G. R. Slivar é escritora, autora de “Todos a Bordo”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu gosto de tomar meu café da manhã sem pressa. Moer o grão, sentir o cheirinho que exala do coador… Me sentar à mesa sem pensar no tempo que escapa por entre os dedos. Claro que nem sempre isso é possível. Às vezes a rotina de fora teima em invadir a daqui de dentro e é preciso se adaptar. Mas não deixo a pressa virar um hábito e, com o coração batendo no ritmo certo, as outras coisas acham também o seu lugar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sinto que as noites e as madrugadas são melhores para pensar. Enquanto as manhãs, melhores para escrever. Deixo meu computador frente a uma janela onde, bem cedinho, são apenas os pássaros que cortam o meu silêncio. É o momento em que posso me concentrar sem grandes interrupções e passar para o papel as anotações e as ideias da noite anterior. Costumo também escolher uma música que caracteriza a história que estou prestes a contar. Por exemplo, enquanto escrevia Todos a Bordo, um livro que fala sobre imigração, pressão social e poder, deixava tocar uma música do Thomas Newman que, para mim, evocava todos os sentimentos que eu pretendia passar às personagens. E então, próximo parágrafo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tenho uma meta de palavras diárias, mas sexta-feira é o meu dia coringa. Se eu tive um contratempo em algum outro dia, é na sexta-feira que eu tiro o atraso. Mas, se eu consegui escrever tudo aquilo que me propus a criar, então a sexta-feira é a minha celebração, o meu descanso. Dia de higiene mental e compromissos menores. Apesar de a minha meta me ajudar a ter um plano claro, é importante dizer que não a deixo tão rígida. Aceito que em alguns dias, preciso pensar mais e escrever menos e, em outros, tenho coisas a dizer que ultrapassam a contagem de palavras. E tudo bem.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Para mim, as ideias surgem de qualquer lugar e, às vezes, de lugar nenhum. Dia desses, acordei no meio da noite com uma frase na cabeça. Me levantei, escrevi um poema inteiro e voltei para a cama. Costumo também anotar os meus sonhos, narrativas estranhas ou frases soltas que podem servir como inspiração para começar uma nova história ou enriquecer a que já está em andamento. Gosto muito da noção de um realismo mágico, a verdade sob uma ótima inusitada e diferente, e para isso a pesquisa é fundamental. Em meu último livro, fiz pesquisas profundas para entender as rotas de fuga de países como a Síria, as armas usadas por terroristas, o passo a passo na fabricação de uma bomba. Páginas de pesquisa às vezes se consolidavam em um único parágrafo, mas isso dava à história a veracidade exigida.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que esse é um processo sem fim. A arte, seja em forma de música ou pinturas ou palavras, é subjetiva e então as barras de avaliação são oscilantes. A gente sempre se questiona, duvida, passa por momentos em que acredita que não é capaz. Mas criar é estar em constante evolução, sua voz muda com os meses, você passa por coisas que abrem portas novas e te apresentam a jeitos de pensar que antes não se faziam presente. Em tempos de inconstância, a minha âncora é saber que sempre posso chegar até o final e que, depois desse final, tudo o que vier é só mais um começo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu odeio revisar os meus trabalhos. Faço isso uma vez só e conto com revisores para me ajudarem. O que gosto de fazer é compartilhar meu manuscrito com leitores potenciais de perfis diferentes – diferentes gêneros, idades, profissões – e então peço para que eles me contem o que sentiram com a história. Não o que acharam, mas o que sentiram. Quais emoções foram resgatadas, é isso o que eu quero saber. Se a maioria deles me aponta uma dúvida ou um desconforto estrutural com um trecho específico, sei que preciso revisitá-lo. Mas, quando a maioria me aponta ansiedades e tensões relacionadas à pontos comuns na história, descubro meu ponto forte.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A nuvem é minha melhor amiga! Depois de já ter perdido várias anotações (algumas ainda hoje encontro por acaso em visitas não programadas ao porão), escrevo no computador. Nele fica mais fácil acompanhar a minha meta de palavras diárias e fazer pesquisas simultâneas. Sem contar que a memória dele é muito melhor do que a minha. Claro, os meus milhões de cadernos ainda vivem e uso eles de formas diferentes. Mas sempre como meio de inspiração, nunca de produção. Tenho um caderno dos sonhos, um de poesias, um de desenhos, e por aí vai. E tudo se une aqui, numa telinha digital.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Referências. É preciso estar atento ao que acontece a sua volta hoje, às vozes do passado e aos vislumbres do futuro. Quando vejo a sinopse de um filme ou de um livro sobre um assunto que não me interessa nem um pouco, sei que é ele que preciso ler ou assistir. É assim que eu me amplio, que eu descubro vozes e narradores. Se colocar no lugar do outro é um exercício difícil e constante que faz um bem danado para a humanidade como um todo, mas também para as histórias que você anseia contar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Como disse, acredito que a evolução é constante. Comecei a escrever profissionalmente aos 15 anos, quando fiz meu primeiro estágio em uma agência de publicidade pequena no bairro onde eu morava. De lá pra cá, muita coisa mudou, muita coisa aconteceu, muita coisa me formou e ainda forma. Tudo – de crenças à relacionamentos, de projetos novos às despedidas – fez parte (e ainda faz) do meu processo de amadurecimento criativo que está longe de terminar. Aliás, espero que ele nunca termine porque deve ser chato demais chegar a um ponto na vida em que se acredita que não há mais nada para aprender. Nunca acreditei em destino, por isso não diria a mim mesma do passado que as coisas têm um determinado tempo para acontecer. Diria apenas o que preciso me dizer ainda hoje: um dia de cada vez.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria muito de voltar às minhas raízes no cinema como roteirista. Algo que ainda não fiz, apesar de ter muita vontade, foi escrever um curta de animação. A ideia até já existe, agora é dar um jeito de colocar no papel e depois tirar dele. E sobre o tal livro que ainda não existe… seria muito errado dizer que é este que estou agora terminando de escrever? Se for, me desculpem, mas estou naquela fase de empolgação ao final de um projeto que é difícil de conter.