Francielly de Almeida Moraes é escritora, graduanda em Letras na Universidade Estadual de Santa Cruz.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
De manhã fico muito dispersa e por este motivo gosto de começar o dia meditando. Também costumo fazer uma coisa um tanto quanto “excêntrica e jungiana”: resumo os meus sonhos de forma rápida no google notas. Isso porque costumo ter sonhos lúcidos e longos, e gosto de fazer isso como um exercício de auto percepção e criatividade. Geralmente, eu me dedico as escritas acadêmicas no período da manhã, e pra organizar minhas tarefas, utilizo bastante a técnica pomodoro. Nos intervalos costumo fazer atividades mais lúdicas como escutar músicas; ler poemas, assistir trechos das minhas séries favoritas, isso ajuda muito meu cérebro a se manter criativo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou uma corujinha, definitivamente! Meu cérebro simplesmente funciona melhor no período noturno, principalmente para os textos mais soltos e criativos. Eu não sou uma pessoa que segue estritamente rituais de escrita, sou guiada pela surpresa e imprevisibilidade. Às vezes, acontece de eu ter uma ideia no meio do banho ou no transporte público, porque o relaxamento; o momento que eu desligo o ego um pouquinho é muito frutífero pra minha escrita. Sinto que a autocobrança exacerbada acaba por matar a criatividade, sabe? É como se os nossos pensamentos perfeccionistas deixassem de ser abstrações e se tornassem reais e assombrosos, até perturbadores, eu diria. É a pior prisão, estar preso na própria cabeça e, para um escritor, por mais que hoje se ouça falar aos quatro cantos que não há inspiração e sim trabalho, eu tendo a discordar. Penso que o ócio criativo é extremamente potente e tão importante quanto suar a camisa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Bom; eu escrevo praticamente todos os dias, mas, trabalho com materiais diferentes para finalidades diferentes. Atualmente tenho escrito mais resenhas e textos acadêmicos. Quanto as minhas escritas criativas, algumas poesias eu posto no insta que, aliás, tem sido uma ferramenta intersemiótica incrível. Não sei se tenho bem uma meta, para mim importa mais a experiência da escrita que é sempre diferente, não tenho grandes ambições quando se trata de escrever, minha maior ambição é continuar escrevendo e amadurecer a minha escrita, é continuar olhando com espanto para o mundo, para o quanto eu não sei, para os caminhos que a escrita me leva.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar é sempre a parte mais difícil. A questão é que somos seduzidos, justamente pela configuração social em que estamos inseridos, em acreditar que o produto é o mais importante, e daí vem aquela angústia do começo. O começo é o momento que eu mais me julgo, que eu mais coloco barreiras imaginárias no caminho, é o momento que eu mais escuto as críticas internas. Escrever, pra mim, é como tomar um empurrão, tem de ser de uma vez! sabe aquela pessoa que tem medo de pular de paraquedas, mas vai mesmo assim? a escrita é pular de paraquedas, se a gente analisa muito e pensa em todas as possibilidades de dar errado, estacamos no lugar. Uma vez que eu reuni material suficiente; que eu já fiz e refiz os inúmeros rascunhos, gosto de deixar o texto descansar, porque o texto também cansa e por vezes, nós queremos fazê-lo trabalhar a base da exaustão, não funciona! O texto é uma extensão da gente e gente não é máquina. Texto é do latim texere, é ir fazendo, costurando, repensando, texto é processo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Pergunta difícil… basicamente como eu lido com o fato de ser humana! (rs), Bom; primeiramente, acredito que tudo esteja relacionado. Eu procrastino porque me cobro; eu me cobro porque sinto a cobrança externa, mesmo que imaginária. É um ciclo. Minha procrastinação não é bem uma preguiça; é muito mais um desejo de que tudo saia perfeito e, como isso é impossível, eu fico ansiosa demais pra sequer começar. Então, a primeira coisa é respirar mesmo, não tem muito o que fazer, e daí é abrir o paraquedas. Enquanto estou pulando não dá pra pensar nos pormenores, tem que focar em chegar no chão, depois que eu chego no chão; que eu tenho meu texto “ pronto”, revejo o trajeto e é só daí que entra a correção, as múltiplas revisões e releituras. Ansiedade é um mecanismo de sobrevivência humana, ela sempre vai estar lá, o que ajuda, pra mim, é lembrar a função dela que é criar essa miríade de monstros imaginários pra me proteger de problemas que, por vezes, ela mesmo cria.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes. Como disse anteriormente, acho importantíssimo dar tempo pro texto respirar, é incrível como a gente muda de ideia, encontra respostas, vai por outro caminho depois do período do descanso. As revisões parecem ser mais eficientes quando nos distanciamos um pouco do texto, e é neste contexto também que o olhar do outro é crucial, porque captura detalhes que passaram despercebidos pra gente, aponta alternativas não previstas. Particularmente, gosto de ler em voz alta e compartilho com outras pessoas que escrevem; acredito que o desafio em escrever de forma independente é que, às vezes falta um senso de direcionamento, o lado bom é o processo de experimentação que pode ser muito maior porque não tem ninguém te cobrando, não há um padrão ao qual você deva se submeter. A meu ver, devemos utilizar essa oportunidade de poder errar pra ir construindo intimidade com a nossa escrita que é algo que não se conquista do dia pra noite.