Frodo Oliveira é editor, contista, poeta, revisor e compositor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Olha, às vezes eu nem começo… Risos! A maior parte do tempo, minha rotina matinal é dormir, porque passei a noite inteira trabalhando. Em média, me deito às quatro da madrugada, algumas vezes às seis ou sete da manhã. Umas poucas vezes eu consigo deitar mais cedo, mas provavelmente nunca antes de meia-noite. Sou notívago por natureza, gosto do silêncio da noite para trabalhar e para escrever – e digo isso com a total consciência que trabalho e escrita são coisas bem diferentes para mim. Quando escrevo, eu não trabalho, eu me divirto. Outra coisa, sou inimigo mortal de tudo o que que se aproxime de uma “rotina”. A rotina mata qualquer coisa, de casamentos à criatividade. Positivamente, na minha opinião “rotina” e “criatividade” estão em lados opostos. Quer ser criativo na sua escrita? Saia da rotina. Viva, viaje, encontre os amigos, vá à praia, se divirta. Não há bloqueio criativo que resista a uma boa diversão.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como já disse, à noite, mas não que seja uma regra. A melhor hora do dia para se escrever é quando a ideia vem. É aí que você deve estar preparado. Se não estiver na frente do computador, tenha ao menos caneta e papel à mão. Hoje em dia, com a tecnologia, o celular também pode ser um aliado. Há aplicativos de notas ou mesmo o gravador, para anotar e não perder as ideias. E quando você está bem ligado nessa coisa de “ter que escrever”, as ideias podem vir até mesmo num sonho. Já transformei sonhos em contos, e tenho um projeto de desenvolver dois romances de FC baseados em sonhos que tive há muitos anos. Anotei tudo, mas ainda não tive o tempo necessário. Um dia, quem sabe?…
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não, nada de metas. Eu devo ser o escritor mais desligado do mundo, não me preocupo muito com coisas como metas, até porque quanto mais metas você se impõe, mais coisas sem qualidade acaba escrevendo. Escritores meio que são médiuns, a gente pensa que está “escrevendo”, mas na verdade, está psicografando. Psicografando ideias, sentimentos, ações, fatos, psicografando “vida”. Porque está tudo aí, na nossa frente. Aquele que é bom observador, que sabe captar os fatos do dia a dia sob as lentes da ficção, nunca fica sem tema para escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo de escrita é justamente não ter processo de escrita… Risos! Eu admiro e respeito aqueles que conseguem sentar-se numa cadeira, descrever seus personagens e ambientes em detalhes antes de começar, de fato, a escrever sobre eles, aqueles escritores que planejam tudo passo a passo, que sabem até os títulos dos capítulos antes de começar a escrever. Eu nunca fiz isso. Já até tentei, mas não é a minha praia. Em geral, um resumo é o suficiente para que eu comece a escrever, e eu só faço esse resumo para não perder ou esquecer a ideia. A partir do momento em que me sento na frente da tela do computador, os detalhes da história me vêm como se eu realmente estivesse psicografando. É quase um transe. Às vezes releio histórias antigas que escrevi e tento me lembrar como me vieram aquelas ideias ou palavras, dificilmente eu consigo lembrar onde fui buscar aquela inspiração específica. É algo que eu, realmente, não sei explicar, mas que acontece comigo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Bem, procrastinação é algo real em nosso meio, com tantas “distrações” bem à nossa vista, talvez seja o maior inimigo do escritor nos dias de hoje. É o celular e as redes sociais, é a TV, a correria diária, a gente acaba se distraindo mesmo, é inevitável. O segredo é resolver tudo o que se tem que resolver antes de começar a escrever, assim você pode se dedicar única e exclusivamente à escrita. Já sobre o medo de não corresponder às expectativas, nunca tive. Eu acredito muito que em primeiro lugar, o que vc faz deve ser leve e divertido. Se escrever, para mim, for algo penoso e pesado, eu paro de escrever. Quando a gente consegue se divertir e ficar satisfeito com o que está escrevendo, está bem próximo de agradar aos leitores também, a missão está 95% cumprida. Os projetos mais longos, na realidade, são até mais tranquilos que os projetos curtos, porque te permitem um tempo maior de maturação. Você consegue pensar em várias alternativas sem ter o fantasma da deadlinete perseguindo. Claro, também é uma faca de dois gumes, você não pode relaxar e deixar para fazer tudo no último momento… assim como eu. Hahaha! Pois é, confesso que sou procrastinador por natureza, e aí voltamos ao primeiro tópico da questão. No meu caso particular, a procrastinação é a inimiga a ser derrotada.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso quantas vezes forem necessárias. Não chego a ser tão psicótico com revisão como o Graciliano Ramos era, mas tenho muito cuidado com o que entrego para publicação, já na primeira escrita tento caprichar ao máximo, para que mais adiante não haja muito trabalho com as correções. Não é porque outra pessoa irá revisar o que escrevi que eu vou entregá-lo de qualquer maneira, acho que uma quantidade grande de erros depõe contra qualquer escritor, porque primeiro que tudo, o escritor deve dominar o seu idioma. Lógico que um detalhe ou outro sempre irá passar, somos humanos. Mas eu tento fazer o meu melhor, seja cortando, seja corrigindo, seja acrescentando detalhes após a escrita que ajudem a clareza e a compreensão do texto. Até porque também sou revisor, um erro em texto meu depõe duplamente contra mim.