Flávio Izhaki é escritor, autor de De cabeça baixa, Amanhã não tem ninguém e Tentativas de capturar o ar.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Café, sempre. Depois vou para o computador trabalhar – o que não quer dizer escrever ficção. Em geral preciso ser produtivo antes de o resto da casa acordar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Algo entre o fim da manhã e o início da tarde. Assim já adiantei o que preciso do meu trabalho de não ficção e minha cabeça ainda não está cheia. Na manhã eu tendo a render melhor, mas com duas filhas em casa é complicado achar silêncio e concentração. À tarde tem a facilidade de a casa estar mais vazia, mas o mundo real já berrou tanto que é difícil entrar num momento de abstração necessário para escrever. Não tenho mais idade para escrever à noite. Aliás, colocando tudo nestes termos me admira eu conseguir escrever qualquer coisa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
No meu trabalho diário eu tenho que entregar material diariamente, então se eu tivesse também metas para escrita estaria doido há anos. Não encaro a literatura assim. Não sei se seria diferente se conseguisse viver disso (risos), mas essa falta de deadline é interessante. Posso ficar semanas sem escrever fisicamente, mas às vezes os romances pedem essa pausa. Um romance é realizado tanto no ato de escrever como nos silêncios. É tanta coisa em jogo que não pode ter improvisação, caso contrário não será possível sustentá-lo de pé.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não parto de notas pois às vezes começo o livro de um ponto mas sei que aquilo que escrevi não será jamais o início de algo. Eu tento entender o livro conforme escrevo, o que é um claro risco e acaba resultando em muita coisa jogada fora depois. Sobre pesquisa, depende muito do livro que estou escrevendo. Para o quarto, o atual, foi necessário me preparar mais com leituras. Não quero repetir o que já foi feito nem escrever besteira em alguns tópicos específicos que não conhecia mas me interessam.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Procrastinar faz parte, mas como dependo basicamente de mim no meu trabalho normal e tenho deadline (e ninguém para culpar), estou acostumado à ideia de que eu tenho que produzir sem desculpas. Mas ao mesmo tempo a literatura corre em outro tempo e não combina com pressa. Talvez por saber que a publicação, mesmo depois de o livro pronto, sempre demora, acabo tendo menos pressa ainda. Não é como se o arquivo de Word fosse estar na livraria na semana seguinte de qualquer jeito. Sobre não corresponder às expectativas, nunca pensei nisso. Insegurança existe e bastante, mas o tanto que me cobro (não só na literatura) me basta. Com romances a minha preocupação agora é não soar repetitivo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O processo de edição da escrita é feito tantas vezes que passa a ser um troço incalculável. Escrevo sempre poucas páginas num dia e, pelo menos em trechos afins, volto a ler tudo cada vez que recomeço, então a cada sentada leio, releio, reviso para pegar o ritmo. Só assim funciona. Há uma coisa oculta em um romance que só é possível pescar se o autor está muito entranhado nela. Se for uma escrita linear corre o risco de perder o ritmo e a conversa interna que um bom romance apresenta.
Sobre mostrar para pessoas antes da publicação, sou uma negação. Não mostro para quase ninguém. Tenho poucas pessoas em quem confio para isso. E como meus livros são polifônicos, é complicado mostrar cedo demais pois pode não fazer sentido.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho alguns poucos trechos escritos em caderno quando tive alguma urgência fora de casa – o que é raro pois trabalho de casa. Mas acho lindo poder reler os trechos escritos à mão. Parece mágica (o que, obviamente, não é).
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não acho que seja necessário ter tantas ideias para escrever romances, paradoxalmente. Romances, para mim, raramente nascem de ideias, mas de sentido. Uma busca por algo que não se entende ou contra o qual é confrontado. Entender como colocar uma narrativa nessa busca não é a parte mais complicada. De certa forma é a parte mais divertida da coisa.
O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
“Não ficará mais fácil nem mais difícil. Será sempre um caminho de escuridão, como foi desde o início”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não escrevo por escrever, então se esse livro que estou trabalhando não fosse uma tentativa de iluminar as questões que me importam no momento, não escreveria. Aliás, essa é a vantagem de não ser um autor profissional. Eu só preciso investir meu parco tempo no que realmente me interessa.