Fernando Risch é escritor e jornalista, mas odeia jornalismo e jornalistas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa beirando às oito da manhã. Quando eu durmo bem, às sete e vinte, quando durmo mal, acordo tropeçando nas horas para chegar ao trabalho. E apenas isso me faz acordar neste horário: o trabalho. Que não é o trabalho de escritor. É o trabalho, trabalho, que me sustenta, me dá dinheiro e permite que, num sonho remoto, eu me chame de escritor.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Falando no trabalho de escrever, antigamente eu achava que funcionava melhor de madrugada, como muitas pessoas acham. Mas isso são apenas perspectivas. Eu trabalho melhor quando estou descansado, relaxado e sem nenhum problema latente me atrapalhando no subconsciente. Quanto ao ritual, tento me despir de todos os vícios de lazer antes de escrever. Pratico exercícios físicos e me exausto de qualquer outra atividade de passatempo antes de começar. Assim, eu não tenho mais nenhum desejo e empecilho que me distraia. Não é algo calculado ou pré-ordenado, é algo que eu sempre fiz e percebi que fazia, como uma procrastinação pré-escrita habitual.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas, mas creio que cada um deve ter seu próprio processo. Inclusive invejo aqueles que têm metas e as cumprem. Eu escrevo o que tenho que escrever, não sou escritor de fazer imensos cortes na história por ter enchido linguiça por questões de meta. Eu sento e escrevo o que é necessário. Como eu respondi na pergunta 1, minha vida é norteada por uma atividade de labor que não condiz com a escrita, então escrever está em segundo plano de ação, mas não de sentimento. Eu trabalho pensando em como e quando vou escrever. Eu me frustro por não conseguir escrever. Então eu escrevo quando eu posso, mas há alguns dias em que já percebi que ocorrem mais ações: sextas e sábados. Eu gosto de escrever de forma concentrada, de preferência até o ponto final desejado, para eu poder tomar minha cerveja do final de semana em paz. Se não escrevo até o ponto final desejado – e só sabemos quando chegamos nele – o prazer não é o mesmo e a recompensa pela cerveja não é a mesma, mas faz parte. Respondendo de forma mais simples: escrevo quando meu corpo e mente permitem, o melhor e o máximo que posso, e só eles podem dizer quanto isso é.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A grande verdade é que um grande escritor – não me incluo nisso – se faz com um grande leitor. Ler é primordial para quem quer escrever. Quem não gosta de ler, deve esquecer tudo e partir pra outra. Acho importante pesquisar, mas pesquisa não é tudo – é tudo quando necessário para não se errar fatos e detalhes. A pesquisa pode atrapalhar e acabar com um livro. Eu mesmo parei de escrever um livro por medo de cometer erros históricos, interrompendo-o para pesquisar. Acabei começando outra obra e este se perdeu no tempo. Letícia Wierzchowski já admitiu que se tivesse pesquisado mais do que pesquisara para “A Casa das Sete Mulheres”, não conseguiria concluir o livro pelas discrepâncias possíveis. Estamos falando de ficção – e a ficção tudo permite (num parâmetro controlado). Cada escritor deve buscar seu próprio processo, e isso é o mais importante de tudo. Meu processo é claro: eu concebo a história, vinda de uma inspiração óbvia ou aleatória (já tive a ideia de um livro sobre autoritarismo ouvindo uma música da Lady Gaga e linkando a letra com um livro do Zygmmunt Bauman), crio um roteiro claro sobre as etapas a serem cumpridas e depois escrevo. Se eu puder começar pelo fim, melhor. Se não, pelo menos ter o fim é primordial para se saber onde vai chegar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas nós lidamos com insistência e com leitura; a esse ponto já sabemos aqueles escritores cujas escritas nos fazem flutuar e nos inspiram, então ler é importante. Mas insistir é mais importante ainda. Na maioria das vezes as travas são os próprios sentimentos procrastinadores agindo, então insistir é a solução. Se você sabe o trecho a seguir, mas não sabe como começá-lo ou continuá-lo, escreva de qualquer maneira, depois se corrige. O importante é fazer a história andar. Uma coisa muito importante é sempre ter a história que se está escrevendo vívida e acesa na mente. Pensar diariamente nela e nos desdobramentos. Creio que Orwell disse certa vez sobre isso, mas disse também para que pensemos apenas na história