguei onde gostaria, mas sei que estou no caminho certo. O meu eu do passado tem um grande papel nisso.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Uma história sobre mim. Este é um projeto que penso, planejo, mas nunca começo. Conto histórias sobre tantas pessoas, tantas situações, que sinto vontade de contar sobre mim. Mas procrastino, porque não é fácil. Não é fácil se enxergar diante das páginas de um livro, tão exposto, nu, sem proteção. Isso me assusta. Mas quem sabe um dia, não?
Um livro que eu gostaria de ler, mas ainda não existe? Simples, o meu, sobre a minha vida. Está aí algo que eu gostaria de ler, e claro, escrever também.