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu escrevo muito mais no computador e celular, sendo bem sincera, apesar de escrever à mão em alguns momentos. A tecnologia é muito presente na minha vida e acredito que se utilizada com parcimônia, ela pode auxiliar e muito na escrita, contudo, também penso que a experiência com o papel é insubstituível porque você não só está escrevendo, mas está fazendo um caminho com as mãos, é como se você estivesse traçando; desenhando as ruas do seu pensamento. Tanto é, que de certa forma sinto que as poesias que escrevo no papel são mais elaboradas pelo processo mesmo que é escrever à mão, é um passo-a-passo que exige um esforço que a digitação não possibilita. Por outro lado, não dá pra dizer que na era da tecnologia o escritor só usa o papel, a digitação agiliza o processo o que faz com que eu escreva mais em menos tempo. Então, não dispenso nem um nem outro, ambos são ferramentas importantes de trabalho criativo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Vou ser um pouco clichê aqui, mas, minhas ideias vêm das leituras que faço e da minha observação do mundo. Não consigo imaginar um escritor, mesmo independente, que não tenha uma relação íntima com a leitura, e leitura aqui eu falo em sentido amplo, freiriano: é essa capacidade de estabelecer relações entre o que se lê com que o que se ouve; é aprender a ser sinestésico e conseguir sentir o cheiro de uma música, é apreciar diferentes manifestações artísticas, entender que um quadro pode ser uma fonte quase inesgotável de referências. Como eu disse antes, minhas ideias têm um “Q” de elemento surpresa, elas vêm nas horas mais imprevisíveis, e acredito que quanto mais se lê, não como se a leitura fosse um hábito passivo, mas a leitura viva; pulsante, ativa, quanto mais se faz este tipo de leitura, a que conecta com o mundo, mas se vai sabendo escrever, porque como eu disse, escrever é como pular de paraquedas e o que dá a segurança, na minha perspectiva, são as nossas leituras, são elas que asseguram que se chegue no chão em segurança.
Pra me manter criativa, procuro inserir o exercício de fruição no meu dia a dia, através da escuta; da leitura, da observação do mundo. Também gosto de desenhar e tentar lembrar dos meus sonhos, como já havia comentado. Julgo que o melhor hábito é ver poesia em tudo, se espantar até com uma borboleta que passa, e isso exige uma escuta e um olhar atentos. Creio que perdemos quando chegamos no ponto de achar que já sabemos o suficiente ou quando sentimos que somos o suficiente. O escritor tem que se acostumar com o fato de a escrita acompanhar as metamorfoses da vida.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que o que mudou foi a minha forma de enxergar a escrita, antes eu a via unicamente de uma forma mágica, sobrenatural, como uma inspiração das musas. Hoje, não que eu tenha deixado de acreditar na importância da inspiração, até porque como eu ressaltei anteriormente, o ócio criativo é, no meu ponto de vista, fundamental para os escritores. O ponto é que hoje enxergo a escrita também como uma atividade humana, o que significa dizer que a escrita é uma metamorfose ambulante; constante, inacabada, porque nós somos também, já diria Raul Seixas. A escrita acompanha o processo de autoconstrução do escritor, a escrita é histórica assim como o escritor. Muito do que escrevo tem a ver com os acontecimentos do meu tempo, da minha geração, e também muito do que eu escrevo hoje talvez possa ser incompatível com o que serei daqui a dez anos. E também não podemos esquecer que o leitor é fundamental, de fato é ele quem dá vida ao texto e a gente sempre escreve tendo em mente este leitor imaginário; em se tratando da internet, este leitor comenta em tempo real; compartilha, acrescenta, divulga. Dá pra criar vínculos com os nossos leitores, dá pra ler o que eles escrevem, isso não é incrível? Como eu disse, sou uma escritora independente do século XXI e isso diz muito sobre aquilo que escrevo, sobre onde publico meus textos, sobre as temáticas recorrentes nas minhas poesias e contos.
Se eu pudesse voltar atrás eu diria que essa angústia adolescente que eu queria tanto consertar e que era recorrente nos meus poemas, é uma potência muito grande porque me move, inquieta e me instiga a buscar, e iria agradecer pela coragem de me derramar no papel, mesmo correndo o risco das minhas irmãs lerem e me acharem um tanto quanto esquisita. (rs)
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de publicar um livro de poesias no futuro, mas desejo amadurecer mais a minha escrita; estudar mais, enfim…estou na fase de“ experimentação”, por assim dizer, não me cobro ter um estilo; não cometer erros, frequência, esse tipo de coisa, o que mais tenho medo é de a escrita se tornar uma obrigação chata, uma rotina que eu tenho que seguir, um passo a passo pré-estabelecido. Gosto da ideia da escrita como exploração, como vir a ser, tenho medo de matar em mim o prazer estético que é criar com as palavras, por isso, respeito meu tempo, onde estou e quem sou hoje. Amanhã é outra história! Têm muitos livros na minha lista de leitura, os próximos serão cidadã de segunda classe da Buchi Emecheta e as poesias completas da Maya Angelou.