Francisco Rogerio Madeira Pinto é doutor direito pela Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Um dos meus maiores desejos era ser aquele tipo que acorda às seis horas, faz atividades físicas, toma um belo café-da-manhã e às oito horas começa seu dia disposto. Tive professores que eram disciplinados dessa maneira. Acordavam religiosamente às cinco horas para estudar e às oito já estavam na universidade. Durante um período até tentei seguir uma rotina parecida, mas durou pouquíssimo tempo, pois tinha que dormir mais cedo – algo que tenho dificuldade – e verifiquei que ficava cansado ao longo do dia, com queda na minha produtividade.
De modo geral, a minha rotina segue as necessidades de meu trabalho. Concilio minhas atividades acadêmicas com minha função como Oficial de Justiça do TJDFT. Como se trata de uma atividade que não tem horários definidos, aproveito os intervalos para estudar e escrever. Há períodos de trabalho mais intenso que me impossibilitam de escrever por alguns dias um parágrafo sequer. Mas quando posso me dedicar exclusivamente à vida acadêmica – em períodos de licença ou férias – tenho razoável disciplina.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pode-se dizer que trabalho em “horário comercial”. Por volta das 8h30 tomo um café bem básico e vou direto ao escritório. Quando não aparecem demandas familiares – tenho dois filhos pequenos – costumo trabalhar até às 12h30. Dou uma pausa para o almoço e retorno uma hora depois, seguindo até 17h30 ou 18h, quando os meninos chegam da escola. Vez ou outra avanço até à noite, mas minha energia não é a mesma do dia. Com o saudoso professor Emanuel Araújo, do departamento de História da UnB, aprendi que um intelectual deveria seguir uma rotina de trabalho como qualquer outro trabalhador. Para isso deveria chegar em seu espaço de labuta cedo e avançar em suas leituras e escrita por determinadas horas. Tento adotar esse exemplo.
Como pesquiso sobre temas “pesados” relacionados às nossas experiências autoritárias, deixo a parte da noite para desligar um pouco a cabeça, ficar com meus filhos e ver bobagens na televisão. Essa última dica foi-me dada por um amigo da época da graduação em História, Daniel Faria, hoje professor do Departamento de História. Ele me relatou que durante seu doutorado cometeu o “erro” de não ter uma televisão em casa. Por essa razão, “descansava” de sua pesquisa lendo mais ainda. Mesmo que se tratassem de textos mais leves e não relacionados à sua pesquisa, consumiam uma energia mental que só ao final do processo de escrita ele se deu conta. Portanto, “zerar a mente” ao fim do dia deveria fazer parte do processo de trabalho intelectual. Busco fazer isso durante à noite.
Procuro, assim, seguir um pouco a estratégia de alguns intelectuais que admiro. Sérgio Buarque de Hollanda, por exemplo, costumava ler revistas em quadrinhos da Luluzinha para descansar. Sei que isso é difícil, pois é difícil “largar” o trabalho intelectual. As reflexões sobre o que se está pesquisando permanecem mesmo após a definição de que o tempo para essa atividade acabou. Elas aparecem a qualquer hora. Não raro quando estamos tentando dormir. Por isso sempre deixo meu computador aberto nos textos que estou trabalhando. Quando tenho um insight corro para inseri-las. Quando isso não é possível, escrevo no primeiro papel que vejo pela frente ou gravo minhas ideias no celular para depois repassá-las ao computador. Já esbocei textos inteiros por esses meios, principalmente pelo gravador de voz do telefone, especialmente quando estou caminhando ou, irresponsavelmente, dirigindo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Procuro escrever todos os dias, mas por vezes não consigo, por falta de tempo e energia. Também não estabeleço metas rígidas, pois sei que em alguns dias serei mais produtivo que outros, o que gerará uma compensação ao final.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A partir da definição de um tema de pesquisa, busco ler obras gerais sobre o período que vou estudar para ambientar-me a respeito do contexto histórico. Isso se faz de maneira concomitante com a seleção das fontes principais. Depois concentro-me apenas na leitura das fontes primárias da pesquisa. Nessa fase, evito ao máximo ler obras específicas sobre o tema que estou trabalhando. Faço isso para evitar que essas pesquisas possam influenciar minha leitura das fontes e determinar minha interpretação.
A partir das fontes começo a definir as categorias que mais se destacam, separando aquelas que se adequam à proposta da pesquisa. Deste modo, vou delineando os parâmetros do trabalho e já começo uma primeira escrita. Escrevo à medida que leio as fontes, buscando aproveitar a inspiração desse primeiro contato com objeto pesquisado.
