Gabriel de Santis Feltran é professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Correndo para levar as crianças para a escola! Normalmente escrevo no horário comercial, por viver uma rotina familiar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho intelectualmente melhor pelas manhãs. O dia de trabalho termina para mim por volta das 18, 19 horas. A única coisa que tento fazer, como agora estou fazendo, é tirar da frente as tarefas que se nos apresentam a cada dia, para ter a cabeça mais focada na escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quando posso, dadas as tarefas infinitas de alguém que é professor universitário, orientador, mora numa chácara e tem filhos vivendo em casa. A escrita dificilmente consegue deixar essas outras tarefas esperando, porque quase sempre alunos, filhos e árvores que caem demandam providências mais urgentes. Não tenho meta de escrita diária. Mas sem dúvida funciona melhor para mim escrever em períodos concentrados, como semanas, e mais longos a cada dia. No final, esses dias passam muito rápido.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Normalmente elaboro um roteiro inicial da escrita, e começo pelo começo. Perco dias nas primeiras páginas de cada texto, porque é quando a embocadura analítica se desenha. Os meus textos têm formato quase sempre canônico: o miolo tem a demonstração da tese anunciada no início, e as conclusões a retomam. As notas, os conceitos retirados do material de campo, de pesquisa, normalmente ocupam esse miolo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Essa é a pior parte. As coisas parecem que não vão dar certo. Mas não sei como, acaba funcionando.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso dezenas de vezes. O Theodor Adorno, num texto curtinho que está no Minima Moralia, chamado Atrás do Espelho, diz entre muitas coisas importantes para o escritor que nenhuma revisão é demasiado pequena para que não se deva fazê-la. Um conjunto de insignificâncias corrigidas coloca o texto em outro patamar. Eu concordo integralmente com ele.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Rascunhos, roteiros e esquemas sempre à mão. Toda a redação seguinte eu faço no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm da experiência cotidiana e da observação das interações com as pessoas. Gosto da ideia de um paradigma indiciário, de pequenos fragmentos significativos, que podem conter em si uma reflexão mais abrangente. Eu sou um etnógrafo, e gosto de ler o Simmel, então não poderia ser diferente. Mas é claro que as leituras também ajudam muito qualquer escritor. No meu caso, como gosto de textos e períodos curtos, a leitura de poemas sempre me foi de muito aprendizado.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Eu escrevia muito mal até terminar a graduação. Não tinha prática, não usava muito a escrita na minha área de formação inicial. Eu tinha outras formas expressivas como meio de comunicação, sobretudo o desenho. Então foi pela profissão de cientista social que comecei a escrever, e sinto que tenho desenvolvido a minha redação a cada dia. Se pudesse voltar à minha tese, escreveria metade do que escrevi, com argumentos mais precisos. Ao menos acho que seria capaz disso, atualmente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vários projetos de livro em andamento. Agora, nesses dias, escrevo um livro sobre o PCC para público não acadêmico; ao mesmo tempo, tenho um livro em inglês de meu trabalho de pesquisa na última década – sociologia urbana. Finalmente, há uma coletânea, também em inglês, sendo preparada com uma colega alemã, sobre os paradoxos da ação estatal entre os grupos marginalizados. Mas os planos para o futuro são de textos mais curtos, com possibilidade de comunicar ideias de pesquisa a públicos não necessariamente especialistas. Algum dia, gostaria também de escrever ficção.