Franklin Valverde é poeta, jornalista e professor universitário. autor de “Banco de versos” (Terceira Margem) e “Antes do zoológico” (Patuá).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Você me pergunta sobre a minha rotina matinal, pois bem, levanto meio que dormindo… O meu biorritmo é muito mais vespertino e noturno do que matutino, tanto que em minha vida profissional tenho trabalhado mais à noite e à tarde do que no período da manhã. Tenho dificuldade para acordar cedo e demoro umas duas horas para entrar em sintonia, tempo que aproveito para ler jornal e ouvir o noticiário de rádio. Mas passado esse primeiro impacto, inicio o ritmo e vou direto até o final do dia, procurando cumprir as obrigações que a agenda e o relógio impõem.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou um profissional do texto, seja como jornalista, professor universitário ou como escritor. Muitos dos textos que escrevo são sob encomenda, menos os poéticos e aqueles que são pura ficção. Acredito que, até por ser um pouco lento de manhã, tarde e noite são os períodos do dia em que produzo melhor. Não diria que tenho propriamente um ritual para a escrita, mas é fundamental você formar um repertório, como costumo dizer para os meus alunos e alunas. Cada texto que você constrói faz com que um aspecto desse seu repertório entre em ação, dependendo do assunto de que vai tratar. Procuro anotar ideias, frases ou simplesmente palavras isoladas em guardanapos, papéis ou em um caderninho que levo comigo. Agora, com os smartphones, esse processo foi bastante facilitado.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como já disse, sou um profissional do texto, muitas vezes para cumprir os prazos de entrega tenho que escrever em quantos períodos for necessário. Os jornalistas trabalham muito pressionados pelos horários de fechamento e esses acabam impondo-se como meta. Já para os textos de ficção não tenho estabelecido uma meta diária ou horários definidos. Isso irá depender muito do que quero construir, podendo tanto escrever só uma palavra como várias páginas em um mesmo dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Costumo brincar que os textos todos já existem e estão soltos por aí, vagando pelo espaço. Você só tem que sintonizar e captá-los para a sua produção e dar o seu texto final. É uma brincadeira poética. As ideias, os insightsaparecem assim, mas depois é necessário trabalho para se transformar em texto literário. As anotações são importantes, pois servem de startpara o início da escrita. É bem verdade que cada texto que você produz, tem sua própria característica de criação. Ter uma série de notas antes de iniciar seu trabalho é recomendável, não só na literatura, mas principalmente se você está fazendo jornalismo ou algum texto acadêmico.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas na escrita podem aparecer principalmente quando se faz ficção. Querer fazer algo que seja inesquecível, que supere tudo o que já foi feito, pode ser um complicador, pois isso acaba travando e, às vezes, limitando o seu processo de criação. O melhor é você não ficar muito preso a esse tipo de cobrança, simplesmente produza, escreva e reescreva, aperfeiçoando o seu texto.
Já com os textos jornalísticos – e também em certa medida com os acadêmicos – pode acontecer a cobrança dos prazos, das obrigações que você assumiu para entregá-los na data estipulada. Isso faz você esquecer o que é procrastinação, o que é ansiedade e também faz esquecer se vai corresponder às expectativas ou não, simplesmente você trabalha para fechar e entregar. Muitas vezes, como se diz no jargão jornalístico, “fecha-se com o que se tem na mão”, pois o prazo fala mais alto.
De qualquer forma, podemos sintetizar que o grande segredo é procurar sempre fazer o seu melhor possível, seja uma frase para ser escrita, seja uma grande matéria, um poema, um microconto, seja lá o que for; escreva sempre procurando fazer o seu melhor, mas sem ser escravo da perfeição. Pode até colocá-la como meta, mas não seja dominado por ela.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quantas vezes forem necessárias. Agora, como você sabe quantas vezes são necessárias? Em uma das tantas aulas de redação que tive em minha vida acadêmica, lembro que um professor disse: “Escreva o que quiser escrever, mas antes de passar adiante, leia e, se for possível, tente ler em voz alta ou leia de uma forma com que consiga ouvir a sua própria voz, mesmo que seja em silêncio. Se esse texto que você está lendo, ‘descer quadrado’ pelo seu ouvido, descarte, porque as outras pessoas também não vão achar bom esse texto.” Outros dizem que devemos nos distanciar no texto, fazendo de conta que não fomos nós que escrevemos e sim outra pessoa, tentando procurar os seus defeitos. Se essa leitura correr de uma maneira fluida e agradável, então é sinal que esse texto está pronto para ir a público. É sempre bom termos interlocutores para nossos textos, pessoas que tenham um espírito crítico e possam apontar problemas ou algo que não ficou muito claro. Em geral, esse papel é desempenhado pelo editor ou editora.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma boa relação com a tecnologia, gosto dela, pois ajuda você a trabalhar melhor. Quando comecei no jornalismo, usava a máquina de escrever, as famosas olivettis. Para alguns eram tempos românticos, sentem a falta da sinfonia do tec-tec-tec que elas faziam. Mas eu não quero voltar para esse tempo. Adoro o computador que ajuda muito na redação, seja de que texto for. Na produção literária, escrever em guardanapos de papel é muito prazeroso. A caneta vai desenhando, pois não dá para você correr com ela nesse papel, e assim letra a letra vão sendo formadas as palavras, indo às frases e delas às histórias, construindo os seus rascunhos. Depois, é só ditar para um desses aplicativos de voz e dar o texto final no computador. Já a elaboração dos textos jornalísticos e acadêmicos é diferente daqueles de criação literária. Escreve-se direto no computador, até porque muitas vezes não há tempo para rascunhos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Muito de sua criatividade está ligada ao seu repertório; isso é fundamental, temos que investir constantemente nele. As ideias vêm das mais variadas maneira e locais: debaixo do chuveiro, que é um lugar em que você está bastante relaxado; andando pelas ruas, nos transportes coletivos, visitando exposições de arte, vendo filmes, a tevê, o rádio, ouvindo as pessoas e lendo, lendo tudo o que é possível. É assim que se constrói o repertório, combustível fundamental para o desenvolvimento da criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O processo de desenvolvimento da escrita é constante. Cada dia que passa se ganha mais experiência, somando novas característica criativas ao seu texto. Sobre o que diria a mim mesmo, se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos, diria tudo o que respondi nas questões anteriores, iria ajudar bastante. (risos) Até porque tudo o que respondi é fruto de anos e anos de muita escrita.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Projetos, ideias do que fazer não me faltam… Não vou detalhar muito, mas seria tanto na literatura como no Jornalismo e em outras áreas artísticas. Um deles posso dizer: escrever um livro só de des-contos, gênero literário por mim criado, que é a reconstrução em um microconto de uma palavra desconstruída. Temos uma boa amostra dos des-contos em Antes do zoológico, editado pela Patuá. Que livro eu gostaria de ler e que não existe? Aqueles que eu ainda não escrevi… (risos)