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu me dou bem com a tecnologia. Talvez por ser uma pessoa do século passado, sei valorizar as (muitas) facilidades que o século XXI coloca ao nosso alcance. Sim, eu sou do tempo em que se escrevia textos em papel de pão para não esquecer as boas ideias, e depois se perdia o que escreveu… Risos. Ah, como essa geração atual é feliz… Se na minha juventude já existissem redes sociais, blogs e afins, certamente eu estaria me divertindo muito com as bobagens que escrevi quando era mais novo. Eu sou um adepto fervoroso da modernidade, aliás, me recuso a crer que ainda existam pessoas saudosistas que preferem escrever à mão que numa boa tela de computador. Bom, sempre tem quem prefira o LP ao CD, o CD ao streaming (sim, porque até mesmo uma tecnologia relativamente recente como o CD já está ultrapassada há pelo menos meia década, sabe-se lá o que vão inventar daqui a três, quatro anos…), a máquina de escrever ao notebook. Eu não sou saudosista. Gosto de viver em tempos que, na minha época de juventude, chamávamos de Ficção Científica. São tempos aprazíveis à criatividade para quem souber como utilizar a tecnologia a seu favor.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Mesmo que involuntariamente, sempre temos hábitos para cultivar a criatividade. O principal deles, para qualquer escritor, é a leitura. Leia muito, leia sempre, mantenha-se atualizado. Conecte-se ao que está acontecendo no mundo, não deixe de ler o que já é sucesso, mas, sobretudo, leia e se informe sobre o que está surgindo agora, sobre o que ainda não é muito conhecido. Garimpagem é fundamental em qualquer área da criatividade. Já houve um tempo, lá no início da minha carreira literária, em que eu gostava de ler as páginas policiais dos jornais para ter ideias. Hoje, também é um hábito ultrapassado, mas pode perfeitamente ser substituído pelas páginas dos jornais na internet. Acho a realidade muito “inspiradora”, tanto para o bem quanto para o mal. Há algumas notícias que lemos e pensamos imediatamente: “Meu Deus, que escritor no mundo conseguiria pensar nisso?”. Também já escrevi contos baseados em sonhos que tive. Às vezes, eles me vêm como um filme, lembro até hoje de alguns que ainda não escrevi, apesar de já terem se passado anos de quando os sonhei. Da mesma forma, como já disse lá no início, tentar se manter longe de qualquer tipo de rotina também ajuda a criatividade de um escritor. Sair para passear, encontrar os amigos, viajar, conversar com pessoas, isso tudo mantém sua mente criativa em constante estado de alerta, aberta às novas ideias. Nada de se trancar, se isolar, ficar recluso para ter ideias. Não somos monges, somos cronistas do nosso tempo, precisamos do contato humano para desenvolver nossas ideias e projetos. Afinal, quem “vive” tem sempre o que contar, não é mesmo?…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ah, muita coisa. Eu diria que quase tudo… hahaha! Os processos são diferentes, os meios são diferentes, a tecnologia é diferente, o mundo é diferente, o estilo é diferente, e, principalmente, eu sou diferente. Eu sempre fui muito prolixo, escrevia, escrevia e nunca terminava. Quando a gente é jovem, acha que uma boa ideia precisa de muitas palavras para ser descrita e dana-se a usar adjetivos para tudo. A experiência te ensina a ser mais sucinto, mais direto, menos prolixo. Você vai “cortando” os excessos. Se um autor iniciante me pedisse um bom conselho hoje, eu diria: “Filho, nada de trilogia no início”… risos! Escreva um livro médio, nem grande demais, nem pequeno de menos. Trilogias são para escritores estabelecidos, não para quem está iniciando na literatura, que nem sabe se vai conseguir publicar o primeiro livro. A prolixidade enterra muitas carreiras literárias de futuro, porque o escritor iniciante vê que todos os famosos escrevem trilogias e acha que deve escrever uma também. Por favor, não faça isso. Pense seu projeto inicial como um livro, com início, meio e fim. SE você conseguir publicá-lo, SE ele for um sucesso razoável, SE lhe for permitido publicar outros livros, aí sim, você terá tempo de sobra para escrever uma trilogia.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Posso responder à pergunta com uma única resposta: há tempos tenho um projeto de escrever um romance de FC apocalíptico baseado em um sonho que tive muitos anos atrás. Ele fala dos dias finais da Terra, quando restam poucos meses para a completa extinção da raça humana, e todos andam à procura de prazeres imediatos que substituam a falta de esperança em uma salvação que não virá – ao menos para a grande maioria da população, que não tem condições financeira de fugir do planeta e escapar à destruição final. Nunca anotei nada a respeito da história, mas consigo me lembrar de todos os detalhes do sonho, está me faltando apenas tempo para colocar no papel – ou na tela do notebook, como seria mais de acordo. Também quero dar continuidade às publicações das antologias temáticas que organizo e edito, numa parceria do selo editorial que dirijo, o Fantastic, com a Autografia Editora, e que tem revelado muita gente boa nos gêneros de fantasia, terror, FC e policial.