Gabriela Sobral é poeta, jornalista e mestra em Preservação do Patrimônio Cultural.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo meu dia sempre com um café forte. Coloco minha playlist de música ou um podcast de notícia, tomo um café e depois um banho, esses são os primeiros passos do meu dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho melhor de manhã, entre 7h e 11h. Na parte da tarde, produzo pouquíssimo. Depois volto a produzir bem depois, das 17h30 até às 21h. Já monitorei um pouco isso. Acredito que esses são os melhores horários. Para a escrita, passar um café é sempre o primeiro ritual. Outro ritual que me ajuda bastante é apurar os ouvidos, por isso, é muito comum que eu coloque um vídeo ou áudio de alguém recitando. Muitas vezes, coloquei os vídeo-poemas da Matilde Campilho, vídeos da Maria Bethânia recitando, leituras… O registro fonográfico é algo que acesso, constantemente.
Outro ritual que costumo fazer, de preparação para a escrita, é uma pesquisa visual. Meu primeiro livro, Caranguejo (Editora Patuá, 2017), teve muito esse alicerce numa produção visual: fotos da Ilha do Marajó, local com o qual tenho uma relação de afeto e pertencimento; e registros imagéticos da obra ‘Bichos’, da artista Ligya Clark.
Esses são alguns dos rituais mais comuns. Percebo, também, que estar em movimento é algo que me faz escrever: fazer alguma tarefa doméstica, caminhada, passeio pela cidade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Para escrever não tenho uma rotina fixa (infelizmente). Nos últimos anos, por ter me mudado, muito, de casas e cidades acabei não desenvolvendo uma rotina fixa. Posso ficar longos períodos sem escrever. Uma meta diária é algo bem distante do meu processo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Pois é, vou anotando coisas nos blocos e tento colocar uma observação sobre o qual assunto eu estava falando, que sentimento me movia naquele momento, como se eu tivesse que lembrar o fio condutor que me levou àquele poema, texto, nota ou ideia.
Eu sinto uma dificuldade em começar. Mas, especialmente, nos últimos meses, venho me condicionando a pelo menos iniciar uma primeira ideia, um parágrafo ou verso. Sobre o tempo de produção, acontece de eu terminar o texto, no mesmo dia, ou voltar a ele diversas vezes. Para o livro que está em processo, acredito que tenho revisado e revistado os textos mais vezes. A ansiedade já não é a mesma do primeiro livro.
Me movo da pesquisa para a escrita, quando sinto a intuição muito ativada, depois que fiz o ‘grosso’ da pesquisa, vou lapidando isso: coloco tudo que tenho em um arquivo de word (mesmo que não esteja acabado) e passo a trabalhar em cima deste arquivo.
Outro passo para finalizar um poema é compartilhá-lo com outras pessoas ou até mesmo escrever em conjunto, em um movimento de troca. Um dos meus últimos trabalhos foi uma zine virtual chamada ‘Dias Amarelos’, que fiz, juntamente, com a escritora paraense Luiza Chedieck. Esse trabalho consistia em uma troca de correspondências poéticas. A Luiza escrevia, enviava-me e eu respondia com base no texto dela. Foi bem interessante perceber que foi vamos dizer ‘mais fácil’ iniciar, tendo uma voz anterior.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tem sido muito importante o diálogo e escuta. Hoje, temos acesso a vídeos, entrevistas, rodas de conversa, festivais literários (presenciais e on-line), em que podemos acessar o universo de outros escritores – mesmo que tenha um pouco de performance, quando um escritor fala para o público –, é interessante acessar isso, para nos desfazer de medos e expectativas ao observar trajetórias diversas.
As travas e os medos são constantes. Quando se é escritora, é assustadora a possibilidade de ‘nunca mais escrever’, você sabe que isso é impossível, mas o medo existe. Eu tento acessar o que, em mim, leva-me a escrever, quando consigo acessar isso, esse ponto propulsor, que está na memória, na minha História familiar, na minha experiência com o mundo, dá uma destravada.
Tenho um projeto de livro que, até o momento, nomeei de ‘Modos de Construção Sobre Tapumes’, não sei se esse nome vai permanecer, ele tem sido construído num processo bem mais lento que o primeiro livro. Ele aborda processos de demolição, de reconstrução e os tapumes representariam uma espécie de espectador ou observador desses processos.
Mas não estou ansiosa, acredito que, nesse momento histórico, existem urgências que nos fazem enxergar as coisas e a nós mesmos com mais generosidade, pelo menos tem sido assim comigo, aliviei um pouco na autocobrança.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Bom, os últimos eu reviso toda vez que os leio, várias vezes. E costumo, sim, mostrar meu trabalho, isso é algo essencial para que eu publique algo. Tem pessoas que eu elejo e confio para lerem esses textos e, a partir dessa troca, repenso o caminho que o poema vai tomar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo, basicamente, no computador e no bloco de nota do celular, mas não abandonei, totalmente, os cadernos, quando estou, em casa, e tenho uma percepção, uma ideia ou elaboro um trecho, é comum que anote em cadernos. O celular uso muito quando estou em espaços como cafés, bibliotecas ou entro numa farmácia e anoto. Mas todo processo de acabamento e final se dá no computador. Acredito que escrever no computador imprime até um outro ritmo a minha escrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ler é o melhor hábito para me manter criativa. Acho que manter o contato com as linguagens: visual, musical, escrita… Tudo isso cria um repertório para que eu consiga organizar o mundo, minhas ideias, os sentimentos, a memória, criar um sumo que alimenta a criatividade. Então, minhas ideias acabam vindo de um trecho que li; de uma exposição; um filme; da observação da cidade. Outro ponto nodal é a experiência, eu faço questão de frisar isso, porque é ao elaborar minhas experiências, anotá-las, leva-las ao campo criativo, que o texto acontece. A experiência conecta-se com a linguagem, essa união faz com que eu elabore o que me circunda, dando formato material a isso em poemas, prosas poéticas e outros textos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria: leia mais (risos). Mas tento entender meu caminho, minha construção como parte, também, da forma que meus poemas adquirem.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria, demais, fazer um projeto que dialogue com as artes visuais, já pensei em obras que coloquem a palavra, em um suporte visual, nada que não tenham feito; mas, minha ideia, é escrever um poema na forma (vamos dizer) como conhecemos, e esse mesmo poema seria apresentado, também, em um formato visual; penso, também, em produzir um livro de artista, que é quando essas linguagens se encontram, o suporte do livro se expande e cria outra comunicação em diálogo com a linguagem imagética. Acho que eu gostaria de experimentar essa expansão do livro.
O livro que eu gostaria de ler? Talvez, seja o livro que eu gostaria de escrever. Uma saga familiar de mulheres, abordando a importância da fala delas; seria ambientado na Ilha do Marajó. Quem sabe um dia eu me aventure no romance.