Frederico Toscano é escritor, doutorando em História pela USP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Como sou bolsista de um doutorado em História pela USP, minha rotina costuma girar em torno da minha pesquisa. Sendo que, no final das contas, tudo acaba se resumindo à escrita quase o tempo todo, especialmente agora que estou na fase final, dando os últimos retoques à minha tese. Assim, costumo simplesmente sentar e escrever, independente da minha disposição, uma vez que eu literalmente ganho para isso. Há prazos a obedecer, uma banca para julgar meu trabalho, etc.
Já a minha escrita ficcional se encaixa no tempo que a minha escrita não-ficcional permite, o que costuma não ser muito. Não tenho qualquer rotina estabelecida para ela, é quase sempre algo de momento, espontâneo e oportuno.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não sinto que tenho um horário mais produtivo. Tenho momentos mais produtivos, mas eles independem da hora do dia ou da noite. Também não creio possuir qualquer ritual específico. Para minha tese, claro, preciso me preparar bastante, já que é uma escrita científica, controlada. Preciso ter minhas anotações e fontes à mão.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Para a minha escrita científica, eu dedico várias horas ao dia, mas não tenho uma meta específica. Eu preciso respeitar os prazos estabelecidos, o que quase sempre faço, já que costumo escrever com rapidez.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Passar das anotações e fontes para a escrita para mim é um processo muito simples. Eu organizo tudo de uma forma que eu preciso apenas decidir de que forma eu vou abordar aquele assunto específico e daí sigo em frente, atentando para as teorias históricas e metodologias que decidi e/ou preciso empregar.
Também faço algumas anotações para a minha escrita ficcional. A quantidade delas vai depender do gênero. Me interesso pela literatura fantástica em suas variadas vertentes e alguns gêneros pedem mais detalhes que outros. Geralmente, faço algumas anotações quanto a personagens, cenas e à estrutura geral da história, bem como os rumos que quero que ela tome (mesmo que eu não a obedeça depois). Já uma história de ficção científica, por exemplo, quase sempre demanda um pouco de pesquisa, de forma a torna-la verossímil (ainda que essa verossimilhança precise funcionar em favor da narrativa). Mesmo um conto muito curto, de poucas páginas, pode exigir uma quantidade exaustiva de informações, ainda que nem todas fiquem evidentes para o leitor.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não costumo sofrer muito com essas travas, especialmente com a escrita científica, uma vez que tiro meu material de fontes que já foram pesquisadas previamente. Em termos de ficção, elas são um pouco mais comuns. Quando ocorrem eu geralmente paro e descanso. Realizar atividades não ligadas à escrita (como tomar banho ou exercícios físicos) costuma me distrair e levar minha cabeça às soluções que eu preciso. Não costumo procrastinar, ao contrário: posso ser focado demais. Eu infernizei meu orientador de mestrado entregando capítulos mais rápido do que ele conseguia revisar. Não costumo ter prazos para a minha escrita ficcional, mas sofro de uma certa ansiedade. Portanto, muitas vezes começo projetos mais longos e os deixo pela metade do caminho, para retomar ninguém sabe quando. Talvez se eu possuísse um editor no meu pé, fazendo o papel de um orientador, eu me sentisse mais compelido a terminar o que comecei em vez de partir para outro projeto. Quando às expectativas, elas sempre vão existir e é normal que seja assim, desde que elas não impeçam o escritor de produzir. Há dias em que sinto que poderia levar dez Jabutis para casa. Noutros, me convenço que sou um fracasso e que logo as pessoas vão perceber a fraude que eu sou. Há dias bons e dias ruins e eles vão ocorrer na escrita, mas também independente dela, afetando-a.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso o que escrevo enquanto vou escrevendo. Acho que a maioria das pessoas não faz isso, mas tenho o hábito de escrever, parar, ler o que acabei de escrever, reescrever e, se satisfeito, seguir em frente. Claro que sempre faço uma revisão geral do trabalho pronto, mas costumo realizar micro revisões o tempo todo enquanto trabalho, às vezes frase a frase.
Não sou tímido quanto à minha escrita e sempre procuro mostrar às pessoas meus textos. O problema maior é encontrar pessoas dispostas e com tempo para tanto. Costumo atormentar alguns poucos (e pacientes) amigos com minhas ficções curtas. Minha escrita científica eu deixo para meu orientador e colegas da área.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre uso o computador. Minha letra é horrível e praticamente ininteligível, se eu escrevesse à mão não conseguiria decifrar nada algumas horas depois de terminar. Um processador de texto agiliza o trabalho, minimiza os erros e a necessidade de revisão gramatical.
Nunca usei uma máquina de escrever. Aliás, mal saberia operar uma, sendo bastante sincero.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Para além do óbvio, que é ler e pesquisar, eu diria que é importante viver. Ou seja, sair, falar com as pessoas, observá-las. Buscar entender suas motivações, objetivos, sonhos e problemas. Não consigo imaginar um escritor sem empatia, incapaz de se colocar no lugar do outro. Desconfio do estereótipo do escritor solitário e isolado. Talvez ele consiga preencher 1500 páginas com seus próprios sentimentos e pensamentos, dando voz ao seu eu interior. Eu não conseguiria. Vou lá fora e escuto. Histórias que observo no cotidiano formam uma espécie de biblioteca dentro de mim, de onde posso tirar personagens e situações. Sou ainda influenciado por outras obras (usando o termo de forma bem abrangente) e nem sempre literárias: pode ser uma fotografia, uma pintura, uma piada escutada no barbeiro, uma notícia do jornal, uma conversa na fila do mercado, uma série da TV ou filme.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Me tornei mais humilde, creio. E espero. Menos afeito a períodos longos demais, vocabulário incomum, a querer impactar o leitor. Me divirto mais com minha escrita.
Diria “Olha, isso tudo está muito ruim. Mas vai melhorar, tenha paciência”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho literalmente dezenas de projetos de ficção, de novelas de ficção científica, coletâneas de contos de horror, quadrinhos, roteiros de filmes. Alguns eu comecei, outros são apenas anotações. Mas mesmo os que estão completos continuam longe de ver a luz do dia. Já lancei dois livros de história, um deles tendo recebido um Jabuti, que é nosso prêmio literário mais prestigiado. Ambos foram projetos desafiadores, mas nada se compara a tentar publicar literatura de gênero no Brasil. Há preconceito e desinteresse das editoras, o que piora pelo fato de o mercado de livros estar em crise no mundo todo. Além de tudo isso, os leitores de literatura fantástica são habituados a autores estrangeiros e costumam ser desconfiados e até resistentes ao material nacional. Apesar disso, sigo escrevendo literatura de gênero, em parte por gosto pessoal, em parte para escapar da rigidez e do realismo acadêmicos, em parte por desafio, por uma vontade de ajudar a mudar esse quadro.