Filipe Nassar Larêdo é mestrando em Literatura e Crítica Literária na PUC-SP, editor e escritor na Empíreo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa cedo, pois tenho um filho de 7 meses que adora brincar. Então lá pelas 6h da manhã, tudo começa dentro de casa. E minha rotina inclui a presença diária dele, uma vez que trabalho em casa. Acho que é importante dizer que, além de mestrando em Literatura e escritor, também sou editora na Empíreo, editora que abri em 2013. Já tivemos uma sede própria, com diversos funcionários trabalhando conosco, mas cerca de 2 anos atrás, mudamos o rumo e passei a trabalhar dentro de minha própria casa, utilizando serviços terceirizados conforme a demanda de cada projeto.
Como escritor, tenho rotinas apenas quando estou trabalhando em algum livro ou texto, quando costumo usar as madrugadas. Um exemplo foi a escrita do meu romance, A cabeça na cama. Meu filho tinha acabado de nascer quando surgiu a ideia de escrever uma história nonsense com narrativa neofantástica. Então ele dormia ao meu lado e eu varava as madrugadas escrevendo, normalmente um capítulo por noite, no máximo dois, quando sentia que ainda havia energia dentro de mim.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para escrever ficção, eu prefiro as madrugadas. O silêncio e o escuro mantem minha concentração mais fluida, de modo que as horas passam sem que eu perceba. Não tenho outro ritual senão o ato de sentar na sacada do meu apartamento, em frente ao computador, e escrever.
Por outro lado, ao escrever ensaios e artigos acadêmicos, prefiro o dia. Creio que um dos fatores seja o número de consultas bibliográficas que preciso para fundamentar um argumento, e para isso é importante que haja bastante luz. Além disso, a não-ficção exige de mim uma atenção racional que a ficção não exige. Em ficção, digamos, que eu possa sonhar acordado.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando tenho uma história montada na cabeça, escrevo um pouco todos os dias, sem exceção. Salvo alguns dias específicos, em que estou cansado ou tenho compromisso, costumo não quebrar essa rotina. Os períodos concentrados ocorrem durante semanas e/ou meses, pois só fico tranquilo com determinada história quando dou o ponto final nela. Enquanto isso não ocorre, cenas passam na minha mente e acabo perturbando um pouco a ordem necessária para passar meu dia. Essa parte racional da minha essência pede que eu mantenha uma meta diária de escrita: um ou dois capítulos por dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Primeiro surge a ideia de uma história, algo bem genérico que me empolga, com o qual me convenço de que pode ficar legal dentro de uma trama. A partir dela, monto a espinha dorsal da narrativa – com começo, meio e fim –, que pode ser modificada lá na frente, conforme o texto for tomando forma. Entretanto, reconheço que minha mente, em certos momentos, tem costumes erráticos e caóticos, então é essencial que eu respeito o tronco definido lá atrás.
Para montar essa espinha dorsal, faço muitas leituras de autores e livros que me influenciaram na composição de determinada obra. Usando novamente o exemplo do meu romance, reli A metamorfose (Kafka), para entender como o mestre do nonsense criou uma das mais icônicas histórias da literatura. Para estabelecer a estética que desejava para o meu livro, reli também A invenção de Morel (Adolfo Bioy Casares) e alguns contos de Borges, conhecidos escritores neofantásticos.
E isso tudo vai abastecendo minhas ideias com caminhos, atalhos, buracos etc. Quando já tenho bastante coisa anotada, normalmente num caderninho escrito à mão, passo para a escrita do livro em si.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Até hoje nunca precisei lidar com travas da escrita. A dificuldade que tenho não reside aí, mas sim na construção de uma história interessante, o que me leva para a segunda parte da sua pergunta: o medo de corresponder às expectativas.
Como editor de literatura, aprendi a orientar autores de diversos gêneros, de modo que seus livros reúnam características mais condizentes com seus estilos. Procuro fazer com que os autores sintam que seus livros ficaram melhores e que, no fim da produção, eles se aproximem ainda mais daquilo que queriam no começo.
Por ser constantemente absorvido por esse processo, acabei criando um grau de exigência comigo mesmo que me impediu de publicar meu primeiro livro antes de consultar amigos escritores e especialistas em literatura, para saber se eu tinha em mãos um livro publicável. Eu não queria publicar um livro pelo simples prazer de vê-lo fisicamente. Isso seria um fetiche para mim, e eu sabia que isso eu não queria. Dessa forma, penso que consigo administrar melhor meus medos e ansiedades: colocando à prova meus textos antes que eles sejam publicados.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depois que digito o ponto final no texto, não costumo fazer uma revisão completa, do começo ao fim. Já faço isso durante a escrita de cada capítulo, quando releio alguns parágrafos-chave. Porém não dispenso um dos trabalhos mais importantes para uma publicação literária saudável: a preparação de texto. E faço questão de que seja feito por profissionais de bom calibre, pois são eles que encontram e sugerem as alterações que farão aquela história ficar melhor.
Além de bons preparadores e revisores, é de absoluta importância que outras pessoas, com uma boa leitura crítica, entrem em contato com o livro, mesmo que de forma embrionária. São elas que vão mostrar se a narrativa engrena ou não.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Um dia desses percebi que a minha geração foi a última que ainda manteve contato com o mundo analógico, em que as mídias digitais e a internet ainda não haviam se propagado tão intensamente. Nasci em 1982 e vi, desde a infância, a ascensão das ferramentas eletrônicas. Em virtude disso, sou tenho uma relação muito boa com a tecnologia. Mesmo assim, ainda gosto de escrever minhas primeiras ideias no papel, usando lápis mesmo. Tenho prazer em escrever coisas a lápis, e usar um apontador ainda me traz boas recordações.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Na cabeça de um escritor, as ideias não param. Todo tempo que vejo algo interessante, penso que aquilo daria uma boa história, apesar de, na maioria das vezes, isso não se confirmar. Esse é o motivo de eu sempre andar com papel e caneta/lápis comigo. Outro hábito primordial para quem quiser escrever: ler livros. Ninguém se torna bom escritor sem ler. Isso pra mim é pré-requisito.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu preferi não publicar meus primeiros textos por não achá-los suficientemente bons. Não quero dizer com isso que meu romance A cabeça na cama seja fabuloso (risos). Quero dizer apenas que toda a bagagem literária que adquiri depois de anos lendo e editando livros me fez sentir confiança para publicar meu primeiro livro. E embora eu saiba que meus escritos antigos não eram tão bons quanto este, sei que eles foram a base de sustentação de quem sou hoje, então eu diria a mim mesmo: “Parabéns, Filipe. Continue escrevendo. Um dia você chega lá.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho duas ideias de romances guardados na gaveta, que estou de maturando aos poucos. O primeiro é uma ficção sobre um piloto da aeronáutica durante a ditadura militar, responsável por um dos aviões da Operação Condor em território brasileiro. Para quem não sabe, essa operação lançava presos políticos durante os voos em zonas geográficas que impediam a descoberta de seus corpos, geralmente em alto mar ou em mata fechada. A outra ainda está em fase bem embrionária, mas posso adiantar que também segue uma estética nonsense kafkiana, cujo protagonista é um delegado de polícia que move mundos e fundos para encontrar um malabarista de rua.