Quando já tenho um texto razoavelmente construído e que expressa minhas impressões ou interpretações, passo a ler as pesquisas diretamente relacionadas ao tema pesquisado. Esse método tem suas vantagens e desvantagens. Começando pelas desvantagens, não raro me deparo com análises similares ou iguais às minhas, mas que foram construídas muito antes. Quando isso acontece, procuro inserir essa bibliografia para demonstrar que não fui o único a chegar àquelas conclusões, o que demonstra, por outro lado, que não estava equivocado em meu caminho interpretativo.
A grande vantagem, contudo, está em poder estabelecer uma interpretação “sem vícios” sobre determinadas fontes, estabelecendo-se um esforço em busca de alguma originalidade, por mais efêmera que ela possa ser nas ciências sociais. Também possibilita que se estabeleça um diálogo crítico com obras já construídas, apontando novos meios de se interpretar determinado evento.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Felizmente não tenho essas “travas da escrita”. Meu problema maior é ser prolixo nos textos que escrevo, o que me gera problemas quanto à exigência de textos menores na grande maioria das revistas acadêmicas. Tenho dificuldade em ser sucinto e também em cortar o que escrevo. Sempre peço para algum colega fazer essa dura tarefa para mim.
Quanto à procrastinação resolvo esse problema definindo uma rotina de trabalho. Acordo, tomo café e vou direto escrever ou ler. Para mim funciona, pois é quase impossível ler algo relacionado ao que estou pesquisando e não ter ideias para escrever, nem que seja a transcrição de um trecho qualquer sobre o qual teço alguns comentários. Não se trata, portanto, de inspiração, mas o resultado de uma atividade prática.
Por vezes alguns colegas me falam que estão “travados” na escrita de suas dissertações ou teses. Sempre lhes digo para lerem, seja suas fontes primárias – o mais recomendável – seja obras relacionadas ao tema pesquisado, que a escrita volta. Sempre funciona.
Quanto ao medo de não corresponder às expectativas e ansiedade gerada por projetos longos admito que não sofro muito com isso. Gosto de projetos longos, pois posso deter-me com mais calma e concentração na pesquisa e na escrita. Por essa razão, achei o mestrado mais difícil que o doutorado, pois o tempo de escrita do texto era muito mais curto e havia muito mais disciplinas a serem cursadas.
Em relação às expectativas, estas são mais minhas do que dos outros. Acho que todos iniciam suas pesquisas bem ambiciosos e à medida que o trabalho caminha vamos limando os excessos. Sempre saímos com a sensação de que poderíamos ter construído algo melhor ou maior. Mas hoje sou bem consciente que fiz o melhor que pude em meus textos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo revisar meus textos duas vezes. Uma na tela do computador e outra com o texto impresso. Depois peço para alguém conhecedor do tema ler. Apresentadas as sugestões – que em geral acato – mando o texto para um revisor profissional. A partir daí, abandono o texto, senão ficarei fazendo modificações ao infinito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tento ao máximo escrever diretamente no computador, apesar de considerar que escrevo melhor à mão. Verifiquei que tinha a tendência de descartar os textos que escrevia em meus cadernos de notas. Hoje, procuro reler minhas anotações antes de escrever no computador, mas elas tendem a ser descartadas mais facilmente do que as que estão na tela. E como já disse também costumo fazer “notas faladas” junto ao gravador do telefone.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Parodiando Sartre, as ideias são os outros. Com isso quero dizer que é necessário estar inserido numa ampla rede de discussões para se ter alguma inspiração. Assistir aulas, palestras, participar de grupos de pesquisa, ler artigos, livros, ver filmes, e principalmente, dialogar com pessoas que têm interesses de pesquisa relacionados aos seus.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Venho tentando simplificar minha escrita. Deixá-la mais “modernista”, ou seja, com frases mais curtas, palavras mais simples, diretas, e se possível, fugir de jargões acadêmicos para deixá-la cada vez mais coloquial. Acho que é plenamente possível utilizar e discutir conceitos complexos sem a necessidade de uma escrita rebuscada. Busco mais a clareza dos argumentos do que sua adequação a determinados parâmetros da academia.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de ter energia para voltar a muitos de meus projetos de pesquisa abandonados ao longo do caminho. Em tom de brincadeira, sempre digo que ainda faltam três capítulos a serem escritos de minha dissertação de mestrado defendida há onze anos atrás. Estou com a bibliografia guardada em caixas, quem sabe um dia… Ficaram também algumas ideias de capítulos de minha tese que dariam artigos interessantes. Estou utilizando como estratégia para dar conta dessa minha demanda a busca de cooperação, como, por exemplo, escrever em duplas para dividir e compartilhar ideias.
Quanto aos livros do futuro, não tenho grandes expectativas. Só espero que continuemos nessa busca incessante para entender o porquê das coisas, e isso é simplesmente o fundamento de tudo que se produz intelectualmente.