Frei Betto é escritor e teólogo, ganhador de dois prêmios Jabuti de Literatura (1982 e 2000) e Doutor Honoris Causa em Filosofia pela Universidade de Havana (2015).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Reservo 120 dias do ano para escrever. Não são seguidos mas são sagrados. Levanto muito cedo, pois sou mais criativo pela manhã. Escrevo até sentir fome, por volta de 14h. Faço o meu almoço, uma breve sesta e volto a escrever. Ao cair do sol, passo a ler ou ver o noticiário na TV. Aproveito também esses dias para orar e meditar um pouco mais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como disse acima, trabalho melhor pela manhã. Sou matutino… Como tenho sempre artigos a escrever, pois colaboro com vários jornais, e livros a adiantar, escrevo primeiro à mão e em seguida passo para o computador.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sim, escrevo todos os dias, mesmo quando estou fora do meu retiro literário. Escrevo em aeroportos, durante uma reunião chata, na espera do dentista etc. Escrever é, para mim, um prazer, nunca um sofrimento.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Uno as duas coisas. Levei 13 anos para terminar de escrever meu romance sobre a história da colonização em Minas, “Minas do ouro” (Rocco). Pesquisei 120 livros. Enquanto pesquisava, criava. O difícil é encontrar o “sotaque” do texto. E o mais prazeroso é, ao final, imprimir-lhe sabor estético.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Após milhares de textos curtos, sobretudo artigos, e 62 livros escritos, já perdi qualquer medo. Claro, ocorrem travas. Então aguardo as musas e reescrevo de outra maneira o que vinha fazendo. Nunca tenho pressa de terminar um livro. Mas como dizia Paul Valéry, um romance não se termina, se abandona…
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso os artigos umas três ou quatro vezes. Já os livros envio os originais para amigos familiarizados com o tema da obra e que sei que farão críticas sem concessão.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Primeiro à mão, em seguida no computador. Encaro o computador como uma máquina de escrever mais ágil… e que contém dicionário e enciclopédia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sou movido à utopia. Trabalho com movimentos sociais e isso me estimula nas ideias. Sou crítico contundente do capitalismo e isso me norteia. Já as obras de espiritualidade decorrem de minha vivência de fé em contato com grupos cristãos, e os romances são provocados pelos anjos e demônios que me habitam.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Teria mais cuidado com a revisão, menos pressa para entregá-los à edição e mais pesquisas para enriquecê-los.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever um romance sobre a história das revoltas e revoluções brasileiras. Atualmente trabalho em dois outros romances, porém nunca revelo seus temas antes de terminá-los. Conservo essa superstição…