Gabriel Rocha Furtado é Chefe do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Piauí.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu me considero uma pessoa com permanente tendência a se desorganizar. Portanto, criei e tento manter e aprimorar um método pessoal que me permita ter boa produtividade nas minhas atividades pessoais e profissionais. Paradoxalmente ou não, o meu nível de concentração aumenta quanto menos tempo livre tenho. Se olho para a minha programação semanal, que é feita sempre aos sábados, para a semana seguinte, e vejo que terei muito tempo livre, tento encaixar compromissos ou realizações de metas que me forcem a permanecer com um senso de responsabilidade de que preciso cumprir tarefas. Caso contrário, tendo a relaxar e acabar por desperdiçar tempo com irrelevâncias. Assim, tenho por hábito repetir uma rotina diária: levanto por volta de 7h ou 8h, tomo um café com leite, zero a caixa de e-mails e faço atividade física durante uma hora e meia, em média. Tenho preferência por começar o dia desta forma, sem compromissos profissionais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Durante a maior parte da infância e juventude, estudei na parte da tarde. Isso fez com que eu desenvolvesse o hábito de aproveitar a noite e a madrugada para estudar e trabalhar. Não sei se biologicamente tendo a ser notívago ou se me acostumei a essa escala de horários ao longo dos anos. Como acordo um pouco mais tarde que o costumeiro, minhas manhãs são mais curtas. Além disso, não sinto que eu esteja com o corpo e a mente “aquecidos” logo ao despertar, mas somente após a prática de atividade física. Por isso, sinto-me mais apto ao trabalho após o almoço, sem problema para estudar e trabalhar até a madrugada, se preciso. Digamos que eu acorde frio e vá esquentando ao longo do dia. Quanto à minha preparação para a escrita, eu gosto de ambientes silenciosos e sem movimentações para melhor concentração. Assim, costumo me trancar em meu gabinete de estudos, que fica na minha própria casa, e começar a ler ouvindo o álbum “Dark Side of the Moon”, do Pink Floyd, em fone de ouvido. Isso faz com que me desligue do mundo exterior e me concentre no texto a ser escrito. Como o disco tem por volta de 45 minutos de duração, também faz com que eu me adapte a uma periodização de trabalho e pequenos intervalos de descanso, nos quais ordinariamente tomo um café ou faço um pequeno lanche.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu preferiria escrever um pouco todos os dias, mas infelizmente mais corriqueiramente escrevo meus trabalhos acadêmicos em períodos concentrados. Digo infelizmente pois sinto que o processo é física e espiritualmente mais desgastante. Porém, a mim funciona desta forma pois é como consigo manter alta concentração e, assim, dar maior coerência à minha linha de raciocínio. Quanto a uma meta, procuro fazer uma média de quantas horas precisarei para completar o trabalho, geralmente calculada com base no número de páginas que deve ter. A partir disso, vejo quantos dias serão precisos e, então, calculo uma média de quantas páginas devem ser escritas por dia a fim de que o cronograma seja cumprido.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Invariavelmente parto do sumário. Uma vez pronto, transfiro para o arquivo definitivo do texto com a formatação desejada, insiro sequencialmente os extratos das ideias que buscarei desenvolver, enxerto as notas de rodapé selecionadas e, finalmente, escrevo o meu texto. A primeira frase é sempre a mais difícil. Antes dela, há nada. Depois, um texto já parcialmente construído. Por isso, romper o estado inicial da inércia é o maior obstáculo a ser superado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que o melhor é tentar evitar pensamentos que possam fortalecer sensações ruins, como a ansiedade e o medo. Por certo, é praticamente impossível não passar por momentos de angústia e dúvidas sobre, por exemplo, a qualidade do trabalho final e o cumprimento do prazo. Quando isso ocorre, procuro fazer uma pausa e descansar a cabeça com atividades agradáveis, como brincar com meu filho, ver algum programa esportivo na televisão, fazer uma corrida ou ler algo não jurídico.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu habitualmente leio apenas uma vez os meus textos, fazendo correções ortográficas, gramaticais e de estilo, e envio para alguns amigos fazerem a revisão. Após, faço as alterações estruturais de melhoramento sugeridas e deixo o texto parado alguns dias, procurando me afastar emocionalmente dele. Então, depois de algum tempo, faço uma última leitura e o submeto à apreciação do veículo desejado. Normalmente não gosto de reler o que escrevi. Por vezes, chego a me achar até um pouco ridículo. Quanto mais leio algo que escrevi, mais desgosto. Por isso, não faço muitas leituras depois de finalizado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Embora não me considere um perito ou um curioso da tecnologia, procuro utilizar ao máximo as ferramentas que otimizam o meu tempo e me ajudam na organização. O computador é uma das maravilhas do mundo contemporâneo justamente por nos permitir reunir em um mesmo aparelho um sem número dessas ferramentas. Sempre escrevo meus textos diretamente no computador, do começo ao fim. Uso um caderno de apoio, mas apenas para fazer fichamentos ou escrever rapidamente ideias que considero importantes quando não estou com o computador ligado. Para essa última função, também utilizo aplicativos de integração online com o celular. Assim, é possível não deixar passar ideias que talvez sejam úteis em textos futuros mesmo que se esteja no trânsito, na espera de uma consulta médica, numa livraria, etc.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm principalmente das leituras. Não me considero uma pessoa criativa. Vejo-me mais como alguém descritivo. Dessa forma, as ideias estruturantes dos meus textos partem da revisão bibliográfica e almejam estabelecer um diálogo com os textos lidos. Certamente há momentos de estrita criatividade, dos chamados “estalos” ou “insights”, mas não os considero como epifanias, senão como produtos de um processo silencioso e, talvez, inconsciente, de maturação da bibliografia lida. Ou seja: quanto mais leitura, mais ideias. Fundamental para o Direito, como ciência social aplicada, também é a observação da realidade circundante, buscando-se descrever os conflitos sociais para compreender as suas origens e, quem sabe, propor soluções factíveis e eficazes.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Possivelmente a principal mudança tenha sido a consciente orientação de tentar ser cada vez mais claro e objetivo. Tenho por valorosa a capacidade de se transmitir linearmente uma ideia, de modo simples (não simplório) e sucinto. Há uma diferença entre compreender um fenômeno complexo e explicá-lo de modo simples. Isso não necessariamente resultará em soluções simplistas ou simplórias. Há elegância na escrita curta e direta. É essa a habilidade que tenho tentado desenvolver nos últimos anos. Quanto à minha tese, algo que certamente alteraria seria o meu cronograma. Foi um processo mais demorado e doloroso do que eu inicialmente supunha. Por isso, teria incluído no meu planejamento mais horas contingenciais para a eventualidade – que ocorreu – de precisar batalhar para bem descrever um conceito, uma corrente de pensamento ou uma ideia. Em resumo: teria dado mais flexibilidade no meu plano de escrita.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho aspiração de algum dia escrever um curso de direito civil, abarcando todos os seus ramos. Mas esse projeto não tem data para começar nem para terminar. Acredito que isso seja tarefa a ser realizada quando já na maturidade acadêmica, após se ter enfrentado temas diversificados, participado durante muitos anos de um programa de pós-graduação e vivenciado intensamente a prática forense. Não me vejo nem perto disso ainda. Portanto, é um projeto que por enquanto está apenas no plano das ideias. O livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe, e nunca existirá, seria algo como uma biografia do universo; talvez o título fosse “A História de Tudo”.