Flávia Vasconcellos Amaral é classicista e apaixonada por cultura, línguas e pessoas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A minha rotina matinal é voltada a afazeres gerais da vida e que envolvem organização do meu espaço físico e virtual (arrumar a cama, lavar a louça do café, organizar as coisas dos meus gatos, organizar a minha bancada, ver se há e-mails / mensagens urgentes, preparar a lista de afazeres urgentes do dia e da semana entre outros). Se o meu espaço não está organizado, eu não consigo iniciar os meus trabalhos e muito menos escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sou uma night owl e prefiro fazer outras coisas da vida pela manhã e escrever à noite. Escrever pela manhã, portanto, não é a minha primeira opção porque eu me sinto muito mais criativa e acordada (risos) ao entardecer e à noite. Em se tratando de ritual, tento ter insights ou fazer algum brainstorming antes da escrita propriamente dita. Como 90% das coisas que eu escrevo é acadêmica, eu geralmente escrevo depois de ter lido e anotado muitas coisas. Eu faço isso com papéis em branco e com cores diferentes de canetas e marcadores de texto. Utilizo post-its coloridos e de diferentes tamanhos também. Para mim o sistema é meio old school: a organização visual de argumentos e ideias é feita por escrito no papel de modo sintético, por esquemas, listas ou mapas mentais e depois transferida de forma discursiva no computador. Depois de um tempo tendo que produzir textos mais longos e acadêmicos, percebi que essa era a melhor forma e que condiz com o ritmo do meu processo mental e do meu corpo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu adoraria fazer um cronograma de escrita e de fato o seguir. Para mim, o processo de escrita é muito emocional e dependente do meu grau de envolvimento com o tema. Eu preciso estar bem comigo mesma e com o tema para que o dia seja bem produtivo na escrita. Embora trabalhar com prazos seja complicado e te faça pensar em uma meta diária de escrita, isso não funciona muito bem comigo e sempre gera frustrações. Assim, prefiro focar no meu bem-estar diário para que eu tenha dias produtivos qualitativamente e não quantitativamente. Acredito que forçar uma escrita pode gerar um texto ruim e mal escrito.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como dito acima, eu faço as minhas notas manualmente com cores e recursos visuais destacando os pontos mais importantes e depois releio todas essas notas e passo para uma esquematização do que eu gostaria de tratar. Depois disso, inicio de fato a escrita. Dependendo da carga de informação e do quanto eu estou familiarizada com ela, é mais fácil ou mais difícil. Porém, o que me norteia é sempre ter um esquema, a partir das anotações, que seja um esqueleto dos meus parágrafos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Essas questões são realmente muito relevantes para todo aquele que precisa produzir textos mais longos e não podem ser negligenciadas! Passei por elas recentemente na porção final do meu doutorado. Acredito que tudo tenha a ver com o peso que essa produção tem para o escritor e também com a sua segurança metodológica e uma boa base de referências. Eu percebi que comecei a procrastinar e ter medo de não corresponder às expectativas minhas e dos meus pares quando me dei conta que a metodologia da minha pesquisa e alguns outros pontos não eram consistentes o suficiente para me deixar segura, muito embora as referências bibliográficas consultadas fossem muitas. Isso tudo gerou muita ansiedade e o processo foi ficando mais difícil e as “travas” de escrita foram se amontoando. Nesse momento, precisei passar por uma autorreflexão profunda sobre todo o meu processo de escrita e sobre o meu projeto. Fiz diversas alterações no trabalho em si, na minha rotina e no meu modo de me preparar para escrever (como descrevi acima) e o processo foi se normalizando. Desse modo, o que funcionou para mim foi perceber que eu procrastinava e que o medo me paralisava e fazer algo sobre isso. Iniciei a terapia e passei a entender melhor o meu envolvimento com o meu espaço físico, mental e os meus sentimentos sobre o que eu escrevia. Eu me arriscaria a dizer que enfrentar tudo isso parte de um conhecer-se a si mesmo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Para ser sincera, apesar de ser da área de Letras e adorar trabalhar com texto, não gosto de passar inúmeras vezes pelos textos que escrevo. Prefiro fazer mais lentamente e minuciosamente do que escrever o que vem na cabeça e depois editar tudo. Uma confissão: me dói apagar parágrafos e páginas inteiras! (muitos risos!). Geralmente passo para pessoas próximas sim. É importante ter uma segunda ou terceira opinião, não só sob o ponto de vista da correção gramatical, mas também no ponto do sentido do texto. Um texto é uma conversa em que o escritor está ausente. A clareza, portanto, é fundamental, pois o escritor não poderá esclarecer nenhuma dúvida do leitor por não estar com ele dividindo o mesmo tempo e o mesmo espaço.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu acho a tecnologia imprescindível para o estágio final do processo de escrita. Como eu disse acima, eu tenho um modo de trabalho que sai do analógico e passa para o digital. Eu preciso dessa passagem para organizar os meus pensamentos de forma visual primeiro.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu escrevo dois tipos de texto geralmente: uma contribuição mensal livre em uma revista eletrônica e textos acadêmicos. Em ambos os casos, a minha criatividade é estimulada pela leitura, sobretudo, mas também por outros estímulos: vídeos, músicas, imagens, conversas e sentimentos provocados em reação a esses estímulos. Eu gosto também de tentar estabelecer relações entre a atualidade e meu objeto de pesquisa (poesia helenística). O importante é estar atento ao que está a nosso redor e ver potenciais conexões que não estão dadas. Acho isso o mais instigante no ato da escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu aprendi a compreender o meu modo de pensar, organizar ideias e sentir. Eu passei a ter maior controle sobre o âmbito técnico do ato de escrever e a sistematizar as coisas de um modo mais significativo ao me conhecer melhor. Se eu voltasse no tempo, diria a mim mesma para organizar as ideias de modo analógico primeiro.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu sou fã número 1 dos gêneros textuais breves: poesia, epigrama, haikai, conto, crônica. A linguagem concisa me fascina por justamente ser capaz de ter uma carga de sentido mais expressiva e impactante. O meu objeto de estudo é o epigrama grego e sempre estou envolvida com questões poéticas sobre concisão, mas do ponto de vista daquele que analisa. Gostaria de mudar de lado e passar a compor, sobretudo crônicas. Acho que um livro que não existe e que eu gostaria de ler é justamente aquele que desse conta de entender esses gêneros breves em conjunto.