do momento, nenhuma mais. E isso é muito importante. Pensar em histórias paralelas nos faz, aos poucos, ofuscar aquela que temos que escrever. E é pornograficamente tentador conceber uma história fresca, com um começo fresco a ser escrito. Anote no papel o principal da ideia e coloque na gaveta, depois siga pensando na história do momento. Quanto à procrastinação bruta, eu a tenho por preguiça, vinda do cansaço do trabalho (aquele outro trabalho), então eu tiro férias – e nas férias eu trabalho (este trabalho, do qual estamos fazendo). Faz cinco anos que eu tiro férias única e exclusivamente para escrever (com exceção da vez que eu fui pra praia no Carnaval, mas vamos fazer de conta que não aconteceu, para ficar mais romantizado). Medo de não corresponder? Não tenho medo de nada. Eu concebo minhas histórias, creio nelas e as escrevo. Se vão ler, espero que sim, mesmo sem ter certeza. Se vão gostar? Caramba, foda-se. Meu sonho é ser alcunhado como “medíocre”, que eu acredito que seja – um medíocre esforçado – assim saberei duas coisas: 1) eu tenho relevância para alguém me nomear de alguma coisa; 2) mesmo sabendo o que pensam dos meus livros e de mim, não mudará em nada minha vida e eu seguirei escrevendo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sempre que eu acabo uma parte de um livro – não necessariamente um capítulo -, eu leio e reviso, para erros e pequenas mudanças (farei com as respostas desta entrevista, que estão sendo respondidas sob o efeito de 4 garrafas de Kaiser) e depois peço para que minha esposa leia. Ela é minha primeira revisora e crítica desde meu primeiro rascunho que escrevi, há muitos anos. Acho importante, depois de finalizada a obra, dá-la um tempo pra respirar. Stephen King fala em 6 meses. Eu falo – e o importante aqui: cada um terá seu tempo – em 15 dias. Deixar o livro na gaveta por um tempo antes de pega-lo para revisar é importante. Viciamos-nos em ignorar pequenos erros e somos envenenados por nossa autocrítica sobre certos aspectos literários (eu, particularmente, sou muito exigente comigo mesmo). No momento de revisão, se até a quinta página você não sentiu vergonha de alguma coisa que escreveu, então precisa de mais tempo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
O texto final é sempre no computador, mas algumas coisas são escritas à mão. Escrita é questão de conforto. E aqui entra um pouco na questão da trava. Às vezes uma mudança de ambiente e da maneira que escrevemos, como escrevemos, pode nos ajudar a desempacar uma história. Eu costumeiramente imprimo às últimas páginas escritas no computador, as corrijo na mão e já sigo escrevendo em punho, caso necessário. Depois passo tudo para o computador, acrescentando mais e seguindo a história, caso consiga. 90% do que escrevo é diretamente no computador, como neste arquivo de Word em que digito as respostas, mas há os 10% à mão, em algum momento que me foi necessário. Hemingway falava sobre isso: escrevia as descrições à mão e os diálogos na máquina – porque as pessoas falavam como máquinas. Ele disse algo sobre isso, em algum lugar, e provavelmente eu esteja citando errado.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu leio muito, me envolvo muito com as coisas e penso muito. Ouço muita música, de onde vem a maioria das minhas inspirações. Costumo ficar pensando, me indignando, e misturando fontes, até que em algum momento uma história surge. Não sei explicar, mas é isso aí. Creio que o mais importante seja consumir muita coisa: livros, músicas, filmes e, principalmente, o cotidiano.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mudaram foram os hábitos, por necessidade, não por escolha. Eu gosto de sentir vergonha do que escrevi há muito tempo, sinal de que evoluí. Eu não diria nada. É um processo natural, de etapas a serem cumpridas, etapas duras. Eu diria que quem não está se envergonhando, está errado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de começar aquele livro que citei acima, composto entre uma música da Lady Gaga e um livro de sociologia do Bauman. Tenho até nome: “Tirania” e a frase final do livro já está escrita. Mas, como aprendi com meus próprios erros, não posso começá-lo até terminar os três projetos inacabados que tenho. E que só estão inacabados porque eu não respeitei a história do momento e resolvi começar outras.
Não imagino um livro que eu gostaria de ler que não existisse. Se imaginar, irei escrevê-lo.