Gabriela Gomes é escritora e designer, autora de “Acidentes Tropicais” (Quelônio, 2019), “Cloro” (Flan de Tal, 2019) e “Língua-mãe” (Fresca, 2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu adoraria ter uma rotina matinal. Mas com um bebé de 18 meses ainda é um pouco complicado estabelecer planos. Tudo depende se tivemos uma boa noite de sono ou não. Mas considerando as noites como as boas, geralmente acordo e venho para a sala com a minha filha, vemos um pouco do movimento da rua pela varanda. Logo depois vou para a cozinha, tomo um copinho de água morna com limão, e começo a fazer o nosso café da manhã. Geralmente mingau de aveia que eu amo e é ótimo para o inverno. Depois brincamos um pouco, se estiver sol damos uma volta pelo bairro, se não brincamos em casa mesmo. Pelo meio da manhã é hora dela dormir de novo e aí é aí que o dia começa do meu lado. Sento no escritório pra listar meus afazeres, prazos de jobs, responder e-mails, entrega de textos, se der escrevo algumas páginas no meu caderno na tentativa de fazer o “the morning pages” mas nem sempre consigo. Se falta algo em casa vou a mercearia do seu zé aqui na esquina comprar, se há ânimo arrisco uma yoga mas a única certeza é o meu banho, parece que o dia só começa depois dele. Tento não fazer muito barulho porque o banheiro fica do lado do quarto da minha filha.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Num curso que eu fiz no Parque Lage com a Ana Kiffer ela pela primeira vez me levantou essa questão: você sabe qual é o seu melhor horário pra escrever? Acho que antes da minha filha eu funcionava muito bem de manhã, cedinho mesmo. Quando ninguém acordou ainda. Na verdade lembro que nos primeiros dias dela eu me levantava depois da mama dela da madrugada as 5, sabia que ela só ia acordar de novo lá pelas 8/9 então aproveitava pra escrever, decupar o que estava se passando comigo naquele momento. Hoje sinto que é sempre que estou sozinha. Criei uma capacidade de me concentrar mais quando estou sozinha. Mas se fico muito tempo sem ter este momento pra mim a escrita sai na hora que precisa sair, no bloco de notas do celular ou enquanto cozinho. Não tem muita regra. Só preciso arranjar um suporte pra anotar aquela primeira ideia e depois desenvolver melhor.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Um pouco todos os dias. Na verdade eu sinto que estou sempre escrevendo na minha cabeça. No banho, cozinhando, enquanto estou com a minha filha. Tento manter sempre um caderno/ diário mas é mais uma prática pra me deixar sã do que uma prática de aperfeiçoamento da escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como eu sou designer eu tenho um processo que perpassa muito pela metodologia do criar fazendo. Não consigo saber que minhas notas estão espalhadas em cadernos, documentos de word e blocos de notas. Então quando percebo que já tenho um material flutuando há muito tempo percebo que é hora de criar um arquivo no meu indesign. E aí vou brincando. Edito. Corto. Escrevo novas coisas. Separo em capítulos. Pesquiso mais. Vou beber na fonte dos meus escritores favoritos, bucas epígrafes, notas de rodapé. Espremo o tema, tudo o que posso dele. Abro muitas abas que não veem apenas em escrita, vem em imagem também. Eu sou muito visual. Então quando vejo que tudo aquilo que estava flutuando agora tem uma cara, um nome, uma plataforma, sinto meu coração mais calmo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que ninguém lida muito bem né? Mas o que me ajuda muito nas travas é procurar inspiração, procurar escritores com os quais eu me identifique, tô falando até de biografia mesmo, claro, procurar um tema que me inspire e pesquisar quem escreveu sobre este tema. Já sobre procrastinação eu confesso que depois que virei mãe e ainda mais uma mãe em tempos pandémicos eu comecei a ser muito mais eficiente e produtiva com o mínimo de tempo que tenho. A procrastinação deu uma desaparecida desde então. Já sobre corresponder as expectativas…. Acho que virar mãe também virou isso do avesso. Antes da gente parir já tão julgando a gente né? Então eu abracei este desagrado que as decisões maternas acarretam e levei ele pra minha escrita. Se eu escrever um “a” já posso estar desagradando 40% das pessoas, 70%? Então melhor escrever logo o que eu quero. Já basta de silêncio. Minha experiência faz de mim a escritora que me tornei, vou desagradar de qualquer das maneiras, então que venha o que tenho pra dizer.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu mostro! Inclusive antes de eu lançar o meu primeiro livro “Acidentes Tropicais” pela Editora Quelônio em 2019 eu fiz 4 rodas de leitura pra fazer uma grande revisão do livro. Veja, era pra ouvir as minhas palavras na boca das outras pessoas. Queria ver elas ganhando corpo, entrando no corpo alheio e reagindo com a história daquela pessoa. Foi a melhor coisa que fiz até hoje. Foram 4 leituras, a primeira no Porto (Portugal), a segunda em São Paulo, a terceira no Rio de Janeiro e a última em Niterói. Cada uma com sua especificidade mas todas com muita intensidade. Depois que lancei meu livro até nem achei tanta graça, claro que foi emocionante mas essas leituras foram pra mim o lançamento do “Acidentes”.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende de como vem o gatilho, rs. Eu inicio no plataforma que tiver em mãos. Caderno, pedaço de papel, bloco de notas. Mas edito, organizo e reflito, rs no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu acho que sempre fui muito curiosa e observadora. E apaixonada. Acho que isso é uma coisa muito importante pra referenciar aqui. A maioria das coisas que realizei nessa vida nasceram de uma paixão criativa muito grande. A paixão me dá tesão pra finalizar o que comecei, me dá energia pra ir atrás de referências, me dá foco, me dá um corpo pra produzir. Acho que pra mim criatividade está essencialmente ligada ao meu corpo, a minha fertilidade, no entanto que o meu primeiro livro foi lançado quando eu estava grávida e o meu segundo livro um dia antes da minha filha nascer. Os meus “produtos” criativos, e incluo a minha filha nisso nasceram de grandes paixões. E na vida a gente só cria quando consegue estabelecer esse diálogo entre paixão, corpo e produção.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tenha calma. Acho que fui sempre corajosa, mas nunca tive muita calma. Coloco uma coisa na cabeça e quero realizá-la a qualquer custo. Acho que poderia revisar mais, ter mais calma, ser mais perfeccionista. Mas ao mesmo tempo se eu tivesse ido por esse caminho se calhar eu não teria publicado né? Coragem é antónimo de perfeccionismo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu queria escrever um romance! Ter paciência, tempo e dedicação pra conseguir entrar numa transe de meses e parir um romance. Eu sinto que tenho tanto a dizer ainda, tantas personagens que estão prontas pra nascer mas que ainda não consegui me dedicar. Acho também que sou curiosa com o romance. A poesia está em mim e nunca deixarei de ser poeta, mas queria muito me arriscar em novos territórios. Já fui também pelo caminho da escrita académica e agora tenho exercido muito a edição e curadoria com a oficina de escrita línguamãe que estou ministrando com a minha sócia cacau araújo. Mas vou deixar aqui pro universo ouvir, gostaria de escrever um romance. Vai que ele ouve e me dá tempo, $ e oportunidade. Seria incrível a experiência.