Fernando Portela é escritor, jornalista e editor, autor de Poemínimos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Nunca tive. Sou jornalista profissional e me acostumei a escrever a qualquer hora. Levei isso para a literatura. Mas, como produtor de literatura, raramente escrevo dias seguidos, todas as semanas ou todos os meses. Passo mais de ano sem escrever. Ou faço três livros em quatro meses, escrevendo, naturalmente, todos os dias. Não tenho nenhuma frescura, nenhum ritual para escrever. Nisso, e acho que só nisso, sou anárquico.
Você tem uma rotina matinal?
Não tenho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nem meta, nem nada. Aconteceu, é verdade, mas só uma vez. Tive, no começo dos anos 2000, um surto. Senti que minha produção literária deixava muito a desejar e me obriguei a escrever um conto por dia. Em quatro meses escrevi uma trilogia: Allegro, O Homem dentro de um Cão e Memórias Embriagadas. Houve dias, fins de semana, em que escrevi três contos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
As histórias pousam na minha mente. Às centenas. Ficam um pouco, alguns segundos, vão embora. Há as insistentes (não a história inteira, mas algum detalhe de ação, ou então um ou vários personagens). Para concretizá-las, obedeço a um impulso mais forte (sem planejamento algum), sento à frente do computador, olho um pouco para ele e começo a escrever, sem ter a menor ideia do que acontecerá dois parágrafos adiante. Mas, na maior parte das vezes, esse impulso não acontece. Em outros tempos, tentei fazer esboços de três linhas para escrever depois. Quando fui olhar, já não tinha a menor ideia do que era aquilo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sei o que é isso, travas. Em geral escrevo muito rápido, só paro para atender a porta, ou ir ao banheiro, falar ao telefone, essas coisas pequenas. Retomo sem problema. Descobri, já velho, que escrever é a minha forma, a única, de meditação, no sentido esotérico.
Mas veja bem: até agora só falamos de literatura. Em livros jornalísticos, é claro, sou obrigado a escrever todos os dias, parar muitas vezes, consultar, procurar melhores informações etc. Ainda assim, não tenho “horário de produção”. Fecho os projetos, de escrita ou edição, bem mais rápido do que a média dos autores. Sou impaciente com textos em preparação. Demoro um pouco nas revisões.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Toda vez que releio um texto, mexo em alguma coisa. Eventualmente mostro a alguém, mas é exceção.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Direto no computador. Mas, há alguns anos, tenho um cacoete: ando com três canetas no bolso: uma de tinta preta para tudo; uma que é marcador de texto (levo sempre um livro para os chás de cadeira, táxi, metrô etc.) e uma vermelha para, teoricamente, esboçar histórias que me caiam na cabeça e pareçam interessantes. Não me lembro da última vez que usei a vermelha. Ou se, mesmo tomando as notas, escrevi a história. É só mania. Bobeira.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vem tudo dos Arquivos Akásicos. De outras vidas. De anjos. De amigos espirituais. Aparecem obsessores também – agora, com a idade, menos. Não existem hábitos, nem rituais, nem nada. Há um velho frevo-canção do Recife que diz: “Eu não vou, vão me levando”. É por aí.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quanto à literatura e mesmo à não-ficção, meu processo mudou bastante na releitura. Jovem, vinte, vinte e pouco, nem revisava. Com o tempo fui relendo e reescrevendo cada vez mais. Mas só a forma. Raramente o conteúdo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre escrevi contos. Duas ou três novelas juvenis. Uma novelinha infantil. Vários livros de reportagem e pesquisa histórica. Escrevi sozinho ou participei de mais de 50 livros. Devo lançar um livrinho este mês chamado Poemínimos.
Mas o único trabalho de literatura que esbocei, pesquisei, perdi tempo com ele, seria um romance. Dele, tenho a ideia geral. Os arquivos estão guardados numa pasta no computador.
Às vezes, digo: “Vou escrever essa merda”. Mas volto atrás.
Tenho enorme dificuldade de separar sonho de realidade. Ou de praticidade. Ok, tudo bem, escrevo um romance, mas vivo numa bosta de país que não lê. Dominado por analfabetos funcionais. Como estou C&A para elogios, famas e quetais, por que vou perder tempo expondo minhas loucuras? Pra mim mesmo? Pros meus filhos, meus netos? Eles já me têm ao vivo. É difícil construir algo sem serventia. Pelo menos pra mim.
Tenho um livro pronto, de contos, em que juntei todas as minhas fases, ao longo da vida. Chama-se “A Velha Chama e A Negra Solidão”. É livro grande, ninguém vai editar. Ninguém mais edita contos. Eu tenho editora própria, poderia fazê-lo. Mas, no Brasil? Um País que se coloca em penúltimo lugar de educação no mundo?
O livro mais importante da minha vida é “A Doutrina Secreta”. É um livro que não fecha. Parou no sexto volume, não dá. Quero mais e mais, ler o que está faltando. Preciso, por exemplo, de informações mais detalhadas sobre os Universos Paralelos. E outras.