Gabrielle Dal Molin é poeta, professora de História e mestre em Antropologia Social pela UFRN.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo tomando café, que sem ele eu não consigo acordar direito. Agora na pandemia, que não estou dando aula presencial, minha rotina é tomar café, dar café da manhã pra minha filha e ficar brincando com ela, ouvindo música. Alguns dias consigo fazer yoga de manhã também, mas quase sempre faço a tarde.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã depois do café trabalho bem, mas por conta da rotina com a Gal eu tenho deixado pra produzir mais a tarde. Do meio da tarde até umas 19 horas eu ando bem também, depois disso já não. Definitivamente não sou a pessoa que gosta de produzir a noite e na madrugada.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta atualmente porque estou escrevendo apenas poesia e alguns textos sobre Não Monogamia para uma revista online. Estou mais concentrada no processo de edição do meu novo livro, mas quando estava na academia tentava escrever pelo menos alguma coisa todos os dias, para sentir que estava sempre conectada com a pesquisa. Escrevendo literatura e esses textos sem grandes prazos, não me imponho nada, quando me sinto inspirada sai.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Durante a dissertação eu ia compilando tudo que eu achava que deveria desenvolver no texto e depois ia transformando cada tópico em texto corrido. Não achava difícil começar não, mas as vezes emperrava no meio, as vezes eu tinha dificuldade de conectar uma linha de pensamento à outra, mas tentava achar nas anotações de campo, esses elos e normalmente encontrava sem grande esforço. O estilo da minha dissertação até foi comentado durante a banca, pois não era o tradicional “introdução, capítulo teórico, campo e conclusão”. Eu não tive esse capítulo teórico, já ia articulando a teoria junto com a etnografia ao longo dos capítulos e isso nem foi intencional, eu só sei escrever assim mesmo rs.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Durante a escrita da dissertação eu passei poucas fases em que me sentia procrastinando, eu gostava tanto do tema que eu sempre estava querendo mexer com ele de alguma forma. Acho que sentia mais essa preguiça nas fases de formatação. Senti mais ansiedade quando eu já estava no segundo ano do mestrado, mais pro final, que eu já sabia tudo que precisava escrever e as vezes batia aquela coisa de “falta muito”.
Agora o medo da recepção do texto, eu acho que sinto mais com a literatura, porque eu acho que a condição da artista pra mim é ainda um pouco menos segura do que a condição da acadêmica.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei precisar quantidade, mas acho que dou uma lida duas vezes pra procurar erros e dependendo do texto, pra onde eu vou mandar e tal, acabo lendo mais umas duas, três pra ver se não preciso mudar nada, me sentir mais segura com alguma parte que ainda tenha dúvidas.
Costumo mostrar sim, dependendo do assunto, mostro pra companheires, ou pra amigues.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Já faz alguns anos que escrevo direto no computador ou no caso de poemas, no celular. As vezes sinto vontade de escrever poemas em papel, daí pego um caderninho, mas no geral acaba sendo nos dispositivos mesmo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias costumam vir de imagens que surgem no cotidiano e de sensações que eu tenho ao ouvir algum som, por exemplo. Muitas coisas que vem na memória também eu acabo trazendo para os poemas.
Acho que o hábito é o de escrever mesmo, qualquer ideia que surgir, botar pra fora na hora e tentar trabalhar depois.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Minha relação com a edição mudou muito. Eu achava que depois de escrever um poema ele já estaria pronto e eu tinha muita dificuldade de mudá-lo Porque eu sentia que eu vomitava o poema, ele vinha, me tomava e saia quase como um jorro mesmo. E nessa coisa visceral eu não conseguia mexer, achava que ia perder alguma espécie de encanto que existia nessa forma de vir a tona.
Hoje eu já entendo de outra forma o processo, consigo editar, cortar… e também consigo aceitar a sugestão de quem está me editando de uma forma muito mais tranquila. Antes eu acabava desistindo do poema se houvesse crítica, agora não, eu mexo até ver que ficou melhor e aceito se disserem que ele não tem salvação também rs.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu estou com vontade de escrever mais prosa no geral. Esses tempos escrevi um conto, quero exercitar mais isso, mas tenho dificuldade, não costumo achar que está bom. Também tenho vontade de escrever roteiros.
Um livro que queria ler e não existe ainda, acho que seria algo que falasse sobre a região que eu vivo, mas sem que se apelasse para as imagens que convencionamos chamar de regionalistas, sem ser esse Nordeste do sertão dos anos 20, nem a perspectiva atual das cidades, mas que ainda retoma esse passado exaltando o sofrimento ou a riqueza musical, culinária, de costumes populares e de paisagens. Acho que é urgente dar um passo além dessa invenção do nordeste, como de alguma forma fez o movimento mangue beat.