Fernando Ozorio de Almeida é professor do Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depende se é um dia que dou aula ou não. No dia que dou aula eu vou (re)ler o texto da aula e se der tempo ler um texto que me ajude a complementar o tema. Em um dia sem aula eu começo lendo de acordo com as prioridades (tenho uma agenda de tarefas que vou constantemente atualizando).
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou um animal diurno. Encerro todas as minhas tarefas até as 19h, senão não durmo (o cérebro precisa ser freado!)! As horas em que trabalho melhor (i.e. as melhores para escrever) são no final da manhã ou no final da tarde. Ou seja, eu geralmente vou aquecendo até me sentir bem-disposto para escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Geralmente em períodos concentrados. Nesses períodos em geral me coloco metas. No período final da escrita da tese eu me impunha escrever três páginas por dia, algo que é raro hoje em dia. Em geral eu gasto muito mais tempo lendo do que escrevendo. Posso passar dias lendo, mas é muito difícil eu ficar só escrevendo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Estabeleço primeiro o que precisa ser lido para que eu possa escrever. Posso ficar dias ou até mesmo semanas lendo antes de escrever qualquer coisa. Se as ideias para escrever ainda não vieram, é porque não li o suficiente. Ou seja, eu só me movo da pesquisa para a escrita no momento em que há uma coerência mínima nas ideias que surgem a partir das leituras.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Se estou travado na escrita, considero que não li o suficiente, e volto às leituras até que me sinta estimulado a escrever. Até o presente essa tática sempre funcionou.
Eu não me sinto angustiado por não corresponder às expectativas. Meu pensamento é sempre procurar ler assuntos dos quais eu gosto, para escrever e lecionar sobre eles. Penso que se os assuntos despertam o meu interesse, eles farão com que eu escreva ou lecione com mais vontade. O leitor ou o aluno pode até discordar do que eu estou escrevendo ou falando, mas (espero) que ele (ela) veja que existe um pesquisador honesto expondo suas ideias ali. Isso me basta.
Projetos de longo prazo são maravilhosos, são os melhores. É incrível como nosso olhar vai mudando na medida que nos aprofundamos nas coisas. Na verdade, o que me causa ansiedade é não ter o tempo para aprofundar o olhar!
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso quantas vezes for possível. Posso reler um texto dezenas de vezes. Pelo menos uma dessas leituras tem que ser impressa em papel, pois considero que a leitura se dá de maneira diferente. Tenho imenso prazer em “polir” o texto, ter frases bem encaixadas, e com boas sequências. O resultado é que o processo de escrever é bem pequeno frente ao de ler, reler, e reler… Mesmo relendo tantas vezes eu peço para alguém revisar a escrita, pois sempre passa algo e, dependendo do caso (e do tempo disponível), posso pedir para alguém ler e comentar o conteúdo do que escrevi.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu ficho tudo o que tenho à mão, pois me ajuda a fixar as ideias. Também posso fazer anotações de ideias no caderno, na agenda ou mesmo no computador. Mas o processo de escrita em si se dá todo no computador. Gosto de livros, de manipulá-los, não sou fã de e-books. Também não sou fã de PDFs, mas me condicionei a não ficar imprimindo as coisas para frear o desperdício de papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acho que as ideias vêm principalmente daquilo que eu leio, mas pode vir também de conversas que tenho com colegas. Penso que uma boa forma de estimular a criatividade é intercalar leituras diferentes. No mesmo dia eu posso ler algo sobre a minha especialidade (i.e. arqueologia), uma disciplina afim (e.g. história ou antropologia), algumas matérias em uma revista científica, e um romance. Quanto mais coisas diferentes, melhor. Posso ler até seis ou sete coisas ao mesmo tempo. Acredito que essa mistura privilegia uma forma distinta de conexões de ideias, conexões que vão certamente diferenciar o que eu escrevo da redação feita por alguém que está basicamente lendo apenas sobre o tema de interesse dele(a). Ou seja, acho que esse hábito é fundamental não só para o resultado do que eu escrevo, mas de como eu escrevo. Gosto de pensar que a manutenção e a disciplina desse hábito vão permitir uma constante (mesmo que lenta) evolução na forma de escrever.
Outro fator que acredito ser muito importante para que as ideias surjam são os momentos de parada, em que não se está lendo nem escrevendo. O que pode ser ficar olhando para o teto em casa, escutando música, passeando com os cachorros. São nesses momentos que a poeira das ideias parece baixar e ficam aquelas que se conectam e criam algum sentido. Gosto de usar a metáfora da música para explicar isso, onde são os intervalos que dão sentido às notas e, portanto, são tão ou mais importantes do que elas. Não consigo compreender pessoas que estudam doze horas por dia até ir dormir e começar de novo. Cria-se uma poluição inútil de informação.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
A minha atual disciplina de estudos se consolidou durante o período do mestrado e do doutorado. Como esse foi um período muito feliz e profícuo, não alteraria nada nele. Minha satisfação pessoal com os resultados me permitiria dizer, ao voltar no tempo para aconselhar a mim mesmo, “é isso mesmo, siga se divertindo com o que você faz que algo de bom vai sair”!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever um livro sobre as histórias das sociedades indígenas ceramistas das terras baixas sul-americanas, mas considero que preciso ainda estudar muito para começá-lo. O livro que espero ler é um livro sobre história indígena, que envolva arqueologia, etnologia e etnohistória, escrita por um(a) indígena, um livro que concerte pelo menos alguns dos equívocos do que nós (não-indígenas) escrevemos sobre eles. Meu otimismo me diz que daqui alguns anos será possível ler tal livro.