Fernando Andrade é poeta, jornalista, crítico literário e parecerista.
Como você começa seu dia, tem uma rotina matinal?
Tenho uma vontade incontrolável de pegar um livro que deixei a leitura no último suspiro de sono, no dia anterior. Claro, tomo um café escuro, mas sem ser fortíssimo. E depois leio durante quase uma hora, quando vou nas redes para ver se alguma resenha\entrevista minha que foi publicada.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Nas horas em que a família deixa. rs. Como em casa ninguém tem hábito de leitura, os prazos de todos são regidos pelos ponteiros do relógio, eu que trabalho em casa, pois faço pareceres de obras e resenhas remuneradas, preciso procurar o vão da noite ou as tardes onde estão lhes exigindo tempo de trabalho. Faço tudo no meu silêncio da sessão da tarde ou do vídeo show. Sinto que minha imaginação está dando pontadas de gozo, algo como uma abstinência de escrita\leitura, uma leve cócegas na mente me leva a começar à botar o trabalho em dia ou fazer projetos novos, como agora um livro de contos.
Você escreve um pouco todos os dias em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
No meu trabalho com resenhista, sim, praticamente todos os dias apronto um texto (resenha) ou perguntas para mandar para autores. Mas para ficção tenho escrito muito pouco, pois tenho mais usado arquivos já escritos, como agora que trabalho um livro de contos “Logaritmosentido”, contos na maioria, escritos para um clube de leitura e escrita que participo desde 2013, aqui no Rio. Como tenho sempre projetos sequenciados, este agora que me toma tempo, mas claro escrevo para este clube de 15 em 15 dias. Também faço poemas para um coletivo de arte, Caneta Lente e pincel, com periodicidade de uma vez por mês.
Como é seu processo de escrita? Uma vez que você já compilou notas o suficiente, é difícil começar? Como você se move na pesquisa para escrita?
Está muito ligado a uma que eu chamo de afetividade da imaginação. Se estou com a mente desanuviada de problemas, pensamentos tortos, eu sinto ideias aparecerem de um jeito quase como um *ladrão de maçanetas (Título de um livro que estou lendo agora) A porta abre deixando a latência das imagens jorrarem para minha consciência visiva que vem sempre por alguma certa palavra. Há uma torrente de palavras aparecendo tanto para começar um conto quanto para dar títulos de livros. “O Enclave” meu livro pela Patuá, foi assim, alguém forçou a maçaneta e jogou a palavra no insight noturno, estava prestes a dormir. Não costumo fazer notas, nada organizado, acho que vem no abrutamento do susto. Não sou muito racional, água me circunda tudinho, envolto. Por um ideia-chave, no caso do meu livro de poemas a perpetuação da espécie queria falar de exílio, e contar uma narrativa através de poemas que para minha surpresa não haviam sido originalmente escritos com esta unidade. Mas acredito nas configurações simbólicas e arquetípicas no que a gente pensa sobre linguagem e escrita, e o nosso repertório sobre.
Como você lida com as travas da escrita? a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas, e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu preciso estar calmo para o começo da escrita rs. Se algo me irrita, como barulhos internos (aqui digo residência) fico meio travando e trancado numa cela de reclusão de ideias. O silêncio precisar ser quase uma liturgia de audição interna do que estou apto à escrever no dia, no momento, acredito que as ideias vem de acordo com o seu ritmo tanto da semana quanto da sua afetividade social. Sim, costumo procrastinar bastante, mas, sigo prazos, não gosto de perdê-los. Tenho um relação boa com o que se espera da minha escrita, pois não tenho uma autocensura tão tinhosa, me considero um autor criativo, e as ideias e a escrita são em mim, um ato de volição, toda escrita é narcísica, cabe o autor cortar a asinhas do espelho na hora do vamos ver com o mundo. Tenho um projeto que não pode ser considerado longo, mas que vai durar uma parte boa de um ano que eu vá colocá-lo em prática. Um livro de entrevistas com material (perguntas inéditas) à poetas e contistas.
Quantas vezes você revisa seu texto antes de sentir que está pronto? Você mostra seu trabalho para outras pessoas antes de publicá-lo?
Não muitas, geralmente faço uma revisão de contos quando já o texto passa por leituras alheias. Alguém me chama atenção isto poderia melhorar. Minha criatividade vem de primeira, no jorro do momento, quando tento rescrever sinto que possa tá perdendo algo. Mas é interessante o filtro do pensamento faz a peneira das transgressões que às vezes não se quer leitor… como sou meio afoito nos meus temas, há sim um certo recalque ou pudor em amaciar a pulsão da escrita. Mando sempre para amigos próximos que me dão um retorno muito bacana. Gosto muito da escuta do leitor que a gente começa a cruzar textos tanto na subjetividade da resenha-autor-leitor quanto de colegas de escrita como o Clube da Leitura.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu só escrevo no editor de texto, no Word. Gosto de criar imagens na tela branca, pois me dá uma ideia de relação entre o cheio e o vazio. Entre a vontade ou a potência da grafia na marca branca e a inanição da palavra grafada-apagada.
De onde vem suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se mantém criativo?
De uma linha muito antiga que começou nas primeiras impressões de leitura entre o mundo os seus círculos sociais, e o grau máximo de introversão que me habitava com relação ao status fantasia, sempre fui muito escapista, minha imaginação começou perante o rigor do interdito. Abri um lago quando o entorno era rigor e controle. Ali começou a latência do escritor e do poeta. Não cultivo práticas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita dos seus primeiros anos?
Aprendi que o inconsciente trabalha por nós. Que a memória é um elemento de síntese do barro que você recorre ou recolhe do seu crescimento aqui digo físico pois o corpo biológico traz precisas marcações da tua condição do olhar. Ou de outra forma amadurecer tanto em aspectos práticos quanto na mirada do escritor perante o tempo. Não tenho arrependimentos com relação ao transcurso.
Que projeto você gostaria de fazer mas ainda não começou? Que livro gostaria de ler e ainda não começou?
Um livro de entrevistas com poetas e contista falando sobre processo de criação, laboratório de imagens pessoais. etc. Um livro (ainda não escrito) que deslindasse com todas as matizes, a ofensa, de jeito Bartheano ou Batailleano, o dizer “vai tomar no cu”. É a frase mais filosófica entre os anais da história.