Fernando Neves é jornalista, escritor e sócio da editora Bandeirola.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou muito ruim com rotinas, horários e organização em geral. Além do que sou uma pessoa muito lenta pela manhã. Então dificilmente deixo coisas que requerem muito esforço criativo para essa parte do dia. Geralmente procuro me informar lendo notícias de diversas fontes, confiro as redes sociais, e-mails e me atualizo sobre os assuntos da editora Bandeirola, da qual sou sócio, junto com a amiga e também escritora Sandra Abrano. Se tenho que escrever algo é nessa parte do dia que procuro estabelecer o roteiro que vou seguir à tarde.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Costumo trabalhar melhor do meio da tarde em diante. Quando o texto se desenvolve de maneira adequada é comum que fique por horas escrevendo, perdido da noção do tempo. Claro que é comum também a aflição de não encontrar o caminho adequado para a história e ter que fazer uma pausa para rearranjar o pensamento. Não tenho propriamente um ritual de preparação, mas costumo dedicar um bom tempo a pensar no que vou escrever e fazer anotações antes de iniciar a escrita. Escrevo contos, então assim que começo uma determinada história, procuro ir até o fim, buscando acertá-la e não cair na tentação de abandoná-la quando encontro dificuldades.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não consigo escrever todos os dias de forma corriqueira. Prefiro trabalhar em períodos bem concentrados. Mas o pensar sobre os personagens e o desenrolar dos contos é um mecanismo permanente. A cabeça não para. Até em momentos que deveria dar um tempo. Não acredito em meta de escrita do tipo quantitativa: “vou escrever três páginas todos os dias”, para mim as coisas não funcionam dessa maneira. Mas tenho meta de determinado número de contos em um período de tempo, que tento perseguir. Se isso se dará em períodos espaçados ou mais concentrados, a própria dinâmica de cada história é que vai se impondo. Já fiquei por quase seis meses escrevendo todos os dias de forma bastante produtiva e em outros momentos, a coisa simplesmente não anda. Aos poucos, acredito que vamos entendendo melhor esses mecanismos e aprendendo em que momento a história tem que ser forçada a sair e em quais é melhor deixar as águas se acalmarem. O importante pra mim é ficar atento à história e não perder a concentração. Depois de ficar pensando e rascunhando sobre o conto tem uma hora que ele precisa sair, aí que entra a concentração, a dedicação e o trabalho da escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É um processo um tanto caótico. Em algumas histórias acumulo um grande número de anotações, referências, trechos escritos, informações que dão conta de como será o personagem, a ação, o desenrolar da narrativa e mesmo com toda essa preparação o texto não anda. Em outras, a partir de um leve esboço da ideia, a história como se vai desenvolvendo na cabeça por um período e a coisa sai sem a necessidade de muito trabalho formal anterior. Se há uma fórmula para isso, realmente ainda não consegui encontrá-la.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Costumo brincar que “procrastinação” é meio nome do meio. Sempre acho que posso deixar para um pouquinho mais tarde o início de algo. Luto contra isso todos os dias. Como escrevo contos, histórias curtas por essência, o grande projeto mais longo, que é a feitura do livro, é dividido em diversos projetos menores, de cada uma das histórias. Isso, no meu caso, ajuda a controlar a ansiedade e o adiamento, possibilitando que cada um dos contos seja um projeto em si. As travas quando acontecem devem ser respeitadas, sem desespero. Costumo fazer paradas no meio da escrita para me dedicar a tarefas manuais como consertar algo em casa, cozinhar, dar uma caminhada pela vizinhança, tarefas que para mim funcionam como uma reconexão comigo mesmo e ajudam a retomar a ordem do texto.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas e muitas vezes. Revisão é uma obsessão, na verdade. Algumas vezes, com o texto já dado como acabado, decido dar uma pequena última olhada que vira uma completa reescrita. Mas é preciso saber a hora de parar e dar-se por satisfeito. Alguns de meus textos nasceram em oficinas literárias, então a leitura de outros é algo intrínseco. O olhar do outro sobre o seu texto é algo que contribui muito. Mas como há inúmeros caminhos para uma história e abordagens em um texto é preciso ter clareza do que se quer com a escrita, qual o objetivo, a sensação que pretende despertar no leitor para não se perder em uma multiplicidade de opiniões.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
No computador, sempre. As anotações, na maioria das vezes, são feitas no bloco de notas do celular, mas uma ou outra pode ser feita em um pedaço de papel que esteja à mão (que invariavelmente acabo perdendo). Por isso adoro tecnologia. Poder salvar seu texto na nuvem e acessá-lo em qualquer lugar que estiver, para mim é uma dádiva.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Difícil dizer de onde vem uma ideia. Vivo cercado por elas. A vida é um mote. A observação de algo, uma pessoa, uma cena, uma situação. Às vezes uma ligeira impressão que se junta a algo que você já havia pensado anteriormente e que de uma maneira estranha ganham uma dimensão e caminho totalmente novos e desembocam numa boa história. Costumo ouvir muita música, de estilos bastante variados, assistir filmes, ler (não só prosa), visitar museus, conviver com as pessoas que gosto. Viver é o que mantém minha criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Uma maior dedicação a cada texto. Como sempre fui muito disperso, no início começava muitos textos ao mesmo tempo e não chegava ao fim de nenhum. Se pudesse voltar um pouco no tempo repetiria como um mantra algo que tentaram me ensinar, mas demorei a aprender: tenha um projeto! Saiba sobre o que está escrevendo. Parece uma coisa banal, mas um projeto claro é essencial para se chegar a algo consistente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de desenvolver um projeto de não-ficção, pesquisar a fundo sobre a história de alguém não muito conhecido mas que foi importante para o nosso país. Talvez meu lado jornalista que fique sussurrando isso nos meus ouvidos. Quem sabe ainda dou ouvidos.
O livro você gostaria de ler e que não existe? Nossa! Tantos livros já escritos que não vou conseguir ler nessa vida… Mas às vezes me pego imaginando o que estariam escrevendo hoje alguns escritores que tanto admiro e já se foram: Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Clarice Lispector, Paulo Leminski…