Fernando Gil Paiva Martins é escritor, professor de inglês e espanhol e mestre em estudos de cultura contemporânea.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Isso não é sempre, mas sempre que possível gosto de começar o dia lendo algum livro, antes mesmo de levantar da cama, antes do café-da-manhã, nem que seja por trinta minutos. É uma forma de me inspirar e de fazer as próximas atividades pensando seja no livro que estou lendo ou em alguma história que eu esteja escrevendo. Por isso, não digo que tenha uma rotina matinal, como sou professor, a profissão de escritor tem que andar junto e nos intervalos da outra.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para mim as melhores horas do dia são pela manhã e pela noite. É claro que tem dias em que essas preferências não valem de muita coisa e eu acabo por escrever quando o ato de escrever chega até mim. Não sei se diria que tenho algum tipo de ritual, mas caminhar ao ar livre, pela cidade ou por um parque é sempre um momento em que consigo me desligar do trabalho de professor e focar no de escritor. Por isso, durante esses momentos de fuga eu consigo, de uma maneira ou de outra, pensar minhas histórias, meus personagens.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nos últimos meses tenho escrito em períodos concentrados ainda que eu prefira escrever um pouco todos os dias. Acredito que o exercício diário é um ótimo aliado à prática e ao hábito de escrever. Ainda que eu saiba isso, não consigo colocar em prática sempre. Por isso minhas metas de escrita são mais a longo prazo, especialmente porque escrevo prosa e sei que preciso de mais tempo para concluir o romance. Entretanto, ao longo da trajetória de um romance, estabeleço metas menores para os capítulos, como um ou dois capítulos por semana.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A escrita começa antes da escrita. Isso quer dizer que muitas vezes não estou escrevendo nos meus cadernos ou no computador, mas estou escrevendo mentalmente, em casa ou durante as caminhadas. As palavras se agrupam, as frases e os parágrafos se formam e, em muitos momentos, é como se eu precisasse apenas sentar e transcrever o que está na cabeça. Isso é ainda mais comum quando estou em um período intenso de escrita. Muitas vezes sinto que as anotações e a pesquisa ainda não fazem sentido ou ainda não encontraram o seu lugar no texto, mas deixo essas anotações sempre por perto, pois servem de guia para conduzir a história como um todo. A pesquisa é simultânea à escrita. Na maioria dos meus projetos, não costuma haver a pesquisa e depois a escrita, porém as duas coisas sempre ao mesmo tempo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas da escrita vêm e o que considero mais importante sobre elas é que penso que muitas vezes uma ideia inacabada não é uma obra acabada. Isso quer dizer que porque não consigo escrever ela hoje, esta história está acabada. É como se eu ainda precisasse conhecer um pouco mais da história, dos personagens, ou me envolver um pouco mais na pesquisa para encontrar o que deve mover a história dali para frente. Enquanto a trava está ali, sinto que preciso ler, assistir filmes, fazer outras atividades que vão me ajudar a voltar à escrita. Porém, nem tudo é sempre assim tão fácil. É mais fácil dizer do que falar. Então, às vezes, ou muitas vezes, quando procrastino na escrita, sinto que preciso começar outro projeto, pensar em outra coisa, mas sem nunca deixar de lado o que estava inacabado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não acho que há um número definido de vezes em que reviso o texto, mas sei que uma obra seja um livro ou de qualquer outro tipo é sempre perfectível. O maior desafio é determinar que o livro está pronto e isso pode ser após uma única revisão ou algumas. Acho importante que algumas pessoas vejam o trabalho antes da publicação. Minha esposa, por exemplo, é sempre a primeira a ler e sempre me ajuda com apontamentos que eu mesmo não conseguiria ver estando só. Ela é minha primeira editora. Depois disso, possivelmente outras pessoas próximas também me ajudam com suas opiniões sobre o texto, ainda que muitas vezes eu tenha alguma resistências em mudar alguma coisa do texto em si.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Quase cem por cento do que escrevo é no computador. Tenho meus cadernos onde faço anotações, mas como passo a maior parte do tempo em frente ao computador, é nele onde deposito minhas ideias, meus rascunhos, notas, etc. Ou no telefone celular quando estou na rua, caminhando, ou em qualquer outra situação como essa. Quando era adolescente entretanto, era capaz de escrever um livro todo à mão, e tinha todas as anotações em papeis e blocos de notas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias não sei de onde vêm, mas num contexto geral vêm das minhas experiências com as outras pessoas, vêm das histórias que compartilhamos, sejam elas da família, amigos ou estranhos. As ideias vêm dos acasos e dos estranhamentos, vêm de um olhar inusitado a uma pedra, uma parede, uma árvore, um ponto de ônibus, de uma escassez de água, de um sonho, vêm do ordinário ou do extraordinário. Há trechos em meus livros que vieram inteiramente de sonhos, outros são histórias disfarçadas que aconteceram com alguém da minha família, outras vezes é a minha própria história que está ali camuflada num detalhe de um personagem. Não cultivo hábitos para a criatividade, mas acho que ela pode estar em todos os lugares, por isso cultivo as experiências que me trarão em seguida as ideias, as inspirações e os personagens e suas histórias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Em primeiro lugar, o que mudou na minha escrita é a própria maturidade do texto tanto no que diz respeito ao uso das palavras quanto aos assuntos em que me proponho a pensar, a falar sobre, a escrever. Isso é um reflexo não apenas da idade, mas também dos autores, das experiências acumuladas ao longo dos anos. O que vem a ser um processo natural da evolução da escrita. Quando vejo textos de quando estava na universidade, de quando era adolescente ou ainda criança vejo que estes textos refletem quem eu era naquele momento e são uma forma de acessar esse passado que era meu. Eu diria a mim mesmo que continuasse a escrever, que escrevesse mais e que tivesse menos medo em arriscar ou mostrar o trabalho para outras pessoas. Diria que procurasse mais concursos e incentivos à literatura e que não desistisse de escrever e de ser publicado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Há alguns anos eu tinha vontade de escrever um livro que me valesse algum reconhecimento, fosse uma publicação com uma editora, fosse um prêmio literário. E consegui os dois e sou muito grato por isso, pois acredito que portas foram abertas para mim. Hoje penso que existe uma responsabilidade (por minha parte) que preciso trazer nos próximos projetos, que o próximo livro deve ser sempre melhor que o anterior. O sonho das futuras publicações e de outros prêmios não se dissiparam, porém o projeto que gostaria de fazer é aquele que vai me ajudar a subir mais um patamar, a trazer um suspiro de surpresa nos leitores. Um livro em que eu consiga acumular bonitas memórias e formar um mosaico, íntimo a cada leitor, e que faça com que as pessoas consigam se emocionar ou que as faça pensar mais sobre a vida e as coisas da vida. Ainda não sei o que será nem como será, mas será.